Sunday, August 22, 2010

Entrevista: Luiz Freitas

Uma entrevista para a tribuna. Fala um pouco da minha cidade, Indaiatuba, mas é interessante notar como essa situação é recorrente na maioria dos municípios pequenos aqui do Brasil.

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Quando ouvi falar no Luiz Freitas, através de um amigo em comum (e sócio dele na Sinewave Records) quase caí pra trás. Mentira. Mas achei insólito e bastante surpreendente que houvesse em Indaiatuba alguém interessado em post rock. Mais: que tivesse uma banda do estilo. Claro, num lugar com quase 200 mil habitantes, é bastante provável que haja pelo menos um ou dois gatos pingados interessados em manifestações culturais obscuras como post rock. Mesmo assim, fiquei de cara.

O post rock, diga-se, é um movimento musical bastante novo, que mistura ambientes sonoros atmosféricos, sentimentos íntimos e guitarra distorcida. Pode ser que você conheça algumas canções do álbum Agætis Byrjun, da banda islandesa Sigur Rós, pelo filme Vanilla Sky, de 2001. Na minha humilde opinião, de leigo, trata-se do grande disco do pós roque. Três conjuntos legais para ir atrás: Godspeed You! Black Emperor, Mogwai, Explosions in the Sky.

A necessidade desse parágrafo explicativo vem da falta de intimidade do público com o estilo. Por causa disso, o Luiz, juntamente com seu sócio, o Elson Barbosa, fundou a Sinewave Records. Trata-se de um selo online que promove e lança, por meio de downloads gratuitos, discos de bandas brasileiras de post rock. O Luiz também tinha a sua banda, o Gray Strawberries, que acabou recentemente. Como todo moleque um pouco diferente do circuitinho Zoff-JC que passou sua adolescência em Indaiatuba, ele vê um monte de problemas nas opções de diversão da cidade. Falamos um pouco sobre esses assuntos, dá uma olhada.

Fala um pouco da Sinewave para começar.
A Sinewave surgiu duma idéia minha e do Elson quando a gente viu que não tinhamos o devido espaço na mídia, lugares pra tocar, porque não tinhamos os contatos, a repercussão, experiência necessária. Vendo iniciativas feitas "de banda pra banda", como a Constellation Records e o ATP, a gente, já que não tinhamos um selo, um site de notícias falando da gente, lugar pra tocar, etc, decidiu ser o selo, o site, o festival. Diante das dificuldades de ser um tipo de música nada popular, creio que os resultados são bastante satisfatórios. É visível que todas as bandas melhoraram depois da iniciativa nossa. Tá longe de ser algo reconhecido e famoso, mas é muito legal ver que essas bandas todas agora têm uma perspectiva, o que antes não era tão fácil

Você acha que ir por esse caminho de nichos mais bem definidos é o futuro da música independente brasileira?
Depende da situação. Por exemplo, para nós, é melhor aglutinar bandas que sejam parecidas, com o mesmo estilo. Porque da nossa experiência percebemos que a situação que ocorria era que muitas vezes essas bandas, no começo de carreira, não conseguiam shows num lugar legal, e aí tinham que tocar com bandas de hardcore, metal, coisas que não tinham nada a ver com a gente. O cenário musical independente está muito no começo. A gente não tem público formado. Não dá para esperar que mais pessoas gostem sem mostrar pra um pessoal novo, diferente. Hoje a gente já pensa numa correção de rota, se envolver com um pessoal que não faz um som tão parecido, já aceitamos bandas que não são tão post-rock assim. Em resposta à sua pergunta, acho que sim. Que hoje, na maioria dos festivais, selos, as bandas não são escolhidas por estilo, por genero. Elas são escolhidas por vários fatores que não a música que fazem. Acho que deveria se dar mais valor ao tipo de som que as pessoas fazem, mas não segregar totalmente e virar gueto. Afinal, precisamos de muito mais gente para termos um público grande o suficiente pra música independente ser um negócio rentável

Quando me falaram de você, fiquei bastante surpreso que houvesse uma banda de post rock em Indaiatuba, o que dá uma idéia de como a cultura na cidade parece linear, pouco ousada. Qual o motivo pra isso, na sua opinião?
O que pesa contra é o fato de sermos uma cidade muito rica e relativamente nova. Essas coisas deveriam ajudar a cidade a ser, como tu disse, mais ousada. Essa reclamação a respeito de cultura é clássica em Indaiatuba. Lembro que desde que eu era criança, se reclamava de que Salto tinha um teatro, e Indaiatuba não, mesmo sendo muito maior. O tempo passou, construiram o CIAEI e um auditório legal lá, e, pelo menos enquanto eu morava lá, rolavam as peças, eventos, e pouca gente tomava conhecimento e ninguém ia.

E como atrair o interesse das pessoas? E o que falta pra quem já está interessado?
Não sei. Mesmo. Musicalmente falando, seria legal se alguma banda da cidade se destacasse, isso puxaria outras, querendo repetir o mesmo caminho. Poderia até sido a gente, isso talvez resolveria a questão da iniciativa. Em outros setores, como teatro, e cinema, não sei. Mas, pelo que via quando fui embora, e pelo que leio nos jornais e fico sabendo, a coisa melhorou nos últimos anos, até pelo crescimento economico e populacional da cidade. Acho que também é uma questão de tempo.

Wednesday, August 11, 2010

Não Vá ao SWU

Mais um texto para a Tribuna de Indaiá. Engraçado que agora, com Rage Against the Machine e QotSA quase fechado, já mudei de idéia. Para mim, o SWU tem muita, mas muita cara de picaretagem. Mas com o nível das atrações que eles têm confirmado fica difícil não dar as caras. Quanto a isso, já me retratei em outra coluna, admiti que era um hipócrita de merda.

Não vou perder apresentações incríveis por causa da malandragem de alguns produtores culturais. Mas vou ao festival com um tremendo pé atrás, sabe...

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Para você que é fã de Pixies, Linkin Park, Kings of Leon e Incubus, além das outras atrações confirmadas, fazer o que sugere o título deste artigo pode ser uma tarefa fora de cogitação. Mas este artigo não é para você, que decidiu pelas suas bandas favoritas acima da picaretagem e da má fé dos grandes produtores de shows brasileiros, e sim para quem ainda está em dúvida.

O Woodstock inspirou festivais no hemisfério norte que até hoje carregam seu espírito: milhares de pessoas bêbadas acampando num ambiente cheio de música e integração. Não é brincadeira: em 2008 tive a sorte de ir ao Roskilde Festival, na Dinamarca, e esse segue sendo um dos melhores acontecimentos da minha vida. Assisti às maiores bandas do mundo, mas também invadi acampamentos de completos desconhecidos que me ofereceram cerveja, perambulei por quilômetros de natureza e vi algumas das pessoas mais esquisitas do mundo passando. Ou seja, mais do que alguns shows, tive uma experiência inesquecível.

Já no Brasil, o Rock in Rio de 1985 serviu para difundir o rock entre os jovens daqui – sendo considerado um dos catalisadores do BRock e sinal de que a ditadura militar estava, enfim, acabada – mas seu legado foi por outro caminho. Sem o histórico dos acampamentos e das atividades não musicais, os festivais do Pindorama acabaram seguindo a filosofia “chegar, assistir o que convém e depois tomar o caminho da roça”. Com isso, os grandes shows se tornaram meros negócios e perderam seus poucos apelos não musicais ao se tornarem cada vez mais elitistas e nojentos. Exclusividade para clientes de certos bancos, a hedionda pista VIP (mais cara e mais perto do palco), preços exorbitantes...

Neste ano, o SWU apareceu como a pior de todas essas aberrações e, se tudo der certo, será um natimorto. A proposta do festival em questão é fazer como fazem lá na Europa e nos EUA: três dias de música, direto. Só que o espírito é aquele mesmo que impera aqui no terceiro mundo.

É ridículo pensar nesse SWU como uma espécie de continuação do Woodstock, como andou sendo dito por aí. O mote da campanha do festival é a sustentabilidade e me irrita notar que produtores que se mostram tão preocupados com o meio ambiente não se importam em falir uns jovens fãs de música. Claro: o que manda é o dinheiro, tudo gira em torno dele e para curtir uns concertos bacanas e salvar o mundo, precisamos gastar os tubos.

Só que não precisa ser assim. Usemos o exemplo do festival de Roskilde mais uma vez. Todas as pessoas que trabalham nele durante seus oito dias (quatro dias de “aquecimento”, outros quatro de shows) são voluntários que recebem ingressos para o festival em troca do seu esforço. Assim, o preço da mão de obra cai e ninguém trabalha de cara feia (eu, aliás, fui ao Roskilde nesses termos).

As onipresentes causas humanitárias também são muito bem planejadas. O projeto Human to Human coleta latas de bebida pelos acampamentos e faz a troca desses recipientes vazios por dinheiro para países necessitados. No último ano, surgiu o Green Footsteps, onde os participantes do festival mostram o que têm feito pelo meio ambiente e concorrem a ingressos para o Roskilde do ano seguinte.

Tudo isso parte, acima de tudo, de uma questão cultural? Certamente. Mas isso nunca vai mudar se não nos mexermos. Boicotar o SWU e a ganância de seus produtores é mostrar que não adianta colocar umas latas de lixo recicláveis e apoiar a causa nobre da moda para mostrar que se importa com a música e com o futuro. É preciso muito mais. Por isso, menos, SWU, menos...

Sunday, August 08, 2010

Formigueiro

Todas as mulheres são vagabundas. Todos os homens são cafajestes. Toda unanimidade é burra. Todo mundo tem que sofrer um pouco na vida. Todo tatuado é um câncer na sociedade. Todos os políticos são corruptos. Todo homem mente sobre o tamanho do pau. Toda mulher finge orgasmo. Todo maconheiro é viciado. Todo mendigo é bêbado. Todo dia.

Quem cochicha o rabo espicha. Quem não cola não sai da escola. Quem não respeita os mais velhos é mal educado. Quem não respeita os mais jovens é antiquado. Quem já foi pra Paris quer voltar. Quem não gosta de viado é enrustido. Quem gosta de viado é viado. Quem cedo madruga, Deus ajuda. Quem estuda sobe na vida. Quem protesta é rebelde. Quem muito sabe, pouco diz. Quem disse?

Você precisa de um emprego. Você precisa trocar de emprego. Você precisa de uma namorada. Você precisa se conectar ao mundo. Você precisa ter modos à mesa. Você precisa ligar para seus familiares. Você precisa poupar seu dinheiro. Você precisa de um rumo na vida. Você precisa de amigos melhores. Você precisa encher seus pais de orgulho. Você entende?

A culpa é do governo. A culpa é da sua infância. A culpa é dos seus pais. A culpa é dos juros. A culpa é da sua ex-namorada. A culpa é do médico. A culpa é do professor. A culpa é do mecânico. A culpa é do islã. A culpa é da igreja. A culpa é dos judeus. A culpa é dos ateus. A culpa é do capitalismo. A culpa é do comunismo. A culpa é sua.

Sunday, August 01, 2010

De She's So Heavy a Dead Weather

Uma reflexão meio confusa. Sei lá se gosto. Saiu na tribuna dia 10 de julho.

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Se Helter Skelter, dos Beatles, foi o primeiro heavy metal da história, então os Fab Four eram tão geniais que foram capazes de, um ano depois, compor a primeira faixa de uma de suas vertentes. I Want You (She’s So Heavy) é a canção inaugural do stoner rock. Você pode ou não conhecer o gênero, mas não custa explicar.

O stoner surgiu oficialmente lá pelo final dos anos 80, mas seu coração bate no mesmo ritmo que batia o do Black Sabbath, o do heavy blues do fim dos anos 60 e do hard rock da década seguinte – tipo Blue Cheer, Grand Funk Railroad, Budgie, Uriah Heep, Dust… Ou seja, caras machos e barbados que gostam de motos e cerveja. O som é pesado, sincopado, mas também tem o alívio de teclados psicodélicos e viagens instrumentais fortes. Claro: stoner em inglês significa drogado, viajandão.

O movimento cresceu no deserto da Califórnia e o Kyuss permanece como seu maior expoente. Mas suas ondas não se mantiveram estáticas e a expressão do stoner – talvez tenha a ver com a costa oeste americana – chegou até o estado de Washington. Soundgarden e Melvins, embora não sejam frequentemente enquadrados no gênero, sempre se utilizaram dos riffs como forma de comunicação. Não é segredo para ninguém, também, que Dave Grohl acabou ficando amigo de Josh Homme quando ambos ainda tocavam no Nirvana e no Kyuss, respectivamente.

A coisa engrenou e hoje em dia pipocam bandas do estilo por todo o mundo. A maioria delas nenhum de nós jamais ouviu falar. São bandecas que emulam aquele som cheio de riffs dos grupos citados no parágrafo anterior e não apresentam nada de novo. E como isto aqui é uma coluna opinativa, vou me reservar o direito de discordar do senso comum e dizer que o stoner rock não tem nada a ver com isso.

E sabe por quê? Porque o legado de um estilo musical reside muito mais no seu conteúdo, digamos, filosófico do que no seu som. Para fechar Welcome to the Sky Valley, terceiro disco do Kyuss, há uma música-tiração-de-sarro no estilo The Doors com um pedido singelo por sexo oral. Isso logo depois da tensa Whitewater. Da mesma forma, uma letra como Paranoid, do Black Sabbath, não deve ser levada totalmente a sério, apesar do choque que foi a parte instrumental da canção na sua época.

Entendeu? O legado do stoner é a ironia, o alívio cômico, o inusitado, o contraditório. Essa constatação em si já encontra um paradoxo interessante: caipiras manguaçados do deserto da Califórnia ou do interior da Inglaterra com sensibilidade suficiente para tirar um sarro da própria cara. É por aí que associo I Want You (She’s So Heavy) à estética institucionalizada pelo Kyuss. Em 1968, Os Beatles estavam totalmente pirados nas tecnologias de estúdio e nas mais belas harmonias já inventadas pelo homem. John Lennon, então, resolveu fazer uma música que fosse o extremo oposto de tudo isso: She’s So Heavy é arrastada, repetitiva, sua letra é mínima (são só 14 palavras), o refrão é dissonante, a ordem dos versos é imprevisível e o final é brusco.
Esse espírito contrariador e quase sarcástico vem da própria origem do rock and roll. Por isso, encaixar manifestações tão básicas (e tradicionais) dentro de um só estilo chega a resvalar no “forçar a barra”. Mas por outro lado, se nos detivermos em riffs e paisagens áridas, limitaremos o stoner assim como, no passado, limitamos o metal, abrindo precedentes para a chegada de lixo atrás de lixo.

E isso meio que já vem acontecendo. Mais recentemente, o Dead Weather é um dos únicos conjuntos que me dão vontade de encher a boca para dizer que são stoner. A banda conta com Jack White na bateria e tem a femme fatale Alison Mosshart nos vocais. Variando entre hardcore eletrônico e blues, eles te agridem sem parar. Mas agridem de uma forma que te faz querer mais, te transformam num masoquista imediato. Na essência, não era isso que o Kyuss tentava fazer – só que sem a presença fácil de uma gostosona cantando – há 15, 20 anos?

No fim, a lição que fica é simples. Quem entendeu o rock ilógico e chapado dos pioneiros do stoner não tenta copiar sua estética sonora. O grande lance é confundir os outros e surpreender a si mesmo. Mais ou menos como fizeram os Beatles, inusitadamente, a primeira boy band da história.

 
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