Monday, March 29, 2010

Nossa Fama de Bambi

Fazia tempo que não dava uma cornetada no meu time aqui no blog.

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Que mundo zicado. Ontem, o São Paulo perdeu o terceiro clássico da temporada (quarto, se considerarmos o jogo contra a Lusa). Incrível que mesmo ramelando em toda partida decisiva e moralmente importante, continuamos no tal G4, na frente de Corinthians e Palmeiras. Típico.

O grande problema está ali, no "moralmente". O São Paulo é que nem aquele marido machão que bota banca no trabalho, no boteco, mas que no seu quintal, é desmoralizado pela mulher, pelo cunhado e pelos vizinhos. O pior não é perder um jogo que, no frigir dos ovos, acabou sendo emocionante e igual (além de, argh, justo). O que dói, e dói demais, é perder o terceiro clássico do ano. Não podia. Contra o Corinthians, tínhamos de vencer. Nem que fosse com gol roubado, nem que precisasse quebrar a perna dos melhores jogadores adversários.

Não digo isso pelo fato de ser o nosso adversário mais desprezível, e sim porque, em tese, eles tiveram o azar de nos pegar depois de dois reveses contra rivais importantes. Mais uma vez, o problema está no termo: "tese". O Tricolor vem, sistematicamente, ressucitando cachorros mortos em clássicos. Jogar contra o São Paulo em um momento de crise é quase motivo de comemoração. Os adversários sabem que lá vem um time competente, mas sem um pingo de sangue na veia. Nos "zóio", então... Nunca vi uma equipe com o branco dos olhos tão branco.

É essa falta de garra, de raça, de entrega em campo que confere aos são-paulinos a ingrata pecha de bambi. Não é pela torcida e nem por causa de jogadores ou atitudes extra-campo desses jogadores (a perseguição ao Richarlyson é mais uma consequência do que uma causa). Ser "o bambi" me ofende. Me ofenderia mesmo que eu fosse gay. Porque ser gay é uma questão de opção sexual. Ser "bambi" é uma decorrência da falta de honra.

Existe um movimento que as pessoas chamam de "pussificação" (ou, sem apelar pro estrangeirismo, "embucetamento") do futebol, que consiste em joguinho de bastidores, ações de marketing frescurentas, as absurdas punições extracampo do STJD, jogadores com discurso pronto, politicamente correto. Enfim, um futebol cada vez mais profissional e menos empolgante. Os rumos do São Paulo parecem se enquadrar totalmente nisso. Somos o clube mais rico, o mais competente. E também o mais inócuo. Nossas ações de marketing são risíveis (toda semana recebo um email do restaurante que fica no Morumbi, mas qual foi a última camisa comemorativa que o Tricolor lançou?), nossos jogadores jogam com o dólar na ponta da chuteira, o presidente se concentra em cada picuinha... Até o nosso blog do torcedor no Globo Esporte tem um cronista insosso, adepto do bom mocismo e das piadinhas de firma.

Se parece exagero reclamar desse tipo de coisa, rebato com o óbvio: são essas pequenas nuances que formam a imagem de qualquer coisa. Não somos os bambis porque flagaram uma orgia gay com 50 mil são-paulinos na Praia Grande. Somos os bambis porque repetimos os slogans enganosos da diretoria e aceitamos, passivamente, a rola no rabo que é o joguinho fraco do São Paulo Futebol Clube desde, sei lá, 2007.

Não me importo em ser o bambi, a bicharada, o Elton John que seja. O que enfurece é dar motivo para ser chamado assim. Meu maior sonho, neste momento, é ver o São Paulo entrando em campo de rosa-choque e meter 7x0 na fuça da gambazada indigente. Isso sim é atitude de macho (um tipo de macheza que a maioria dos boleiros-machistas não entenderia, mas não dá pra exigir muito dessa massa ignóbil). Entretanto, enquanto não reunirmos bolas para tanto, aguentaremos os fedorentos cantando que o freguês voltou. Contra fatos, infelizmente, não há argumentos.

Thursday, March 25, 2010

Show do Coldplay: Não Vi e Gostei.

Mais um texto da Tribuna de Indaiá. Ando meio ocupado, minha produção de textos acabase restringindo aos textos da coluna. Aqui vai o do dia 6/03.

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Na última terça-feira (02/03), foi com algum pesar que perdi a apresentação do Coldplay no Morumbi. Não sou o maior fã da banda que você vai encontrar, mas acho o último álbum, Viva La Vida, honestamente bom e a faixa-título sensacionalmente catártica. E mais do que isso, observo no Coldplay sintomas do que é o mundo hoje (que eventualmente podem se tornar tendências do que será o mundo amanhã).

Primeiro que é uma banda cuja fama surgiu de dentro para fora, de um miolo indie para a grande mídia (mainstream). Se parece lógico que as coisas funcionem assim, é bom lembrar que durante anos o público foi forçado a aceitar astros pré-fabricados, entuchados goela abaixo diante da falta de opções e de acesso a alternativas.

Agora, a coisa mudou, e me parece que não só na música, mas na cultura como um todo. O caso do Coldplay, a banda que começou tímida, com clipe intimista na praia chuvosa e que neste momento é a maior banda do planeta, com cancha de “guia das multidões”, é bastante característico. Hoje em dia, para um grande empresário, vale mais apostar em um ícone consagrado em determinado nicho, tribo e/ou gueto cultural do que lançar o próximo “grande sucesso” sem nenhuma base de amostragem. Você vê isso até no Big Brother Brasil, onde alguns dos integrantes desta última edição foram selecionados a partir de uma fama prévia na internet (infelizmente, a web ainda é nicho, pois não é acessível para um monte de gente).

O Coldplay surgiu em 1997 em Londres, como Starfish. Depois de shows em clubes locais e alguns EPs independentes, assinaram com a Parlophone, selo da EMI famoso por lançar os Beatles no começo dos anos 60. Em 1999, o primeiro disco, Parachutes, soava como Travis e Radiohead e teve dois grandes sucessos, Trouble e Yellow. No entanto, esses hits serviram mais como cartão de visita do que como catapulta para o sucesso. Nos anos e trabalhos seguintes, a banda foi consolidando sua fama e crescendo sem parar com In My Place, The Scientist, Clocks, Fix You, etc. Cada vez mais, as canções do vocalista Chris Martin alcançavam o grande público, que gostava e queria mais. Foi mais ou menos nessa época de afirmação que minha mãe virou fã da banda, o que me fez imaginar que, talvez, eles não fizessem mais parte do universo independente “faça-você-mesmo”. Nesse meio tempo, Chris Martin ainda se casou com a mega atriz Gwyneth Paltrow, defendeu causas nobres e tornou-se alvo de paparazzi.

Com tudo (até a perseguição dos tablóides!) conspirando para um sucesso estrondoso, seria estranho que um disco de vocação tão grandiosa como Viva La Vida não desse certo. Coincidência ou não, Chris Martin acabou virando uma espécie de messias justo quando seu álbum mais com cara de U2 viu a luz do dia. O que ele estaria se tornando? Uma versão atualizada de Bono Vox? E o Coldplay? É o novo U2?

Faz todo sentido. Se hoje em dia Bono tem, para os mais jovens (e pode me colocar nesse bolo), mais cara de líder político pentelho do que de músico, Martin ainda apresenta a vitalidade e até certa sofreguidão necessária para ser respeitado como rockstar altruísta. E não dá pra negar que o guitarrista Jonny Buckland bebe na mesma fonte que o escudeiro de Bono, The Edge.

Está criado o cenário. Numa época em que praticamente não existem mais conjuntos musicais com cara de arrasa-quarteirão, o Coldplay é a exceção que confirma a regra. Você que foi ao show, pode ter certeza de uma coisa: assistiu à banda que está a um passo de representar a geração atual durante muitas décadas. Se os membros do Coldplay são as pessoas certas para isso, eu não sei. Mas você não sente um friozinho na barriga vendo a História acontecendo na sua frente?

Wednesday, March 10, 2010

Não Há Cova Que Segure Johnny Cash

Escrevi este pra Tribuna, saiu há duas semanas. Meu preferido até agora. Dei uma leve chupinhada no Lester Bangs no finalzinho do texto, vê se saca aonde.

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O lançamento mais importante a sair nesta semana [Nota: 22 a 27 de fevereiro] foi um disco póstumo. American VI: Ain’t no Grave não é nem o primeiro álbum a sair depois da morte de Johnny Cash e nem o melhor da série American – que consistiu na “redescoberta” do artista pelo superprodutor Rick Rubin. Mas a importância do disco está descrita ali no meio da frase anterior: “Johnny Cash”.

Se você não conhece Cash pela sua música, é possível que tenha assistido à sua cinebiografia, erroneamente intitulada Johnny & June no Brasil (como se a vida do maior nome do country americano fosse uma comédia romântica bem bobinha). Mas Joaquin Phoenix é muito mais bem apessoado do que o personagem que interpreta e pode ser que você se confunda: Johnny Cash tinha cara e voz de velho desde sempre, e foi assim que apareceu para o mundo, com With His Hot and Blue Guitar.

Logo nesse primeiro álbum, sua música mais famosa e emblemática apareceria. Folsom Prision Blues foi provavelmente a primeira canção composta pelo cantor, quando mal sabia segurar uma guitarra, e fala sobre as agruras de estar preso. Mesmo sem nunca ter pisado numa carceragem, Cash conseguiu captar o espírito da coisa e tornou-se uma espécie de padroeiro dos presidiários americanos. Esse tipo de atitude, somada à sua voz honesta e música cascuda, garantiu moral e “credibilidade de rua” para o músico entre os fãs machões de country nos anos 50.

Mas ele nunca se limitou à música caipira. Surgido na gravadora Sun, casa de Elvis Presley, Carl Perkins e Jerry Lee Lewis (além de outros pioneiros do rock), chegou a gravar alguns rocks com os três, numa sessão lendária nos estúdios da gravadora. O nome é sugestivo: The Million-Dollar Quartet. Além disso, durante sua carreira, Johnny gravou cerca de 10 álbuns de hinos religiosos, em homenagem à sua formação musical, nos campos de algodão do Arkansas, quando ainda era J. R. Cash (seus pais não conseguiram pensar num nome e o batizaram apenas com as iniciais).

A partir do final dos anos 50, sua carreira decolou e seus discos vendiam cada vez mais. Mas ele se afundou na anfetamina, o que tornou a maior parte dos anos 60 um inferno para o cantor. Em 1967 ele se divorciou de sua primeira esposa, Vivian e no ano seguinte conseguiu largar as drogas. Então, no palco, pediu sua companheira de duetos (e eterna musa) June Carter em casamento. Logo depois, os dois se casaram e mais tarde cantaram para uma audiência de detentos da prisão de Folsom, cujo registro acabou se tornando um dos mais importantes álbuns ao vivo e certamente o mais famoso de Cash.

Os anos 70 foram melhores para J. R., que se tornou “o homem de preto”, por causa de sua vestimenta, que ele justificou quase como uma tarefa: “Quando nos lembramos dos que ficam para trás/Na sua frente deve haver um homem de preto” (Man in Black, 1971). Cash ainda teve um programa de TV, pediu reforma prisional para o presidente Nixon e montou o supergrupo de country The Highwaymen com Willie Nelson, Kris Kristofferson e Waylon Jennings. Nos anos 80, porém, sua fama começou a minguar e é aí que entra Rick Rubin.

O produtor e dono da gravadora American Recordings assinou com o homem de preto e investiu na sua carreira. Os discos de Cash pela American mostram um senhor maduro, mas ainda vital. Sua faceta de intérprete capaz de subverter a lógica de uma canção aparece mais do que nunca, com menos composições próprias do que seus álbuns anteriores. Cabeça aberta que sempre foi, ele regravou músicas de artistas como U2, Soundgarden, Beatles e Depeche Mode como se fossem suas. E o resultado é emocionante.

Conforme a série avança, sua voz vai enfraquecendo, mas sem perder coragem e integridade que sempre possuiu. Johnny Cash morreria em 2003. Sete anos depois, Ain’t No Grave ainda é importante porque, como diz o refrão da primeira música do trabalho, não há cova que segure seu corpo. Amém.

Monday, March 08, 2010

Descanse Em Paz, Sparklehorse


Quando escrevi meu top 10 de discos do ano passado neste blog, destaquei a importância e a relevância de Brian 'Danger Mouse' Burton na produção do quarto lugar, Dark Night of the Soul, um disco bonito pra burro. Então, no sábado, seu parceiro na produção do álbum, Mark Linkous se matou dramaticamente com um tiro no coração e, na onda mórbida que sempre segue esse tipo de morte, resolvi escutar um de seus álbuns como Sparklehorse.

Com parcos dois dias de audição, começo a entender por onde se move o espectro musical de Linkous - e até onde se estende sua participação e influência em Dark Night of the Soul. It's a Wonderful Life, terceiro LP do Sparklehorse, é uma ode melancólica à beleza da vida (na Wikipédia esse comentário é feito sobre a música-título, mas eu percebo esse clima durante todo o registro). Linkous se revela como uma espécie de Elliott Smith mais interessado na produção de um álbum. Por isso, mais do que o outro trovador suicidado em 2003, ele consegue trabalhar com influências e sonoridades, chegando a soar até como Radiohead às vezes.

Com essa maior possibilidade de brincar com estilos, vêm as participações de Tom Waits, Nina Persson, Vic Chesnutt, PJ Harvey e John Parish no disco. Anos depois, Persson e Chesnutt apareceriam no supracitado Dark Night of The Soul. Se a atuação de Linkous no projeto tivesse se limitado a conseguir participações incríveis para as músicas, sua importência já seria imensurável. Mas It's a Wonderful Life (e me perdoe por só conhecer esse até o momento) mostra direções musicais - melodias bonitas e, ao mesmo tempo, sujas - que permeiam o todo do trabalho com Danger Mouse.

O bonito dos dois discos de Mark Linkous que ouvi até hoje é notar como as músicas podem ser modificadas e adequadas às inúmeras parcerias e influências sem que percam sua identidade, sua espinha dorsal. Em outras palavras, quando Linkous imprime sua digital numa canção, é foda de apagar. E, na minha humilde visão, é isso que faz um grande artista.

Que este texto sirva para prestar a homenagem devida ao músico e para que ele me perdoe por ignorar sua importância por tanto tempo.

 
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