Monday, December 13, 2010

Os 10 melhores discos de 2010

Como sempre, fiz minha listinha. E como pelo primeiro fim de ano na história deste blog (e desta vida) estou empregado, coloquei o top 10 direto no site da Mixmag, onde estou trabalhando. As explicações estão todas aqui e aqui. No blog ponho só a lista. Mas recomendo acessar os links e prestigiar o trabaio dos irmão.

10. Spilling Over Every Side - Pretty Lights
9. Mundialmente Anônimo - Maquinado
8. This Is Happening - LCD Soundsystem
7. Say Goodnight To The World - Dax Riggs

6. Efêmera - Tulipa
5. Sea of Cowards - The Dead Weather
4. Mini Mansions - Mini Mansions
3. Plastic Beach - Gorillaz
2. I'm New Here - Gil Scott-Heron
1. Grinderman 2 - Grinderman

Tuesday, November 30, 2010

"Parem de Lucrar com a Miséria Alheia"

Nunca pisei numa favela. As circunstâncias do mundo em que vivemos transformam essa afirmação numa coisa feia, é como se eu estivesse assinando meu atestado de playboy. Mas poxa vida, é verdade: nunca pisei numa favela. Vou mentir por quê?

Favela é um lugar de merda. Obviamente tem o tráfico, o esgoto a céu aberto, barracões que mal conseguem se manter em pé, acesso dificultado e se for em morro ainda rola uma subida filha da puta (playboys paulistas, mimados e hipócritas como eu, passam pelo mesmo drama quando sobem alguma rua em Perdizes a pé, ha ha ha). Não tem como gostar desse lugar, de morar nesse lugar. Deus abençoe o morro, dele saiu um dos dez maiores gênios brasileiros (me refiro ao Cartola, mas dá pra pensar em muito mais gente que mereceria o título), mas aquilo ali não é lugar decente pra ninguém.

Daí dá a merda que deu no Rio e alguém acha que é legal subir o morro e acabar com o tráfico. Sobem, tiram os traficantes, prendem todos. Tem gente que acha que deviam era ter matado. Sei lá. O fato é que tiraram os traficantes do morro, estão tentando fazer alguma coisa contra o poder deles. E você sabe como é traficante, né? Traficante pica-grossa vive na favela como se fosse um monarca, manda e desmanda. A maioria é sangue ruim mesmo, gente que não vale a pena continuar viva. Mas olha aí, a PM não matou nenhum.

Mesmo assim, rola uma patrulha chatíssima de gente que manja de favela tanto quanto eu, gente que é esperta pra chuchu, que é justa pra dedéu, que sabe de tudo. Gente que fica no twitter o dia inteiro desmoralizando "a classe mérdia". Que acha que é feio que a população queira a execução de traficantes. Acontece que é muito fácil falar, do seu apartamento com acesso à internet banda larga, que porra, a favela é legal sim. É muito fácil desenhar suas tirinhas cômicas super sagazes e críticas e jogar no G1 como a sentinela do bom senso. É muito legal pagar de compreensivo e esquerdete pra comer as menininhas e ter a admiração dos colegas do curso de jornalismo.

A real é que o povo diz que quer a morte dos bandidos porque é assim que o povo se expressa. Porque a voz da massa fala da forma menos sofisticada e mais direta. Mais vale, em vez de fazer oposição burra e hipócrita a um clamor que é mais um slogan do que qualquer outra coisa, abstrair a ignorância e entender o recado. A população cansou da violência e "eliminar os vagabundos", seja com tiro, seja trancafiando num presídio, serve como simbolismo para isso tudo.

Se nada for feito depois, vão aparecer outros traficantes. Se não aparecerem traficantes, serão milicianos. Se não forem milicianos, vai ser alguma outra merda, alguma outra falcatrua que vai render muito dinheiro. "Sobe o morro e mete bala" é, ou deveria ser, apenas um equivalente a "parem de lucrar com a miséria alheia".

As soluções parecem óbvias: condições básicas (saúde-educação-cultura-trabalho), legalização das drogas, penas severas aos corruptos que fomentam a insolucionabilidade de todos esses problemas... Nós, playboys que nunca pisaram na favela e postam tirinhas perspicazes no G1, devemos agora brigar por tudo isso, fazer com que essas medidas sejam finalmente implantadas. Ironizar uma manifestação espontânea popular, no entanto, não ajuda em nada, apenas mostra praquela gatinha o quanto você é justo, compreensivo e defensor dos direitos humanos. Super fofo da sua parte, hein?

Tuesday, November 23, 2010

Paul Macca

Saiu originalmente aqui.

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Você já leu Fever Pitch (Febre de Bola)? É um livro do inglês Nick Hornby que fala da paixão do autor pelo futebol e, mais especificamente, sobre vinte e tantas temporadas que passou acompanhando o Arsenal. Pessoalmente, acho que daqui uns quinze ou vinte anos posso escrever um livro no estilo sobre o São Paulo FC. Já vi muita coisa no Cícero Pompeu de Toledo, já vi vitória com gosto de derrota, títulos, briga, gol de bunda, já vi os torcedores comuns se revoltando com as hediondas torcidas organizadas... Mas em todos esses anos de são-paulinismo, nunca tinha reparado como o Morumbi era grande. Até ontem.

O coração de Paul McCartney, grande e generoso, talvez tenha contribuído para essa percepção. Aliás, minto, tenho certeza de que esse foi o fator principal. A perfeição técnica de seu show, todas as luzes, o gramado apinhado de gente (estou só acostumado a ver 22 mais o juiz), tudo isso também ajudou a transformar o estádio num colosso, incrustado no meio da cidade, ainda mais monumental.

Eu estava lá, mas quase que não. Rebobinemos.

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Sentado na banca de jornal da Roberto Gomes Pedrosa com duas cervejas melancólicas, as lufadas de ar fedendo a mijo, comecei a trocar idéia com um tio que estava só esperando o filho sair do show para ir embora. Em 20 minutos, Paul McCartney subiria no palco e o fim da noite se anunciava deprimente. Culpa minha, que só decidi tentar a sorte com ingressos mais ou menos às sete da noite do mesmo dia. Saí do Tatuapé e cruzei a cidade com 100 reais no bolso. “Vishhhh... Cem conto não vira não, tio”, diziam os cambistas.

Mas é claro que vira. Cambistas ficam todos dóceis depois que o show começa. Claro, eles sabem que vão morrer com um bando de ingresso na mão e tentam atenuar o prejuízo. É a desforra do fã, é o nosso jeitinho tímido de revidar os abusos que cometem cambistas, organizadores de show, mafiosos e laranjas. Pois bem. Perdi o medley inicial, com Venus and Mars, Jet e Rock Show. Mas, entrando no estádio, ouvi que ele já tocava All My Loving e, correndo empolgado, com calafrios de empolgação, achei que o meu início de apresentação até que foi bem decente.

Engraçado que as características mais irritantes da personalidade de Paul são as que o fizeram o maior compositor de música popular do século XX. As caras e bocas, o jeitão galhofeiro, tudo isso parece muito bobo nesta época em que o espírito de John dita o ritmo do rock. Lennon era rebelde, inconformado, revoltado (e pessoalmente, diga-se, era grosseiro e egoísta). McCartney, no entanto, não está nem aí e se mantém um bonachão de primeira. Fora de moda? Totalmente. Mas não fosse sua curiosidade e sua auto-confiança, que já esbarrou na arrogância, os Beatles teriam sido apenas mais um grupo de rock que um dia fez muito sucesso.

Essa faceta mais chata de Paul é evidenciada na meiuca do show, quando suas músicas solo, infinitamente menos ambiciosas, mas consideravelmente “mais McCartney”, tomam conta. Só que aí o errado sou eu. O artista tem que tocar o que tem vontade e ele parecia bastante confortável com suas músicas. Seja como for, a cada música dos Beatles, eu tinha vontade de sair do estádio e dar mais uns 300 reais para o cambista. A história estava sendo feita ali mesmo e eu era parte dela, junto com outros 64 mil sortudos.

O momento que mais me comoveu foi A Day in The Life. Tem alguma coisa nessa música que fez meus olhos marejarem e a espinha congelar e foi isso mesmo que aconteceu. McCartney é impecável no palco, sua banda também, o telão parecia que era em HD, garantindo que nada atrapalhasse a experiência da música favorita de cada um. Porra, teve também And I Love Her, a primeira a me emocionar desde o começo (All My Loving me pegou pela metade), I’ve Got a Feeling, Helter Skelter, Back in the USSR, a pirotecnia incrível de Live and Let Die. Teve muita coisa, tudo memorável, e eu só desejo chegar também aos 68 anos com a disposição de fazer uma apresentação de quase três horas.

O fim do show é o mais memorável que já vi. Começa com aquela reprise de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band e já emenda em The End. Paul McCartney contradiz tudo o que os roqueiros ingleses enjoados de hoje clamam, chegando até a ser brega. Esse é seu principal trunfo. Ele não tem vergonha de se importar e sente-se muito bem com isso. Afinal, quem mais teria bolas para terminar um espetáculo gigantesco com “and in the end, the love you take is equal to the love you make”?

Sunday, October 10, 2010

Dave Matthews e Sua Banda de Mangá

Durante o feriado, enquanto espero pelo Grande Dia, resolvi reler meus mangás de Dragon Ball, que estão aqui na casa da minha mãe. Não sei dizer se Dragon Ball seguiu alguma coisa já existente ou se é o começo de tudo, mas definitivamente sua narrativa - tanto o ritmo quanto os clichês, que estão todos ali – segue o padrão clássico de quadrinhos da revista japonesa Shonen Jump.

Esse tipo de forma de contar uma história e agregar valor a seus personagens é uma coisa tipicamente japonesa. É um lugar comum que nem as novelas por aqui. Mas qualquer um que já tenha lido os quadrinhos ou assistido a desenhos como Naruto, Yuyu Hakusho e Cavaleiros do Zodíaco percebe um padrão.

Mais ou menos assim, geralmente há um personagem principal com características marcantes, alguma excentricidade e personalidade de líder. Conforme a história avança, o herói vai encontrando pessoas em diversas situações inusitadas, que geralmente só acontecem por causa de uma aventura ou por causa de uma busca. Um caso clássico e que ultrapassou as barreiras do interesse por quadrinhos e cultura japonesa é o de Pokémon. Na trama, Ash Ketchum vai conhecendo companheiros e antagonistas, cada um representando um tipo de pessoa no universo em que o mangá acontece. Seus pokémons meio que refletem ou completam suas personalidades e têm suas características peculiares também.

Nunca li um quadrinho sobre uma banda, mas acredito que se existir um e ele tiver esse ritmo de “busca” ou “aventura”, pode ser facilmente imaginado. Visualizo um vocalista-líder percebendo que só conseguirá tocar suas músicas da forma que elas devem ser tocadas se encontrar a banda perfeita. Para isso, ele embarca numa jornada pelo planeta atrás dos melhores músicos. O clichê indica que o percussionista seria um africano, que encarnou o espírito de Fela Kuti, o naipe de metais seria formados por músicos durões de New Orleans, etc etc etc. Chamo atenção para o hipotético guitarrista, um cara meio excêntrico e sombrio. Haveria também um músico extremamente leal e o “garoto”, aquele músico jovem e talentoso, mas ainda meio imaturo e a gente pode continuar nessa por horas.

Esse grupo dos mangás existe e tem nome: Dave Matthews Band. A incrível jornada do carismático Dave o levou a montar a banda “de músico” mais bem sucedida da nossa geração. Com seus poderes, os integrantes da orquestra tentam mudar o mundo através da música, sempre com muita personalidade e carisma. Durante sua turnê pelo mundo, Dave e sua turma encontram inimigos ardilosos, rivais honoráveis e aliados preciosos.

Ou quase isso. Sempre reservei um certo desprezo pela Dave Matthews Band sem saber por quê. Quer dizer, é uma puta música de bicha, de casalzinho em lua de mel e de casalzinho bicha em lua de mel. Normalmente ignoro esse tipo de caso, torcendo só para que apertem pause o mais rápido possível, mas desde o começo considerei silenciosamente o DMB a grande mancha negra no cast do SWU, pior que Jota Quest e Capital Inicial, muito pior do que Linkin Park, talvez só um pouco menos aceitável do que a hedionda Avenged Sevenfold. A birra foi se explicar só hoje há pouco, quando assisti à transmissão do seu show pela TV.

O grande problema é cada integrante parecer um personagem, um bravo guerreiro da música ocidental, guiado pelo seu líder cheio de empatia. Cada um desses músicos parece um boneco colecionável, com seu cabelo peculiar e sua técnica apurada. Quer dizer, chega um ponto em Dragon Ball em que os poderes dos personagens mais importantes é tanto que destruir o mundo é parte da rotina, é só mais um hematoma numa luta que vai para níveis não-terrenos. E os rapazes continuam super descolados!

A Dave Matthews Band esbarra nisso. A técnica de cada Davezette é tanta que nenhuma música parece complicada o suficiente. Mesmo assim, eles recusam a “tarefa” de tocar música erudita ou “punheta” que seu “ dom” impõe. Continuam fazendo música pop, vendável, sexy, compulsiva, sempre com um sorriso brilhoso. Tem o baterista rasta de camisa de time de futebol americano, o guitarrista com óculos vermelhos extravagantes e muitas caras e bocas durante o solo, o violinista com roupa de rapper e cabeleireiro do Djavan...

Todos eles aliens de diferentes planetas que nunca interagiriam se não fosse o carisma conciliador do Grande Dave. Eles parecem como Kuririn e Piccolo em Dragon Ball, Brock e Misty em Pokémon, Yahiko e Sanosuke em Samurai X (para ficarmos nos mais populares) e mais uma infinidade de personagens sem nada em comum de uma infinidade de mangás que nunca lemos.

Já passei da fase dos mangás. Com 14 anos, aquelas histórias pareciam geniais e originais, mas hoje em dia, consigo encontrar todas as repetições que eles trazem. Seja como for, ainda curto dar uma relida neles de vez em quando. O que não curto de jeito nenhum é ver esse tipo de narrativa parecer se repetir na música. Ainda mais sendo o personagem principal o boa-praça -coração-de-ouro Dave Matthews. A música pop só existe por causa dos anti-heróis.

Friday, October 08, 2010

Podreira na Danceteria

Último texto a sair pela Tribuna de Indaiá. É diretamente relacionado a este post aqui, que saiu também pelo jornal (mas acabou saindo antes no blog), mas contemporiza um pouco a coisa, ou seja, fala de discos atuais. Quer dizer, isso tudo a meu ver. Vai ter gente que acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Particularmente, tanto faz. O que os une é o fato de eu gostar bastante de ambos.

Agora, antes do texto, momento featured post. Segunda-feira tem QotSA aqui na República do Abacaxi Cortadinho e se você também vai lá idolatrar a rapazeadinha, recomendo ler este relato sobre o primeiro show que vi dos caras pra aquecer. Dependendo da qualidade da apresentação, tento fazer um texto legal sobre o SWU.

***

Na semana passada, tentei mostrar um cenário caipira dos Estados Unidos que não se move em torno da música country necessariamente. Existe uma América caidaça que está atrelada a valores como nostalgia doentia, gel de cabelo, ternos baratos e covers de Elvis. Uma coisa bem de filme, mesmo. E ninguém representa melhor esse clima de fim de festa hoje em dia do que Dax Riggs e Grinderman.

Antes de prosseguir, acho que devo um parágrafo de explicação. O que a caipirada norte-americana tem a ver com a Tribuna de Indaiá? Tenho dois argumentos – além do simples fato de ser um assunto que me interessa. Toda a cultura mundial é influenciada pela ianque e fica impossível se desvencilhar dela, fazendo parte disso a reflexão acerca de seus símbolos, que já são quase nossos. Depois, se já engolfamos a cultura dominante (imperialistas! Yankees go home!), analisar seus meandros também é auto-análise.

Legal. Agora aos personagens principais. Você nunca ouviu falar de Dax Riggs, tenho certeza. Também, ele nunca participou de uma banda relevante que fosse e nunca emplacou um só hit. Riggs é um expoente de uma forte cena independente do hemisfério norte que se paga sem precisar de grandes investimentos e cujos shows passam por todo o seu território (mais ou menos o que o Fora do Eixo quer fazer aqui no Florão da América). Nos anos 90, ganhou alguma notoriedade enquanto tocava na banda de metal sujo – e essa é a única definição cabível – Acid Bath. Depois aventurou-se por projetos menos pesados, mas tão doentes quanto: Agents of Oblivion e Deadboy & The Elephantmen.

Mas Dax Riggs chegou a mim através de seu primeiro trabalho solo, We Sing of Only Blood Or Love, de 2007. Com músicas intituladas maravilhosamente como Demon Tied to a Chair in My Brain (“Demônio Amarrado a Uma Cadeira no Meu Cérebro”), ele é o tipo de artista que só chegaria aos nossos ouvidos por causa da internet. E, cantando sobre sangue e amor, sempre me passou uma idéia de hippie cocainado de alguma periferia cultural do sul dos Estados Unidos. Quase isso: Riggs é de Nova Orleans, um dos locais mais fantásticos e ricos do mundo quando se trata de ecossistemas artísticos. Ainda assim, ele está à margem, como alguém fazendo música eletrônica minimalista num rincão gaúcho.

Acontece que em Say Goodnight To The World, seu novo disco, o cantor se afasta da imagem de hippie acelerado e pé sujo e se aprochega a uma nova persona, uma espécie de cantor de churrascaria podreira, com a gravata borboleta folgada. Tipo a banda da festa de formatura que espera que todos dancem, mas é simplesmente sombria e tristonha demais para isso. Dax Riggs é sombrio o suficiente para dar sentido à comparação e tudo isso está explicitado já nos títulos de suas canções: Gravedirt On My Blue Suede Shoes, por exemplo. Musicalmente, como que provando toda esta ladainha, no novo disco destacam-se You Were Born to Be My Gallows e a versão enfastiada de Heartbreak Hotel.

Já Grinderman é o braço de rock de garagem de Nick Cave and the Bad Seeds. Nick Cave é um dos poucos heróis dos anos 80 que mantiveram seus colhões e sempre fez música folk iluminada por esferas espelhadas de danceteria. Daí, em 2007, junto com boa parte dos Bad Seeds, ele virou para o outro lado, disposto a estourar alguns tímpanos, e deu à luz o Grinderman. Perfeito. Assisti a um show do grupo em 2008 e vale destacar como o frontman funciona no palco. A primeira coisa que você repara em Cave é seu bigode indecente, desafiador até, tipo Josh Brolin em Onde os Fracos Não Tem Vez. Ele olha para a platéia com os olhos esbugalhados e pronuncia palavras repetidamente, em intervalos cada vez mais perturbadores. Na verdade, trata-se de um tio já meio careca com uma aparência que oscila entre diretor de escola, psicopata sexual e estrela do rock.

O primeiro álbum do Grinderman é simplesmente incrível. Suas letras mostram que o australiano Nick Cave entende essa América podreira como poucos. Das descrições minuciosas de como ele tentou e não conseguiu uma transa (em No Pussy Blues) até às bravatas de patriarca decadente (Go Tell The Women), todo o ambiente do disco é minuciosamente moldado dentro de um lugar com drive-ins, caminhões de sorvete e serial killers à espreita.

Em Grinderman 2, que sai em outubro (na internet já foi “saído”), a idéia continua. A diferença é que o descontrole emocional e a ironia aprendem a conviver com uma psicodelia quase tântrica em alguns momentos (especialmente o final de When My Baby Comes). É como uma sessão de hipnose no meio do baile da igreja. E é um discaço também. Desde já, um dos melhores do ano.

Tuesday, September 28, 2010

White x Homme

E minha colaboração na Tribuna de Indaiá não existe mais. Vou postando os últimos textos, mas é capaz que o blog dê uma morrida de novo. Chato...

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Se nossa época não está apinhada de guitarristas lendários, pelo menos fica mais fácil de identificar quem são os mais emblemáticos. Na minha opinião, é difícil encontrar um representante maior das Seis Cordas de Rock do que Jack White e Joshua Homme. E, em seus respctivos cubículos, reinam absolutos, sem concorrência – nem entre si.

Primeiro vamos aos fatos: tanto White quanto Homme conseguiram, ao longo dos anos, modernizar tudo aquilo que fizeram os pioneiros do rock – tanto aqueles do meio dos anos 50 quanto os que infernizaram o mundo entre o fim da década de 60 e o começo da de 70. Baseados em formas de comunicação mui peculiares, construíram verdadeiros impérios de junk food musical. Mas junk food daquela rede que faz o sanduíche na hora e que o bacon é crocante de verdade.

E que formas de comunicação são essas? Da parte de White é a urgência desesperada contida em dedos ágeis que respondem a um cérebro acostumado a ritmos frenéticos dos grupos de garagem dos anos 60. Sua primeira banda, o White Stripes, parecia uma resposta muito mais selvagem à inconsequência playboy dos Strokes. Petulantes a ponto de dispensarem o baixo de suas músicas, Jack e Meg White pareciam dois extra-terrestres vestidos com roupa espacial bicolor vindos direto de um filme B de ficção científica dos anos 70.

Já Homme aprendeu a tocar guitarra com os discos metaleiros mais sujos dos lugares mais áridos do planeta. Como integrante do Kyuss, fez parte de uma das maiores bandas de metal cult dos anos 90 e, com seus riffs chapados e cheios de reverb, ajudou a criar o stoner rock. Depois de mais umas boas orelhadas nas realizações mais piradas de David Bowie, Brian Eno e Phil Spector, aprendeu a usar o estúdio como poucos hoje em dia. Seu trabalho no Queens of the Stone Age é um mar de overdubs (gravações por cima de outras), instrumentos diversos, segundas, terceiras, quartas e quintas vozes.

Depois disso, munidos de suas respectivas personalidades (explosiva e irônica, na ordem), montaram linhas de produção dignas de inveja. White ganhou ainda mais notoriedade com os Raconteurs, sua gravadora Third Man Records – que, além de revelar artistas novos, vai lançar o novo álbum da lendária Wanda Jackson – e sua participação no filme A Todo Volume, ao lado de Jimmy Page e The Edge. O filme, aliás, definiu White como o principal herdeiro da guitarra, como aquele que vai levar a originalidade adiante num mundo cada vez mais monótono.

Mas ele não está sozinho. Porque Homme, mais do que se lançar como a salvação do rock, foi capaz de transformar sua banda numa espécie de Sol, exercendo atração em diversos outros artistas, que gravitam como planetas à sua volta. Exemplos não faltam: Eagles of Death Metal, Them Crooked Vultures (onde Homme tem a audácia de comandar John Paul Jones), Mondo Generator, além de participações incontáveis, de Foo Fighters à banda de metal Mastodon, todas com sua marca registrada.

Mas tudo isso para dizer que cheguei à conclusão de que Jack White deu um passo à frente. Talvez uma medida definitiva. E esse passo tem nome: The Dead Weather. Que consiste em todo aquele blues rock agudo e meio inconfundível que ele vem fazendo já alguns anos finalmente unido a técnicas de estúdio avançadas. Como Homme já fez no Eagles of Death Metal, White assume a bateria, mas não deixa de lado as guitarras. Há solos ali que são seus, que carregam seu espírito, por mais que a banda fuja de seus trabalhos anteriores.

Jack White é, antes de mais nada, o guitarrista mais arrogante e presunçoso da nossa geração. E também um reciclador como poucos. Mas conseguiu enterrar suas digitais em cada compasso de cada música que trabalhou desde 1998. Quando finalmente entendeu a lógica de sua contraparte (ou sua “contralógica”), criou seu melhor projeto até o momento. Partindo da tese de que encontrar um consenso entre duas tendências distintas é se fortalecer, afirmo sem medo: The Dead Weather é o futuro do rock.

Sunday, September 19, 2010

Lester Bangs

A característica mais fascinante de Lester Bangs, e a que o fez famoso, era sua paixão pelo ato de escrever sobre música. Mais do que escutar, mais do que apreciar, ele era capaz de transformar uma resenha numa obra tão completa e intrigante quanto o álbum em questão. É notável o caso de Astral Weeks, de Van Morrison, cuja fama é precedida pela excelente análise de Bangs. Nela, o jornalista se infiltra em cada aposento da mente do disco – sim, do disco – e deles tira conclusões incríveis, antes inimagináveis. Há quem diga que o texto chega a ser melhor do que a música em si.

Mas não adianta todo esse falatório se você está sem entender até agora quem foi Lester Bangs. Basicamente, foi o maior jornalista musical de todos os tempos. Um terço pelo talento, um terço pelo barulho que suas resenhas faziam e outro terço pelo estilo de vida. Como uma espécie de beatnik ou rockstar, Bangs foi bêbado, drogado e, certas vezes, até um misantropo. Suas brigas com Lou Reed, vocalista do Velvet Underground e uma das figuras mais podreira da história da música, escondiam uma admiração mútua que o músico não permitiria se não visse em Bangs um igual.

Numa época em que a crítica musical tinha importância mastodôntica por não ter concorrentes similares à internet e à MTV, os jornalistas eram vistos pelos caras das bandas como os “inimigos”. Muito provavelmente é daí que vem aquela idéia de que todo crítico é um músico frustrado. O poder dado ao redator era tanto que ele podia escrever qualquer impropério sobre qualquer artista quando bem entendesse, da forma que lhe parecesse mais insultante.

Bangs, por sua vez, era diferente. Claro, ele tinha seus momentos: descia a lenha sem dó no Led Zeppelin, por exemplo. Mas, na essência, acreditava na democratização da música e ridicularizava o mito da diva, o culto à personalidade do músico intocável, à figura do dândi iluminado que muitos roqueiros dos anos 70 acreditavam ser. Ele sabia que o músico era um trabalhador como qualquer outro, antecipando o conceito de música independente em 10 ou 15 anos. Lester Bangs também dizia que o único motivo para se forjar um herói era para jogá-lo por terra novamente. Por isso o punk e sua decadência igualitária foram sua redenção. Ele até chegou a se aventurar na música e Lester Bangs and the Delinquents, projeto em conjunto com Mickey Leigh (irmão de Joey Ramone), deu vida a um disco bem digno.

A influência de Lester é ampla. Na contracapa de seu Reações Psicóticas, editado aqui no Brasil pela Conrad e que inspirou este humilde escriba a escrever estas linhas, há até uma citação de Kurt Cobain: “Os textos dele me ajudaram a entrar em contato com pessoas como eu”. Além disso, o jornalista foi uma espécie de conselheiro do diretor Cameron Crowe (Vanilla Sky, Jerry Maguire) quando este ainda era um garoto que tentava ser crítico da Rolling Stone. Suas conversas podem ser vistas no filme Quase Famosos, onde Bangs é interpretado por Philip Seymour Hoffman.

No filme, ele mostra uma justa desconfiança em relação à Rolling Stone. Poucos anos antes brigara com seu editor Jann S. Wenner, a quem chamava de groupie disfarçado por não admitir que batessem nos artistas queridinhos da revista. Depois de sair da Rolling Stone, Bangs passou por Detroit (na revista Creem), Nova York (Village Voice) e contribuiu para Playboy, New Music Express e ainda outras. Morreu em 1982 de overdose de tranquilizantes, na mesma época em que trabalhava no seu primeiro livro não musical.

Dizem que Lester Bangs era, antes de tudo, um desperdício, já que devotou todo o seu talento somente para a música. Mas ele era cria de época em que curtir um som realmente importava e as pessoas realmente tinham algo para dizer. Isso, claro, fortalecia a crítica e permitia que tratados como a resenha de Atral Weeks tivessem significado à altura de um conto da alta literatura. Bangs fazia algo que há muito se tornou cafona, mas que talvez seja a salvação para essa pindaíba criativa que nos acomete de tempos em tempos: ele levava a cultura a sério.

Tuesday, September 07, 2010

My Way no Coração de Ohio

And now, the end is near,
And so I face the final curtain.
My friends, I'll say it clear;
I'll state my case of which I'm certain.
I've lived a life that's full -
I've travelled each and every highway.
And more, much more than this,
I did it my way.

Jerry é caminhoneiro e acaba de voltar a Ohio de uma entrega especialmente especial direto do oeste. Ou coisa parecida. Jerry sentia falta de Rosie, sua mulher. Mas sente saudades de outra Rosie. Aquela de 30 anos atrás, quando iam ao drive-in (jesus!) e aos bailes do colégio. Ou aquela Rosie de 20 anos atrás que cozinhava divinamente e, depois de manter a casa impecável e cuidar dos filhos, ainda tinha tempo para um chamego no final do dia. Essa Rosie morreu. Ela e Jerry agora são dois velhos com vestidos, aventais, botas e botões de camisa soltos.

Regrets? I've had a few,
But then again, too few to mention.
I did what I had to do
And saw it through without exemption.
I planned each charted course -
Each careful step along the byway,
And more, much more than this,
I did it my way.

Há um baile para gente como Jerry e Rosie no boliche da cidade. No boliche as pessoas se vestem como pessoas de boliche, tarantinamente, com casacos vermelhos cintilantes, bonés e chapéus. Vestidos. Uma banda foi paga para fazer um verdadeiro flashback, um show que irá levar todos nós aos nossos anos dourados, quando era permitido sonhar. “My Way”. Jerry hesita. Abraça Rosie docemente, mas sem muita convicção.

Yes, there were times, I'm sure you knew,
When I bit off more than I could chew,
But through it all, when there was doubt,
I ate it up and spit it out.
I faced it all and I stood tall
And did it my way.

“Sou um homem, caralho! Quantos por aí podem dizer isso? Por vezes errei, mas sempre honrei minhas bolas!” Respiro; Suspiro. “Respeitei minha pátria, amei minha mulher, trabalhei com afinco. Sinatra me entende... Sou um homem, caralho!”

I've loved, I've laughed and cried,
I've had my fill - my share of losing.
But now, as tears subside,
I find it all so amusing.
To think I did all that,
And may I say, not in a shy way -
Oh no. Oh no, not me.
I did it my way

Jerry lembra de seu pai, mas Rosie nunca quer saber das suas histórias. Vagabunda. "Se fosse metade da mulher que foi minha mãe..." Americanos de muito brio. Jerry vinha de uma família de muita estirpe. Orgulho. Altivez. Justiça. Era uma família americana e justa. “I pledge allegiance to the flag”. Sinatra entende. Sintonia, Sinatra e a Bandeira, mas Jerry também estava atento. Não tolerava um certo vagabundo desde o tempo em que trabalharam juntos no armazém.

For what is a man? What has he got?
If not himself - Then he has naught.
To say the things he truly feels
And not the words of one who kneels.
The record shows I took the blows
And did it my way.

Jerry, um Homem. Já era hora de resolver essas coisas como um homem. Um gracejo, um pisão e o taco de sinuca era seu. Jerry observou bem seu antagonista antes de sua tacada mais importante, mas foi surpreendido por outro taco no meio das costas. Uma porrada na cervical que fez até com que ele cuspisse um pouco da merda que estava bebendo a noite toda. Antes de apagar, notou que a banda já não tocava mais Sinatra, aquele Americano Orgulhoso.

Yes, it was my way

Por Que Ouvir Zu

Você precisa ouvir Zu. A pesquisa de campo abaixo prova tudo.

Pam diz:
 que isso?
pedro diz:
 uma banda muito doida
 italiana
Pam diz:
 caraleo que medo
pedro diz:
 ahuahuahuhauhauhauhauhauha
 muito, né?
 demente
Pam diz:
 deve tocar em rituais
 certeza

***

Matheus diz:
 que é isso cara?ahueha
pedro diz:
 uma banda muito doida
 italiana
.Matheus diz:
 põe doida nisso.aehua

***

Não sei até que ponto poderemos chegar no sentido de causar mal estar ao ser humano com música. Mas Zu deu uma LACEADA nos limites. E assim disse Aristóteles.

Wednesday, September 01, 2010

A Melancolia Fácil

Se você olhar os primeiros posts deste blog, vai ver que já fui fã de Arcade Fire. Falta eu pra tanta vergonha.

Tribuna 14/08.

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Quinta-feira retrasada, enquanto eu sofria vendo meu time sendo eliminado da Taça Libertadores da América, três acontecimentos eram comentados avidamente no Twitter: o próprio São Paulo x Internacional-RS, o primeiro debate dos presidenciáveis e um tal de show do Arcade Fire no Madison Square Garden. Longe de mim querer julgar as prioridades de cada um, mas a idolatria que seguiu essa simples transmissão ao vivo foi mais do que ridícula. Para os fãs, o webcast em questão foi tão incrível e catártico que poderia ser considerado uma missa! E eles falam sério, chegando a se ver como os “religiosos”.

É por isso que eu simplesmente odeio o Arcade Fire hoje em dia. Não por serem vistos como semideuses, coisa que acontece com qualquer banda ou pessoa pública (até ex-BBBs!), e sim pelo motivo de serem vistos assim. O Arcade Fire, desde seus primórdios, não consegue se desvencilhar da imagem de grupo sofrido, coitadinho mesmo. Para a massa indie, formada por gente que, na época do colégio, apanhava e não pegava ninguém, isso é muito bonito.

Toda vez que o vocalista Win Butler canta palavras simples como neighbour (vizinho) e children (crianças) com sofreguidão e nostalgia, é como se evocasse um passado romantizado, ainda que extremamente ambíguo: esquisito e saudoso, penoso e confortável. Para a horda de excluídos e desajustados que segue a banda, é como um orgasmo. Em seus ouvidos, a voz tremida de Butler corresponde à do sacerdote e as canções mergulhadas em melancolia são o coral da igreja.

E por que uma besteira dessas me incomoda, quando eu deveria simplesmente desprezar tudo isso? Porque se apoiar nesse tipo de melancolia fácil ao som de violinos e gritinhos só agrava a situação. Não fui dos que se deram bem na escola, não – graças a Deus, aliás, já que o velho clichê tem razão de ser: quem se dá muito bem no colégio geralmente acaba virando um bosta depois. Só que não foi ouvindo música de indie triste que dei a volta por cima.

Pior: já gostei de Arcade Fire. Tinha 16 anos, achava aquilo lindo (mas nunca a ponto de ser um “religioso”, vade retro), era facilmente levado pelos violinos, acordeons, “neighbours”... Mas aí nego cresce e nota que o mundo tem muito mais beleza e molejo do que parece. Tem muita coisa para conhecer, muita gente para transar, muito motivo para rir. E para chorar também. Vivemos, acima de tudo, num lugar feio e triste.

Só que você não vai conhecer toda essa amargura e sujeira na voz de um bando de ex-crianças bem nutridas chorando as pitangas de uma infância de classe média. Tristes são moradores da favela, tipo o Cartola, que foi esquecido pelo samba por quarenta anos. Triste é o Gil-Scott Heron, preto, pobre, ex-detento e (dizem) aidético, com uma voz cavernosa de gelar os ossos.

Ainda assim, apesar dos pesares e dissabores, esses caras conseguem colocar doses saudáveis de ironia e otimismo em suas letras. Claro, diferente do Arcade Fire, eles são capazes de ver mais cores no mundo. São capazes de olhar através de sua agonia e diversificar, explorar. Acima de tudo, são capazes de se comunicar.

Não me leve a mal, não sou a polícia da depressão. Cada um curte uma fossa do jeito que bem entender. Mas me parece que idolatrar a melancolia do Arcade Fire a ponto de enxergar seus shows como cultos é limitar o alcance da visão. Será que eles estão te mostrando o que você precisa ver ou será que estão apenas te dizendo o quer ouvir? Mais: se estiverem te mostrando o caminho, você ficará tão grato a ponto de aceitar qualquer lixo que te empurrem daqui para frente?

Esse é o grande problema do rock. As pessoas se tornam tão gratas às bandas, aos messias que elegeram, que impedem que esses predestinados sigam em frente. O caso do próprio Arcade Fire é emblemático. Seu primeiro trabalho, Funeral, é um bom disco de estréia. Mas depois, os temas se tornaram recorrentes, maçantes, tomando forma de demagogia alienada.

Música, além de devoção, é baseada em contestação. Se uma banda lhe diz que o caminho da tristeza para a catarse passa por coros angustiados, violinos e pianos delicados, você deve fazê-la provar. Se não, corre o risco de acreditar em tudo que um bando de tocadores de instrumentos fumadores de maconha com uma infância meio tristonha têm para dizer. E isso não é suficiente para ninguém.

Sunday, August 22, 2010

Entrevista: Luiz Freitas

Uma entrevista para a tribuna. Fala um pouco da minha cidade, Indaiatuba, mas é interessante notar como essa situação é recorrente na maioria dos municípios pequenos aqui do Brasil.

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Quando ouvi falar no Luiz Freitas, através de um amigo em comum (e sócio dele na Sinewave Records) quase caí pra trás. Mentira. Mas achei insólito e bastante surpreendente que houvesse em Indaiatuba alguém interessado em post rock. Mais: que tivesse uma banda do estilo. Claro, num lugar com quase 200 mil habitantes, é bastante provável que haja pelo menos um ou dois gatos pingados interessados em manifestações culturais obscuras como post rock. Mesmo assim, fiquei de cara.

O post rock, diga-se, é um movimento musical bastante novo, que mistura ambientes sonoros atmosféricos, sentimentos íntimos e guitarra distorcida. Pode ser que você conheça algumas canções do álbum Agætis Byrjun, da banda islandesa Sigur Rós, pelo filme Vanilla Sky, de 2001. Na minha humilde opinião, de leigo, trata-se do grande disco do pós roque. Três conjuntos legais para ir atrás: Godspeed You! Black Emperor, Mogwai, Explosions in the Sky.

A necessidade desse parágrafo explicativo vem da falta de intimidade do público com o estilo. Por causa disso, o Luiz, juntamente com seu sócio, o Elson Barbosa, fundou a Sinewave Records. Trata-se de um selo online que promove e lança, por meio de downloads gratuitos, discos de bandas brasileiras de post rock. O Luiz também tinha a sua banda, o Gray Strawberries, que acabou recentemente. Como todo moleque um pouco diferente do circuitinho Zoff-JC que passou sua adolescência em Indaiatuba, ele vê um monte de problemas nas opções de diversão da cidade. Falamos um pouco sobre esses assuntos, dá uma olhada.

Fala um pouco da Sinewave para começar.
A Sinewave surgiu duma idéia minha e do Elson quando a gente viu que não tinhamos o devido espaço na mídia, lugares pra tocar, porque não tinhamos os contatos, a repercussão, experiência necessária. Vendo iniciativas feitas "de banda pra banda", como a Constellation Records e o ATP, a gente, já que não tinhamos um selo, um site de notícias falando da gente, lugar pra tocar, etc, decidiu ser o selo, o site, o festival. Diante das dificuldades de ser um tipo de música nada popular, creio que os resultados são bastante satisfatórios. É visível que todas as bandas melhoraram depois da iniciativa nossa. Tá longe de ser algo reconhecido e famoso, mas é muito legal ver que essas bandas todas agora têm uma perspectiva, o que antes não era tão fácil

Você acha que ir por esse caminho de nichos mais bem definidos é o futuro da música independente brasileira?
Depende da situação. Por exemplo, para nós, é melhor aglutinar bandas que sejam parecidas, com o mesmo estilo. Porque da nossa experiência percebemos que a situação que ocorria era que muitas vezes essas bandas, no começo de carreira, não conseguiam shows num lugar legal, e aí tinham que tocar com bandas de hardcore, metal, coisas que não tinham nada a ver com a gente. O cenário musical independente está muito no começo. A gente não tem público formado. Não dá para esperar que mais pessoas gostem sem mostrar pra um pessoal novo, diferente. Hoje a gente já pensa numa correção de rota, se envolver com um pessoal que não faz um som tão parecido, já aceitamos bandas que não são tão post-rock assim. Em resposta à sua pergunta, acho que sim. Que hoje, na maioria dos festivais, selos, as bandas não são escolhidas por estilo, por genero. Elas são escolhidas por vários fatores que não a música que fazem. Acho que deveria se dar mais valor ao tipo de som que as pessoas fazem, mas não segregar totalmente e virar gueto. Afinal, precisamos de muito mais gente para termos um público grande o suficiente pra música independente ser um negócio rentável

Quando me falaram de você, fiquei bastante surpreso que houvesse uma banda de post rock em Indaiatuba, o que dá uma idéia de como a cultura na cidade parece linear, pouco ousada. Qual o motivo pra isso, na sua opinião?
O que pesa contra é o fato de sermos uma cidade muito rica e relativamente nova. Essas coisas deveriam ajudar a cidade a ser, como tu disse, mais ousada. Essa reclamação a respeito de cultura é clássica em Indaiatuba. Lembro que desde que eu era criança, se reclamava de que Salto tinha um teatro, e Indaiatuba não, mesmo sendo muito maior. O tempo passou, construiram o CIAEI e um auditório legal lá, e, pelo menos enquanto eu morava lá, rolavam as peças, eventos, e pouca gente tomava conhecimento e ninguém ia.

E como atrair o interesse das pessoas? E o que falta pra quem já está interessado?
Não sei. Mesmo. Musicalmente falando, seria legal se alguma banda da cidade se destacasse, isso puxaria outras, querendo repetir o mesmo caminho. Poderia até sido a gente, isso talvez resolveria a questão da iniciativa. Em outros setores, como teatro, e cinema, não sei. Mas, pelo que via quando fui embora, e pelo que leio nos jornais e fico sabendo, a coisa melhorou nos últimos anos, até pelo crescimento economico e populacional da cidade. Acho que também é uma questão de tempo.

Wednesday, August 11, 2010

Não Vá ao SWU

Mais um texto para a Tribuna de Indaiá. Engraçado que agora, com Rage Against the Machine e QotSA quase fechado, já mudei de idéia. Para mim, o SWU tem muita, mas muita cara de picaretagem. Mas com o nível das atrações que eles têm confirmado fica difícil não dar as caras. Quanto a isso, já me retratei em outra coluna, admiti que era um hipócrita de merda.

Não vou perder apresentações incríveis por causa da malandragem de alguns produtores culturais. Mas vou ao festival com um tremendo pé atrás, sabe...

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Para você que é fã de Pixies, Linkin Park, Kings of Leon e Incubus, além das outras atrações confirmadas, fazer o que sugere o título deste artigo pode ser uma tarefa fora de cogitação. Mas este artigo não é para você, que decidiu pelas suas bandas favoritas acima da picaretagem e da má fé dos grandes produtores de shows brasileiros, e sim para quem ainda está em dúvida.

O Woodstock inspirou festivais no hemisfério norte que até hoje carregam seu espírito: milhares de pessoas bêbadas acampando num ambiente cheio de música e integração. Não é brincadeira: em 2008 tive a sorte de ir ao Roskilde Festival, na Dinamarca, e esse segue sendo um dos melhores acontecimentos da minha vida. Assisti às maiores bandas do mundo, mas também invadi acampamentos de completos desconhecidos que me ofereceram cerveja, perambulei por quilômetros de natureza e vi algumas das pessoas mais esquisitas do mundo passando. Ou seja, mais do que alguns shows, tive uma experiência inesquecível.

Já no Brasil, o Rock in Rio de 1985 serviu para difundir o rock entre os jovens daqui – sendo considerado um dos catalisadores do BRock e sinal de que a ditadura militar estava, enfim, acabada – mas seu legado foi por outro caminho. Sem o histórico dos acampamentos e das atividades não musicais, os festivais do Pindorama acabaram seguindo a filosofia “chegar, assistir o que convém e depois tomar o caminho da roça”. Com isso, os grandes shows se tornaram meros negócios e perderam seus poucos apelos não musicais ao se tornarem cada vez mais elitistas e nojentos. Exclusividade para clientes de certos bancos, a hedionda pista VIP (mais cara e mais perto do palco), preços exorbitantes...

Neste ano, o SWU apareceu como a pior de todas essas aberrações e, se tudo der certo, será um natimorto. A proposta do festival em questão é fazer como fazem lá na Europa e nos EUA: três dias de música, direto. Só que o espírito é aquele mesmo que impera aqui no terceiro mundo.

É ridículo pensar nesse SWU como uma espécie de continuação do Woodstock, como andou sendo dito por aí. O mote da campanha do festival é a sustentabilidade e me irrita notar que produtores que se mostram tão preocupados com o meio ambiente não se importam em falir uns jovens fãs de música. Claro: o que manda é o dinheiro, tudo gira em torno dele e para curtir uns concertos bacanas e salvar o mundo, precisamos gastar os tubos.

Só que não precisa ser assim. Usemos o exemplo do festival de Roskilde mais uma vez. Todas as pessoas que trabalham nele durante seus oito dias (quatro dias de “aquecimento”, outros quatro de shows) são voluntários que recebem ingressos para o festival em troca do seu esforço. Assim, o preço da mão de obra cai e ninguém trabalha de cara feia (eu, aliás, fui ao Roskilde nesses termos).

As onipresentes causas humanitárias também são muito bem planejadas. O projeto Human to Human coleta latas de bebida pelos acampamentos e faz a troca desses recipientes vazios por dinheiro para países necessitados. No último ano, surgiu o Green Footsteps, onde os participantes do festival mostram o que têm feito pelo meio ambiente e concorrem a ingressos para o Roskilde do ano seguinte.

Tudo isso parte, acima de tudo, de uma questão cultural? Certamente. Mas isso nunca vai mudar se não nos mexermos. Boicotar o SWU e a ganância de seus produtores é mostrar que não adianta colocar umas latas de lixo recicláveis e apoiar a causa nobre da moda para mostrar que se importa com a música e com o futuro. É preciso muito mais. Por isso, menos, SWU, menos...

Sunday, August 08, 2010

Formigueiro

Todas as mulheres são vagabundas. Todos os homens são cafajestes. Toda unanimidade é burra. Todo mundo tem que sofrer um pouco na vida. Todo tatuado é um câncer na sociedade. Todos os políticos são corruptos. Todo homem mente sobre o tamanho do pau. Toda mulher finge orgasmo. Todo maconheiro é viciado. Todo mendigo é bêbado. Todo dia.

Quem cochicha o rabo espicha. Quem não cola não sai da escola. Quem não respeita os mais velhos é mal educado. Quem não respeita os mais jovens é antiquado. Quem já foi pra Paris quer voltar. Quem não gosta de viado é enrustido. Quem gosta de viado é viado. Quem cedo madruga, Deus ajuda. Quem estuda sobe na vida. Quem protesta é rebelde. Quem muito sabe, pouco diz. Quem disse?

Você precisa de um emprego. Você precisa trocar de emprego. Você precisa de uma namorada. Você precisa se conectar ao mundo. Você precisa ter modos à mesa. Você precisa ligar para seus familiares. Você precisa poupar seu dinheiro. Você precisa de um rumo na vida. Você precisa de amigos melhores. Você precisa encher seus pais de orgulho. Você entende?

A culpa é do governo. A culpa é da sua infância. A culpa é dos seus pais. A culpa é dos juros. A culpa é da sua ex-namorada. A culpa é do médico. A culpa é do professor. A culpa é do mecânico. A culpa é do islã. A culpa é da igreja. A culpa é dos judeus. A culpa é dos ateus. A culpa é do capitalismo. A culpa é do comunismo. A culpa é sua.

Sunday, August 01, 2010

De She's So Heavy a Dead Weather

Uma reflexão meio confusa. Sei lá se gosto. Saiu na tribuna dia 10 de julho.

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Se Helter Skelter, dos Beatles, foi o primeiro heavy metal da história, então os Fab Four eram tão geniais que foram capazes de, um ano depois, compor a primeira faixa de uma de suas vertentes. I Want You (She’s So Heavy) é a canção inaugural do stoner rock. Você pode ou não conhecer o gênero, mas não custa explicar.

O stoner surgiu oficialmente lá pelo final dos anos 80, mas seu coração bate no mesmo ritmo que batia o do Black Sabbath, o do heavy blues do fim dos anos 60 e do hard rock da década seguinte – tipo Blue Cheer, Grand Funk Railroad, Budgie, Uriah Heep, Dust… Ou seja, caras machos e barbados que gostam de motos e cerveja. O som é pesado, sincopado, mas também tem o alívio de teclados psicodélicos e viagens instrumentais fortes. Claro: stoner em inglês significa drogado, viajandão.

O movimento cresceu no deserto da Califórnia e o Kyuss permanece como seu maior expoente. Mas suas ondas não se mantiveram estáticas e a expressão do stoner – talvez tenha a ver com a costa oeste americana – chegou até o estado de Washington. Soundgarden e Melvins, embora não sejam frequentemente enquadrados no gênero, sempre se utilizaram dos riffs como forma de comunicação. Não é segredo para ninguém, também, que Dave Grohl acabou ficando amigo de Josh Homme quando ambos ainda tocavam no Nirvana e no Kyuss, respectivamente.

A coisa engrenou e hoje em dia pipocam bandas do estilo por todo o mundo. A maioria delas nenhum de nós jamais ouviu falar. São bandecas que emulam aquele som cheio de riffs dos grupos citados no parágrafo anterior e não apresentam nada de novo. E como isto aqui é uma coluna opinativa, vou me reservar o direito de discordar do senso comum e dizer que o stoner rock não tem nada a ver com isso.

E sabe por quê? Porque o legado de um estilo musical reside muito mais no seu conteúdo, digamos, filosófico do que no seu som. Para fechar Welcome to the Sky Valley, terceiro disco do Kyuss, há uma música-tiração-de-sarro no estilo The Doors com um pedido singelo por sexo oral. Isso logo depois da tensa Whitewater. Da mesma forma, uma letra como Paranoid, do Black Sabbath, não deve ser levada totalmente a sério, apesar do choque que foi a parte instrumental da canção na sua época.

Entendeu? O legado do stoner é a ironia, o alívio cômico, o inusitado, o contraditório. Essa constatação em si já encontra um paradoxo interessante: caipiras manguaçados do deserto da Califórnia ou do interior da Inglaterra com sensibilidade suficiente para tirar um sarro da própria cara. É por aí que associo I Want You (She’s So Heavy) à estética institucionalizada pelo Kyuss. Em 1968, Os Beatles estavam totalmente pirados nas tecnologias de estúdio e nas mais belas harmonias já inventadas pelo homem. John Lennon, então, resolveu fazer uma música que fosse o extremo oposto de tudo isso: She’s So Heavy é arrastada, repetitiva, sua letra é mínima (são só 14 palavras), o refrão é dissonante, a ordem dos versos é imprevisível e o final é brusco.
Esse espírito contrariador e quase sarcástico vem da própria origem do rock and roll. Por isso, encaixar manifestações tão básicas (e tradicionais) dentro de um só estilo chega a resvalar no “forçar a barra”. Mas por outro lado, se nos detivermos em riffs e paisagens áridas, limitaremos o stoner assim como, no passado, limitamos o metal, abrindo precedentes para a chegada de lixo atrás de lixo.

E isso meio que já vem acontecendo. Mais recentemente, o Dead Weather é um dos únicos conjuntos que me dão vontade de encher a boca para dizer que são stoner. A banda conta com Jack White na bateria e tem a femme fatale Alison Mosshart nos vocais. Variando entre hardcore eletrônico e blues, eles te agridem sem parar. Mas agridem de uma forma que te faz querer mais, te transformam num masoquista imediato. Na essência, não era isso que o Kyuss tentava fazer – só que sem a presença fácil de uma gostosona cantando – há 15, 20 anos?

No fim, a lição que fica é simples. Quem entendeu o rock ilógico e chapado dos pioneiros do stoner não tenta copiar sua estética sonora. O grande lance é confundir os outros e surpreender a si mesmo. Mais ou menos como fizeram os Beatles, inusitadamente, a primeira boy band da história.

Friday, July 30, 2010

Batismo

Quando meus pais foram tentar me batizar (eventualmente eles conseguiram), o primeiro padre disse que, por eles não serem casados, eu era o filho do pecado. Meu pai mandou o cara tomar no cu e molhou a mão do próximo padre, que fez o batismo feliz da vida. Eles não casaram, mas continuaram juntos pelos próximos 17 ou 18 anos, o que torna a história meio que uma anedota familiar.

Mas o motivo dessa história ter algum tipo de significância para mim reside no modo como o “conservador” (nesse caso, o batismo) e o “liberal” (casamento não-oficial, por exemplo) ficam se fundindo na minha vida. Veja bem: sou filho temporão, meu pai nasceu em 1949 e eu sou fruto da era digital, ou coisa que o valha. Minha índole me diz que as regras (quase) todas são no mínimo infringíveis, mas minha família formada nos anos culturalmente reprimidos do pós-ditadura sugere que o bom cidadão é aquele que segue o "curso natural" das coisas.

Do lado da minha mãe, que compreende meus tios e avó, temos pessoas vigorosas e empreendedoras, trabalhando feito camelos, colocando sempre o dever acima da diversão. Do lado paterno – ou seja, meu pai e meus irmãos mais velhos, porque não tenho muito contato com os tios –, as pessoas são práticas, objetivas e pragmáticas, atraídas pelo dinheiro fácil do mundo financeiro (se você for capaz de lidar com números). É fácil perceber que não há muito espaço para a imaginação em nenhum dos dois cenários.

Minha primeira lembrança é na escolinha, derrapando no chão de madeira da sala de brinquedos. Lembro da visão de um dos joelhos para cima, decorado com um machucado ainda novo, avermelhado. Não sei se tinham passado Merthiolate, mas me recordo de uma ou duas experiências chatas com ele. Depois disso, lembro de brincar com tatu bola e de correr do irmão mais velho e semi albino do meu amigo mentiroso, que teimava em me chamar de gordo (e eu não era!)

Nunca entendi por que eu era especialmente perseguido nos colégios, mas também sei que não era santo. Rir da cara dos outros sempre me pareceu algo divertido demais para não fazer. Mais uma vez minha conduta contradizia as normas não-oficiais da família Gesualdi Barboza. Meu pai sempre foi um cara mais ou menos pacifista, o que hoje em dia eu vejo como uma coisa legal. Mas quando ele me dizia coisas como “responde que você pode emagrecer, enquanto ele é feio e isso nunca vai mudar”, me sentia ainda mais desamparado. Claro que isso nunca vai afetar ele, pai! Teria sido menos traumático se tivesse me ensinado a dar uns murros na cara do imbecil.

Então, a irmã de um amigo, da classe do maluco que me perseguia, me ensinou um pouco de defesa pessoal. E sem levantar um dedo. “Chama ele de sundownzinho”. Perfeito. Chamar o garoto semi albino de sundownzinho me pareceu genial. É daí que lembro de correr dele, enfurecido. Ponto para mim, tirei o babaca do sério. E aprendi a maior de todas as lições na prática da discussão verbal: tocar no ponto mais fraco e humilhante do inimigo, sem dó.

Monday, July 26, 2010

No Recreio: Colorido versus Sertanejo Universitário

Ficou bastante singelo esse texto. Saiu na Tribuna em junho.

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Jenifer tem 14 anos e está na oitava série, ansiosa para chegar logo ao ensino médio. Sua vida é bem normal para uma garota de sua idade. Ela vai para a escola, consegue passar raspando em química e matemática, conversa sobre coisas de garota com suas amigas no intervalo e suspira pelos gatinhos do segundo colegial. Ao chegar em casa, almoça e corre pro computador, onde acessa seu Orkut, abre o MSN e se engaja em sua função favorita: a de fã do Restart.

Jenifer gasta toda a mesada com produtos relacionados ao grupo, desde ringtones até camisetas. Liga na rádio para pedir a música deles, discute com outros fãs na comunidade do orkut e passa horas no Messenger planejando uma ida ao próximo show da banda. A devoção é tanta que a única apresentação do Restart presenciada pela garota figura entre os top três momentos de sua vida (ou assim diz a emoção).

Em geral, ela é uma adolescente que se dá bem com a maioria das pessoas no colégio. A única rixa da turma de Jenifer, assim como ela, fã de Restart, é com a turma da Joyce, todos fãs de Luan Santana. O cantor sul-mato-grossense, do hit Tô De Cara, faz o tipo de Joyce e suas amigas porque é gatinho e toca um tipo de country/sertanejo que poderia muito bem ser confundido com pop rock americano. O som dele não incomoda Jenifer (que até já se pegou cantarolando uma ou outra faixa do cantor). O grande problema é que Luan e suas fãs são mais comuns, mais populares e não se enquadram no estilo multicolorido do Restart.

Joyce, por sua vez, acredita que a cara alternativa dos policromáticos é muito afetada. “Coisa de gente que quer ser mais do que é”, ela comenta com os chegados. Tanto Jenifer quanto sua antagonista não dão muita bola para isso, mas poderiam incluir entre seus argumentos a velha guerra entre independente e mainstream: Santana é da Som Livre, enquanto o Restart faz parte da pequena Maynard Music. Ambos, no entanto, fazem sucesso similar.

Mesmo ignorando alguns argumentos mais consistentes (e talvez justamente por isso), Stella e Mari, amigas de Jenifer e Joyce, respectivamente, acabaram discutindo na semana passada. Quase saíram na mão. O motivo, torpe, você já deve imaginar qual foi. O diretor da escola, Seo Olavo, quarenta e nove anos, dois divórcios nas costas e um vício chato em café, não estava num bom dia para picuinhas adolescentes. Chamou os dois grupos para uma conversa, a fim de entender qual a grande diferença entre Luan Santana e Restart.

Primeiro perguntou a cada grupo o motivo de tanta adoração aos artistas. As respostas das meninas foram quase que rigorosamente iguais: meninos bonitos que falam sobre o universo delas. “E como é esse universo?” Mais uma vez, réplicas quase idênticas. Amizade, escola, saídas, namoradinhos... O litro de café ingerido pela manhã começou a confundir a cabeça do diretor, que resolveu procurar, então, os pontos divergentes.

“Por que você não gosta de Restart?”, perguntou a Joyce. “Olha, Seo Olavo, não é que eu não gosto de Restart. É só que eles são muito frutinhas, sabe? Essas roupas coloridas... E os fãs se acham os diferentes”. A mesma pergunta foi feita a Jenifer, dessa vez em referência a Luan Santana. “Ah, professor. Eu acho esse Luan muito zé povinho. O Restart, sim, entende a gente, os alternativos”. Sem encontrar muita sustança nas respostas, inquiriu: “Mas ‘pera lá. Pelo que eu sei, tanto Restart quanto Luan Santana andam bastante populares. Como é que um é zé povinho e o outro alternativo?”

Carlinha, a mais informada entre as coloridas, revelou que o sertanejo andava aparecendo no Faustão para receber prêmios de TV de Domingo. O que ela não contava é que Juju, sua contraparte country, também tinha um dado na ponta da língua: “Ei, e seu querido Restart? Esses dias mesmo apareceu no Gugu”. Em minutos, sem que percebessem, as meninas entraram numa espiral de contradições e confrontamentos. Não sabiam mais se defendiam o lado alternativo de seus ídolos ou se expunham, com orgulho velado, suas conquistas profissionais. As conquistas, aliás, vinham em maior número e aproximavam cada vez mais coloridos e sertanejos.

O diretor, confuso, coçou a quase-careca e ajeitou os óculos. Ficou observando a discussão por algum tempo e tomou mais um gole de café, até que desistiu. Interrompeu a algazarra com a pergunta-chave daquela reunião enviesada. “Afinal de contas, qual a grande diferença entre o Luan e o Restart?” Nenhuma das garotas se prontificou a responder. Encararam Seo Olavo com olhares confusos, em silêncio, por quase dois minutos, até que foram dispensadas para o intervalo.

Tuesday, July 20, 2010

Ronnie James Dio e o Escapismo do Heavy Metal

A morte de Ronnie James Dio revelou o tamanho do abismo que existe entre o heavy metal e o “mundo real”. E, como prevíamos, ele é imenso. Seu falecimento teve manchetes em todos os principais veículos de notícia, além de ter inspirado notas de pesar e declarações emocionadas acerca de sua pessoa e seu trabalho. Mas tudo isso, claro, pela grata posição que ocupou durante anos de sua vida: a de membro do Black Sabbath.

Para entender Dio e as declarações do parágrafo anterior, primeiro precisamos entender as duas faces existentes do metal. A face clássica, sombria, iconoclasta, que surgiu do descontentamento hippie, e a face meio constrangedora, dos moleques pré-adolescentes e suas camisas puídas do Nightwish.

O heavy metal viu a luz do dia no final dos anos 60, com a sonoridade selvagem do Blue Cheer e seu primeiro álbum, Vincebus Eruptum. Um pouco depois, Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward formatariam a temática e o humor do estilo com seu Black Sabbath. A idéia era simples: se as pessoas pagam ingressos para se assustar com filmes de terror, por que não tentar um conjunto musical de terror? Aliado a isso, havia o desgosto de quatro jovens da cinzenta Birmingham, sem muitas perspectivas para o futuro nem identificação com os hippies coloridos e despreocupados. Ou seja, o metal nasceu dentro de quatro caipiras entediados e com vontade de assustar um bom número de incautos.

Só que um povo meio burro entendeu errado toda essa mensagem e apareceu com o começo do fim, também conhecido por New Wave of British Heavy Metal. Dentro do movimento, Iron Maiden e Saxon, que levaram a premissa da banda de terror a lugares risíveis. Até hoje, tenho Bruce Dickinson e seu shots de lycra como referência de música ruim. Pior mesmo foi o movimento que desencadearam: o power metal, ou metal melódico. A referência primal dessas bandas, com seus cabelos cheios de laquê e letras sobre elfos e duendes não é aquele Sabbath de 1969, que fazia as criancinhas molharem as calças. É outro.

Ozzy foi demitido do Black Sabbath e substituído pelo vocalista do Rainbow, Ronald James Padavona, o Dio, em 1979. A interpretação de Dio destoava demais do que fazia seu predecessor, porque era forte, épica, expansiva. Claro, Padavona sempre foi melhor cantor do que Osbourne. A partir disso e dos peitos cabeludos – mutcho machos – que inundavam o heavy metal do começo dos anos 80, o Black Sabbath se tornou outra banda, mais teatral, mais óbvia. Dio, junto com outros metalíferos de sua época, tornou-se exemplo de integridade e postural “metal”.

O problema é que, na “vida real”, o mundo estava em outra. O punk e o pós-punk seguiam muito mais pelo caminho niilista do Black Sabbath do que o próprio Black Sabbath. Os embriões do hip hop, a disco music, o revival do country, nada disso apontava para elfos, castelos, morte, bicho-papão. Durante a guerra fria, o escapismo deu lugar ao conformismo e ao combate, por isso guerreiros vestidos com calças de couro em palcos de 12 metros de altura pareciam arcaicos e constrangedores. Daí, o metal institucionalizado por Dio deixou o Planeta Terra para sempre. Hoje em dia, ele reside nessas camisetas de banda e na molecada perseguida na escola. Costuma, inclusive, ficar por lá quando esses adolescentes crescem.

O nefasto da obra de Ronnie Dio não são suas bandas e LPs, e sim seu legado. O respaldo que deu a múmias, castelos, cavalos e espadas forçou a entrada do escapismo num estilo bastante lúcido, ainda que pessimista. Assim, trouxe também o ostracismo para si mesmo (o que, para certos fãs de metal, é um símbolo de honestidade).

Engraçado que, nos últimos tempos, o metal tem ressurgido entre as pessoas “normais”, apesar do desvio de percurso que foi a NWOBHM e a fase de Dio no Black Sabbath. Por causa dessa clausura forçada, alguns metaleiros realmente extremos, influenciados por Thrash Metal e Stoner Rock (por sua vez influenciados diretamente pelo Sabbath do começo – acompanhou?) surgem como a verdadeira opção do underground frente um mainstream cada vez mais afetado, mais ou menos como era em 69. Ainda bem, porque se não fosse a música pesada, talvez minha vida não tivesse mudado quando escutei Queens of the Stone Age e System of a Down aos 12 anos.

Sunday, June 20, 2010

Umbabarauma

Desta vez, uma coluna recente. Saiu neste sábado (19/06). Melhor postar agora pra aproveitar o clima de Copa. Fiz uma pequena mudança ali no meio, mas sussa. Nos próximos dias, volto a postar as colunas mais antigas.

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Gosto de ler livros e assistir a filmes, mas confesso que não entendo muito de literatura e cinema. Sei o que me faz a cabeça, mas não me peça uma análise de cinema ou literatura com muito embasamento histórico e propriedade. Dança, teatro e artes plásticas me empolgam de vez em quando, ficam restritas a seu momento. Sendo assim, as duas artes que mais me agradam são a música e o futebol (e não me venha dizer que futebol não é arte – nem vou levar a sério nenhum argumento seu!).

Em época de Copa do Mundo, fica difícil não se concentrar na segunda paixão. Festival badalado nos Estados Unidos ou a estreia complicada do Brasil? Show surpresa dos Strokes ou a pipocada fenomenal da Espanha? Woodstock meio genérico aqui no Brasil ou a chance de ver Messi virando o grande jogador da nossa geração? Nesse caso, melhor tentar conciliar os dois amores. E nem é tão difícil.

Por exemplo, Jorge Ben tratou de regravar “Umbabarauma” com alguns dos atuais queridinhos da cena – Mano Brown, Céu, Anelis Assumpção, Thalma de Freitas, Ganjaman, Zegon e outros – para um novo comercial da Nike. Se Dunga relutou em chamar Ganso e Neymar para sua seleção, no futebol-moleque da música brasileira, saravá, a sintonia é boa. Tendo o futebol como parte integrante e importante da nossa cultura – onde Garrincha é tão ícone quanto Carlos Gomes ou Glauber Rocha –, não é surpreendente que a união do velho com o novo se dê em época de Copa, numa interpretação de um clássico sobre o esporte.

Jorge, aliás, é mestre nisso: desde os primórdios de sua carreira, não esconde sua paixão pelo futebol e, especialmente, pelo Flamengo. São tantas referências ao rubro-negro que me pergunto se isso não é a causa da mítica que ronda o clube. Vá lá: metade pro Galinho de Quintino e metade para Ben Jor. Claro que o interesse pelo esporte bretão (bretão?!) não é exclusividade do rei do samba-rock. De “Um a Zero” a “Partida de Futebol”, passando pelas homenagens do headbanger Andreas Kisser ao meu Tricolor, o futebol faz parte da nossa música assim como, sei lá, chocolates devem fazer parte da música suiça.

O motivo é simples: são duas artes que vivem do ritmo e refletem a cultura onde estão inseridas. É só analisar a música não-efusiva de Stockhausen e Kraftwerk e o estilo pragmático do fussball alemão; a ironia do rock inglês e a ironia de os inventores do football quase sempre falharem em Copas do Mundo e Eurocopas; a ópera e o calcio italiano, tidos como chatos e antiquados, mas de grandeza e alcance inegáveis... A malemolência do nosso estilo futebolístico acaba se fundindo perfeitamente com a malemolência da nossa música. Um não vive sem o outro.

Mas a paixão pelo futebol, como não poderia deixar de ser, não se restringe aos músicos brasileiros. Existem vários exemplos estrangeiros do encontro entre música e futebol. Nosso eterno rival Diego Maradona, por exemplo, encantou tanta gente que já recebeu uma homenagem do francês Manu Chao. Também podemos ver, frequentemente, as torcidas gringas adotando rocks populares como hinos. “Seven Nation Army”, do White Stripes e “Chelsea Dagger”, do Fratellis são exemplos recentes.

Mesmo os americanos, antes tão resistentes ao “soccer”, vão se rendendo. Minha camiseta mais legal é uma da turnê de verão de 2008 do Queens of The Stone Age, durante a Eurocopa. Ela traz um escudo da banda, com o nome do vocalista Josh Homme e o número 5 atrás, como se fosse um uniforme retrô. Sua banda-irmã, Eagles of Death Metal, também já foi trilha sonora de uma das propagandas mais incríveis da Nike, Take it To The Next Level, que mostra a carreira de um jogador numa câmera em primeira pessoa.

Nietzsche disse que a vida sem a música é um erro. Eu completo dizendo que sem o futebol também. Por isso, vamos agradecer aos céus o fato de ambas as artes se completarem tão bem. Salve Jorge e todos que já sacaram essa verdade. E boa Copa do Mundo para todos nós.

Wednesday, June 16, 2010

Pearl Jam: Crescendo em Público

Quando estava sem assunto para a coluna, o Pearl Jam me salvou de novo. Amo essa banda. Esse artigo saiu no dia 15/5.

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O grunge morreu, de ressaca, em 1996. Mesmo que o suicídio de Kurt Cobain em 1994 tenha sido o porre, a cabeça só foi doer dois anos depois. Foi quando Soundgarden e Screaming Trees lançaram seus últimos discos, o brit pop surgiu e Dave Grohl se desvinculou do Nirvana. Como uma triste nota final, o acústico MTV do Alice in Chains – último registro do grupo, que definharia por seis longos anos até a morte do vocalista Layne Staley – ainda figura como uma das manifestações artísticas mais fúnebres de todos os tempos. Mais emblemático que tudo isso, no entanto, é No Code.

Apesar do impacto do Nirvana, era o Pearl Jam a banda que mais vendia nos anos da calça rasgada e da camisa de flanela, e No Code, seu quarto LP, escancarou o fim do grunge. Porque é um álbum onde o desespero expansivo e grandiloqüente do movimento é substituído por resignação íntima e reflexiva. Basicamente, não havia mais bandeiras a levantar, nem inimigos a combater – o hair metal estava acabado, as drogas pesadas não tinham mais glamour nenhum e todos estavam milionários. Restaram apenas os demônios interiores.

Daí a Eddie Vedder cantar sobre abrigos em árvores, onde jornais não importam (“In My Tree”) foi um pulo. Ainda tem canções sobre autoconhecimento, distância e até uma supostamente dedicada a Kurt Cobain. Porém Sometimes, mais do que todas, numa combinação incrível de música e letra, escancara o que era o momento confuso e introspectivo da banda.

Talvez tenha sido a experiência de Neil Young, com quem trabalharam no ano anterior, que trouxe essa serenidade aos músicos, ou o fim iminente do grunge, por todos os motivos já citados. Seja como for, o conjunto ficou muito mais legal, adultamente falando. Se os primeiros álbuns eram epolgantes, cheios de vitalidade e rock and roll, como é a adolescência, a partir de No Code, os temas ficaram bem mais complexos.

Dali para frente, mais do que famoso, o Pearl Jam tornou-se uma banda de massa – no sentido de que fala sobre os sentimentos mais íntimos da massa oprimida do rock, seja lá o que isso for. E como costuma acontecer com os “messias”, em algum ponto dos anos 2000, Eddie Vedder começou a perder a linha. Seu discurso anti-republicano e sua militância exagerada, em cada música e entrevista, transformaram-no em um vocalista mala de uma banda chatonilda.

Talvez seja por isso que muita gente apenas enxergue valor no Pearl Jam exasperado e eloqüente do começo dos anos 90. Mas, tanto na vida quanto na trajetória de emancipação da banda, uma crise dos 40 anos é aceitável. Depois de lançar seu pior disco em 2006, a banda teve um breve hiato em que cada um dos integrantes se dedicou a seus projetos particulares. Eddie Vedder, em especial, conseguiu renovar sua imagem com a trilha-sonora do filme Na Natureza Selvagem.

Finalmente assumindo a posição de trovador solitário que teimava em impor na banda, Vedder foi bem sucedido. Talvez por causa desse ato de bravura (inconseqüência até, se pensarmos que é mais conveniente ficar ao lado de um conjunto mundialmente conhecido), ele foi capaz de se transformar mais uma vez. A volta ao Pearl Jam não poderia ser melhor. Backspacer, do ano passado, mostra cada um dos integrantes na sua melhor forma e sem muita preocupação em passar mensagens paternalistas ou em mudar o mundo (a eleição do democrata Barack Obama contribuiu muito nesse aspecto).

No fim das contas, a beleza do Pearl Jam, para mim, reside tanto nas suas melodias e letras quanto na sua coragem para expor seus erros e acertos. Não tinha idade para acompanhar seu desenvolvimento em tempo real, mas, na época mais importante da minha formação – ali pelos dezesseis anos – eles eram minha banda favorita, mostrando como crescer é doloroso e instigante. Por isso, não julgo seus maus momentos, só tenho a agradecer. Obrigado.

Thursday, June 10, 2010

Salve a Gente da Antiga!

Arriba!

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A coluna de hoje se trata de uma fábula cuja moral reside na importância de redescobrir nossos velhos ídolos. Começa assim: a indústria fonográfica brasileira demorou a deslanchar na primeira metade do século XX, deixando muita gente boa para trás, mas registros tardios como os de Cartola nos anos 70 e Gente da Antiga cumprem bem o papel de resgatar essa fase rica da música tupiniquim.

Em 1968, Pixinguinha, João da Bahiana e Clementina de Jesus eram “gente das antigas” na nossa cultura. A bossa nova já havia conquistado o mundo e mudado a lógica da arte brasileira e a tropicália se firmava como o que havia de mais moderno e desafiador. Mesmo assim, começava nas altas rodas intelectuais um movimento de valorização dos grandes compositores que pavimentaram a estrada da música pop nacional. Hermínio Bello de Carvalho, à época o grande incentivador da velha guarda do samba, tratou de juntar os três músicos, já idosos, para viabilizar o disco Gente da Antiga.

Pixinguinha, hoje uma Entidade da mitologia brasileira, tanto quanto Zumbi dos Palmares, D. Pedro II e o Preto Velho, estava sem gravar desde os ano 50, já havia enfrentado o alcoolismo e trocado a flauta pelo sax tenor. Vivia de aparições no rádio e na TV. A fase não era exatamente ruim, mas ele andava sumido. João da Bahiana também tem seu nome garantido na história por ter sido, segundo ele próprio, o primeiro a colocar o pandeiro no samba. Compositor calcado na tradição africana, ele já colaborava com Pixinguinha desde os anos 20 e foi o primeiro a deixar um depoimento para a posteridade no Museu da Imagem e Som no Rio de Janeiro.

Clementina de Jesus, por sua vez, não teve uma bela história nos primórdios da música nacional. Sua carreira profissional, na verdade, começou aos 60 e tantos anos, após ser descoberta pelo próprio Hermínio de Carvalho. Antes, trabalhara como empregada doméstica e sua experiência artística se limitava a entoar cantos de escravos, sambas e lundus antigos durante o serviço. Cantou ainda ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Milton Nascimento. Além da história em si, o interessante nisso tudo é que a voz de Clementina era simplesmente terrível!

Terrível, pavorosa. Anasalada, gutural, desafinada. Ainda assim, nenhuma outra cantora merece mais o status que Clementina conquistou (além-vida, é verdade). E nenhuma outra pessoa teria encaixado tão bem com Pixinguinha e João da Bahiana em Gente da Antiga. Porque, se a cantora tinha pouca instrução, possuía um conhecimento empírico do Brasil urbano e pobre que poucos sequer imaginariam. Sua sabedoria era baseada em sua humildade, amabilidade (era chamada de mãe por todos que a rodeavam) e nas raízes que mantinha, em forma de canção, na ponta da língua.

Juntos, os três músicos “da antiga” trouxeram de volta aos olhos do público a lógica de um povo e época simples, porém alegres. Músicas como Yaô, Quê Quê Rê Quê Quê e Mironga de Moça Branca apresentam palavras e ritmos de origem africana praticamente esquecidos pela sociedade de então. Já Cabide de Molambo (o melhor título de música de todos os tempos!) e Batuque na Cozinha falam a língua da malandragem sambista, tão exaltada pelos malandros modernos da bossa nova. Há ainda o saxofone de Pixinguinha serpenteando pelos choros Os Oito Batutas, Elizete no Chorinho e – lá vem outro belo título – Aí seu Pinguça.

Difícil não apreciar a competência dos três. Técnica, no caso do saxofonista; histórica, no caso do pandeirista e cantor; e afetiva no caso da cantora. Gente da Antiga daria um filme. Dos bons. Poucos anos depois, os três envolvidos foram chegando ao final de suas vidas, um a um. Não fosse pelo grande trabalho pregresso, o álbum de 1968 já valeria para tatuar seus nomes na música popular brasileira. Acabou servindo como última homenagem – a eles próprios e a um momento que nunca mais será repetido.

Póslúdio: Se Gente da Antiga fez parte de um movimento de resgate de nossas origens e, consequentemente, enriqueceu nossa música, talvez seja essa a solução para o amontoado de lixo que esmaga a arte pretensamente “séria” no Brasil. O caminho pode ser enclausurar essa molecada de Cine, Restart, junto com Anas Carolinas e Marias Gadú, num calabouço e obrigá-los a escutar samba antigo ininterruptamente. Não sei. É só uma sugestão...

Wednesday, June 09, 2010

Gorillaz - Plastic Beach

Da Tribunation-tion. Engraçado que, apesar das críticas, que mantenho, tô considerando o plastic Beach o grande disco do ano até o momento. Recomendadíssimo.

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Quando morreu o rapper Guru, dia 19 de abril deste ano, foi com ele parte da história do hip hop. O alterego de Keith Elam foi um dos primeiros a incluir ritmos além do soul, do funk e da música eletrônica na mistura do estilo. Jazzmatazz Vol. 1, de 1993, como o nome sugere, coloca uma banda de jazz e alguns MCs no mesmo ambiente sonoro. O resultado é experimental, não se trata do melhor álbum de hip hop de todos os tempos, mas com ele, Guru mostrou o caminho do futuro.

A década passada foi para o hip hop o que foram os anos 70 para o rock. Depois de uma origem tímida na era de aquário, o movimento passou pela consolidação nos anos 80, pela sofisticação nos dez anos seguintes e pelo grande sucesso comercial nos 2000. Por conta desse êxito, apareceu muito lixo megalomaníaco, inflado pelo dinheiro inesgotável. Porém, com ele também veio respaldo artístico, a posibilidade de experimentar, procurar o som perfeito. Hoje em dia, o melhor tipo de hip hop existente é fruto dessas experiências, da mistura que DJs e MCs de gosto eclético injetam na sua música.

É aí que você entende a importância de Guru e é aí que entra o Gorillaz. Damon Albarn era o vocalista do Blur até que um dia se cansou de britpop e resolveu tentar algo novo. Se uniu ao cartunista Jamie Hewlett e, juntos, criaram uma banda-desenho-animado, com intergantes/personagens e tudo. Basicamente, o Gorillaz foi o primeiro conjunto musical “virtual” (ou digital, se preferir) e trouxe para a grande mídia o trabalho esquizofrênico e multifacetado do underground. Sendo o estúdio o principal instrumento do hip hop e da música eletrônica hoje em dia, é natural que num trabalho desse tipo apareçam símbolos dos ritmos favoritos do produtor em questão. Albarn gostou da idéia e cada disco do Gorillaz parece refletir sua coleção de LPs.

A banda é recheada de referências pop: desenho animado, grafitti, consumismo, multiculturalismo e, como não poderia deixar de ser, variadas linguagens musicais. Por cima de batidas sincopadas, tem rock, rap, soul, IDM (t.c.p. intelligent dance music, um tipo de música eletrônica calma e introspectiva) e até ritmos latinos. Entretanto, alguma coisa me parece errada com o mais recente disco da banda, aclamado pela crítica.

Plastic Beach tem seus bons momentos, mas não dá pra acreditar que são os quatro macacos de desenho animado que estão tocando aquele som. São instrumentos demais, participações demais... Você precisa de uma grande imaginação para conceber Lou Reed e Snoop Dogg no mesmo espaço que quatro personagens de desenho animado. Afinal de contas, qual a proposta do Gorillaz?

Agora você deve estar me chamando de conservador, de falso moralista. Com certeza você sabe que, uma vez que o Gorillaz é uma banda 100% virtual – os integrantes não existem fisicamente, numa fantasia de lã tipo Mickey Mouse, por exemplo –, eles podem absolutamente tudo, nada é inverossímil. O vocalista 2-D pode virar um pteranodonte mestre de kung-fu com um sintetizador acoplado ao peito, se Albarn e Hewlett assim decidirem. Mais ainda: e daí que as músicas não parecem de fácil execução ao vivo? Os Beatles um dia também resolveram levar a experiência do estúdio a níveis nunca cogitados antes, parando até de fazer shows. E eles nem eram cartuns!

O problema é que o Gorillaz já tem turnê marcada para promover Plastic Beach. E uma apresentação do grupo é um voto de confiança em Albarn, já que consiste num telão exibindo imagens dos personagens enquanto músicos fazem o trabalho sujo atrás dele. E aí? Esperar transparência de um conjunto fictício em plena era digital talvez seja forçar a barra demais?

No fim das contas, não é uma coisa que incomode tanto assim. Sei que os responsáveis têm tudo sob controle e vão dar um jeito. E Plastic Beach já é um sucesso. Mas sua verdadeira vocação é trazer à tona um debate que até agora não parecia muito importante: como lidar com tantas possibilidades na música atual e ainda assim se manter coerente? Pena o Guru ter morrido. Talvez ele tivesse uma dica ou duas para nós.

Monday, May 24, 2010

Música é Devoção

Meu melhor texto pra Tribuna até agora. Enjoy.


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“O que me fez ter esperança no futuro da poesia foi o concerto dos Rolling Stones que vi no Madison Square Garden [Nova York]. Mick Jagger estava cansado e todo detonado. Era uma terça-feira, ele tinha feito dois shows e estava de fato à beira de um colapso – mas o tipo de colapso que transcende para a mágica. Jagger estava tão cansado que precisou da energia da plateia. (...) Adoro a música dos Rolling Stones, mas o principal não foi a música, mas a performance, a performance visceral.”

A citação acima foi tirada do livro sobre a história do punk, Mate-me Por Favor, num depoimento da maior enganadora da época, Patti Smith. Num movimento musical cheio de charlatões e enganadores, ser o maior deles é um feito. Patti, até montar sua banda e gravar seu primeiro disco, não passava de uma fã de rock and roll e Rimbaud que circulava pelo meio “descolado” dos pré-punks de Nova York. Ela se importava mais em saber se seu cabelo estava parecido com o de Keith Richards e em quem eram seus amigos do que em aprender a tocar um instrumento. Uma poseuse de primeira linha.

No entanto, Patti foi capaz de transformar toda a sua adoração pelos símbolos da contracultura em catarse. O fenômeno observado por ela no show dos Rolling Stones está para sempre representado em seu disco de estreia, Horses, de 1975. Você pode ouvir a voz ofegante de Smith soletrando, pedindo clemência, amaldiçoando e conseguindo a redenção. Naquele ano, os hippies estavam acabados, a guerra do Vietnã também e toda essa necessidade de redenção era reflexo de um mundo megalomaníaco e de ideais esvaziados.

A resposta nesse cenário desolador, como não poderia deixar de ser (e vem sendo desde a alvorada dos tempos), foi a fé. No caso de Patti Smith, no rock. No caso de Tim Maia, numa seita esquisita, que “não é doutrina nem religião”. O panorama sociocultural no Brasil do mesmo ano de 1975 era diferente dos Estados Unidos nas particularidades, mas não na essência. A ditadura militar começava a abrandar, mas o estrago já estava feito. O brasileiro vivia num país atrasado e as feridas abertas pelos militares ainda não haviam cicatrizado.

Tim Maia costumava dizer que praticava triatlo: bebia, fumava e cheirava. Vivia uma vida hedonista, de festas e excessos. Até que, em algum momento no início dos anos 70, encontrou respostas na Cultura Racional, uma espécie de doutrina fundada por Manoel Jacintho Coelho. Ficou claro para todo mundo que a seita era pura picaretagem, mas Tim, finalmente sóbrio e iluminado pelo que acreditava ser a sabedoria suprema do Universo, cunhou dois de seus melhores álbuns entre 1975 e 76. Depois, percebeu que tudo aquilo era uma grande bobagem e voltou para o “triatlo”.

Entre pessoas que gostam de música pop, por alguma razão, o número de ateus, agnósticos e gente que simplesmente não dá bola pra religião ou Deus é altíssimo. Ainda assim, Horses e os dois volumes da Fase Racional são considerados clássicos até hoje. Por que relevamos a pose de Patti Smith? Por que fazemos vista grossa para a religião bizarra pela qual Tim Maia se embrenhou? Por que não nos constrange nem um pouco uma música como Grande Deus, de Cartola, ou os velhos spirituals entoados por Elvis Presley, Johnny Cash e tantos outros pioneiros?

A explicação está no fato de que música é devoção. Quando empregamos toda a nossa energia numa escala pentatônica, ou quando somos levados a outro mundo por uma melodia, estamos vivenciando uma experiência de fé. No momento em que deixamos uma pessoa em cima de um palco ditar como será nossa próxima hora e meia, entregamos nossa alma a ela da mesma forma que um fiel se entrega ao pastor, ao padre, ao rabino. É uma comparação meio assustadora, ainda que inevitável. Mas deixa pra lá. Enquanto a música não te pedir dízimo, está tudo certo.

Rock e Política

Fiz esta matéria/entrevista com o Macaco Bong, que tocou em Indaiatuba no último sábado, durante a Virada Cultural. A conversa foi mais sobre política e música independente do que sobre o grupo em si. Saiu na Tribuna.

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Numa casa/estúdio em Perdizes, zona oeste de São Paulo, está acontecendo uma festa. Luzes coloridas, caixas de som genialmente feitas com recipientes plásticos, cerveja na geladeira. Não param de chegar músicos jovens e barbados com suas bandas, carregando instrumentos. Uma jam session e a exibição de um curta-metragem engrossam o caldo. Pode não parecer, tudo isso faz parte do lançamento do escritório do Fora do Eixo em São Paulo.

O Circuito Fora do Eixo começou como uma idéia dentro de uma produtora, mas cresceu a ponto de se tornar uma organização com escritórios por todos os estados do Brasil, exceto Maranhão e Piauí. Não há uma razão em especial para esses estados estarem de fora, só “não surgiram pessoas interessadas em montar escritórios por lá ainda. Mas em pouco tempo isso deve mudar”, pondera Ney Hugo, baixista do Macaco Bong. O Circuito tem como principal objetivo viabilizar a auto-gestão da música independente brasileira e conta com uma disposição linear, onde não há hierarquia e pouca burocracia. Cada escritório é tocado por qualquer pessoa interessada em trazer música independente para sua região e só existem algumas obrigações, como montar um festival independente por ano, para não virar bagunça.

Dois dias antes da festa, o Macaco Bong tocava na Virada Cultural em São Paulo, substituindo a Música do Mato. “Substituição” talvez não seja a palavra mais adequada, já que o projeto consiste no próprio Macaco e outros grupos do Mato Grosso mostrando um pouco do que vem sendo feito na música por lá. “A gente só estendeu a nossa parte porque os outros músicos não puderam vir”, explica o baterista Ynaiã Benthroldo. Por outro lado, existe sim uma vontade dos integrantes em fortalecer a cena independente no Brasil e não deixar espaços em branco nos festivais. Já que estão por lá e alguém faltou, por que não arrumar os instrumentos e mandar ver?

Esse comportamento voluntarioso não reside em pensamentos envaidecidos. Pelo contrário, a garra com a qual o grupo defende os ideais do Fora do Eixo vem de seu nascimento. “O Macaco Bong surgiu dentro do Espaço Cubo, como parte de todo o projeto. Sem o Fora do Eixo, a banda não existiria, mas o Circuito existe fácil sem a banda”, conta Ney.

O Espaço Cubo é uma produtora multicultural que organiza o festival Calango desde 2001 (à época, ainda se chamava Cubo Mágico). Em 2005, após a união do gestor Pablo Capilé com outros produtores do ramo independente, surgiu o Circuito Fora do Eixo, que leva as idéias surgidas em Cuiabá para o resto do Brasil, por meio dos escritórios. Mais ou menos à mesma época, surgiu a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), que deu um ar de “legitimidade” aos festivais, principalmente por se tornar uma ferramenta facilitadora no diálogo com órgãos estatais e empresas. De duas uma: ou é um plano de dominação mundial sem precedentes ou é a música independente se organizando como “nunca antes na história deste país”.

O cenário favorável para esse fortalecimento da cena independente vem de dois aspectos principais. O primeiro é a alta do marketing cultural, que bebe na fonte dos incentivos fiscais (como o ProAC e a Lei Rouanet) e do interesse das empresas em se comunicar com seu público de forma mais direta. Assim, projetos como os festivais são viabilizados por meio da iniciativa privada. Já o interesse do público, que motiva essas ações, parte do maior acesso à arte alternativa, viabilizado pela internet. Basicamente, tudo isso que está acontecendo vem da possibilidade do consumidor escutar o que quiser, onde quer que esteja. Se uma banda do Fora do Eixo tem algum público em Indaiatuba hoje, isso se deve quase que exclusivamente à internet.

A inovação mais revolucionária (e insólita) do Espaço Cubo é o Cubo Card, espécie de moeda alternativa aceita nos pontos do Fora do Eixo pelo Brasil. Bandas, produtores e outros envolvidos nos projetos organizados pelo Espaço recebem Cubo Cards que podem ser trocados por produtos e serviços – igualzinho dinheiro normal. As críticas à moeda partem de um princípio básico: ela não é aceita em muitos lugares. Ney Hugo rebate as críticas argumentando que os Cubo Cards podem servir como complemento ao Real, uma vez que eles já são aceitos em alguns estabelecimentos de Cuiabá e podem começar a surgir em outros lugares. “Em 2004, se você dissesse que seria possível comer num restaurante com os Cards, ninguém acreditaria. Hoje em dia, as lanchonetes que funcionam no Calango nem trocam mais os Cards que recebem durante o festival, porque o dono sabe que, por exemplo, pode comprar material escolar para o filho com eles, numa papelaria parceira nossa”.

Além do Fora do Eixo, a Abrafin também recebe críticas. Muita gente torce o nariz para a impossibilidade dos festivais em pagar cachê e traslado a todas as bandas. Na visão de Ney, os detratores se encaixam em dois grupos principais: os que não conhecem os projetos de perto e os artistas que se consideram talentosos demais para batalhar. O argumento tem conexão com a filosofia do Macaco Bong. O título do primeiro disco da banda é Artista Igual Pedreiro, enfatizando a visão de que um músico tem que ralar da mesma maneira que qualquer outro trabalhador.

“Nossa gestão é totalmente aberta, está tudo relatado, as planilhas estão no site (www.foradoeixo.org.br/tec)... Nós estamos abertos e nos sentimos seguros nesse debate porque nosso embasamento é muito forte. Se um artista acha que sua arte é importante demais para que ele tenha trabalho com ela, essa pessoa não nos interessa. Preferimos nos envolver com o garoto que, se não fosse pelo Fora do Eixo, estaria vivendo uma rotina frustrante de trabalho.” O baixista lembra que esse investimento dos conjuntos iniciantes – tanto neles mesmos quanto na cena musical que pretendem formar – é um antídoto importante contra o monopólio das grandes gravadoras, que durante muito tempo limitaram as atenções musicais no país.

Aí me pergunto: e quando o projeto finalmente der certo e as bandas, mesmo no âmbito independente, começarem a firmar parcerias com a iniciativa privada, como fez Mallu Magalhães em seu primeiro CD? Será que elas não estarão presas a um novo “chefe”, com contas a prestar a pessoas que não dizem respeito à sua arte? Um dos grandes trunfos desse circuito alternativo, que engloba o Fora do Eixo, a Abrafin e tantos outros coletivos, é libertar os artistas das exigências comerciais das gravadoras multinacionais, permitindo-lhes fazer música de todo tipo. É daí que vem a preocupação.

Ney Hugo, no entanto, minimiza: “O Fora do Eixo não é contra parcerias com a iniciativa privada, muito pelo contrário. Se houver algum tipo de controle por parte das empresas, somos contra, mas no caso de uma parceria boa para ambas as partes, apoiamos.” A preocupação dos envolvidos em viabilizar opções e em não desprezar nenhum lado do debate está enraizada na constatação óbvia de que ninguém consegue triunfar sozinho. Pelo menos quando o desafio é unificar e fortificar a cena independente brasileira.

Se nada disso lhe parece interessante e se você só quer curtir um som, não faz mal. O engajamento político do Macaco Bong não interfere negativamente na sua música, da mesma forma que sua mensagem pode acabar abrindo seus olhos. Você gosta de guitarra, baixo e bateria? Curte ver performers ensandecidos em cima de um palco? Então aparece no Parque Ecológico hoje, às 19h30. Periga ser o show do ano.

Tuesday, May 18, 2010

John Frusciante

Mais um da Tribuna, já fazia tempo. Tchangas afuniladas são isso aí.

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No comecinho de abril, os ouvintes da rádio BBC 6 Music elegeram John Frusciante o melhor guitarrista dos últimos 30 anos. Sem dúvida, o ex- Red Hot Chili Peppers fez parte de uma das minhas bandas de rock favoritas e ele próprio, com seu trabalho solo, teve as manhas de fazer um dos 10 discos da minha vida. Mesmo assim, não acho que seja o mais importante desde 1980.

Basicamente porque Frusciante nunca foi especialmente imprescindível como guitarrista na sua própria banda. Antes dele, veio o finado Hillel Slovak, que praticamente criou a guitarra do funk rock e viria a inspirar seu sucessor, um fã antes mesmo de entrar para a banda. Mesmo quando largou os Chili Peppers no meio dos anos 90, Frusciante foi substituído com bastante maestria por Dave Navarro (e arrenego de quem afirma que One Hot Minute é o pior disco do conjunto).

Só que bróder: quem disse que um bom guitarrista só sabe tocar bem seu instrumento? Se no rock a figura do tocador de guitarra acabou associada a uma espécie de camisa 10, esperto é o músico que assume a tarefa com a cabeça erguida, olhando para o gol. Um exemplo legal é Jonny Greenwood, do Radiohead. Sem se limitar às seis cordas, Greenwood programa samples e batidas, arranja músicas, toca piano, sintetizadores e até uma espécie de rádio de pilha.

Já Frusciante é um artista mais, digamos, analógico. Se os Chili Peppers estouraram no mundo todo com Blood Sugar Sex Magik e depois tomaram conta dele com Californication, muito se deve à capacidade do guitarrista em criar melodias, backing vocals e adaptar seus maneirismos ao estilo pulsante e suingado da banda.

Fã de Jimi Hendrix, Frank Zappa, Marc Bolan, além de bandas punk, o nova-iorquino radicado na Califórnia chegou a estudar guitarra por um tempo numa das escolas mais renomadas dos Estados Unidos, mas largou o curso rapidamente. Aos quinze anos, Frusciante assistiu a um show de sua futura banda pela primeira vez e instantaneamente tornou-se fã. Pouco tempo depois aprendeu todas as músicas do grupo e impressionou os veteranos Anthony Kiedis e Flea, que o elegeram para substituir Hillel Slovak, morto em 1988 numa overdose de heroína.

Nos anos seguintes, John gravou Mother’s Milk e Blood Sugar Sex Magik com o Red Hot Chili Peppers, e o segundo foi um enorme sucesso. Cansado das turnês e do que a banda estava virando, ele resolveu jogar tudo para o alto e se demitiu. Essa fase coincidiu com o princípio de seu vício em heroína e nos anos seguintes, enquanto seus antigos companheiros gravavam One Hot Minute com Dave Navarro, Frusciante passou em casa, consumindo heroína e gravando discos terríveis. A nóia era tanta que ele perdeu todos os dentes e Smile From The Streets You Hold, seu segundo álbum solo, é um retrato fiel do que é o fundo do poço.

Em 1998, depois da saída de Navarro, John finalmente estava sóbrio e quis voltar para o Red Hot Chili Peppers. Do casamento renovado, veio Californication, seu maior sucesso comercial até o momento. É o trabalho mais “autoral” do guitarista com a banda, e é possível encontrar a primeira grande ruptura com o funk que vinham tocando havia 15 anos. Em 2002, lançaram By The Way e logo depois, Frusciante produziria sua obra-prima solo (e, como destacado anteriormente, um dos dez discos da vida deste colunista): Shadows Collide With People.

O álbum de 2004 soa como um suspiro aliviado, resignado de um ex-viciado com feridas ainda cicatrizando. Nosso “melhor guitarrista dos últimos 30 anos” mostra que é um cantor de primeiríssima linha – na realidade, muito melhor do que Anthony Kiedis – e ainda exibe habilidades como produtor musical, com umas pirações muito doidas entre as 17 faixas do disco. Ele ainda voltou para gravar Stadium Arcadium com os Chili Peppers, mas no fim do ano passado, deixou o conjunto.

Dito isso tudo, ainda tenho coragem de manter minha posição: John Frusciante não é o maior guitarrista dos últimos 30 anos. Mas isso não exclui o valor de um cara que desceu ao inferno e voltou, foi pivotal na confecção de dois dos trabalhos musicais de maior sucesso dos anos 90 e ainda fez um dos meus LPs favoritos. Tá bom ou quer mais?

 
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