Thursday, April 24, 2008

It's A New Year And I'm Glad To Be Here

Dizem por aí que no Brasil, o ano só começa de fato depois do Carnaval. Brasileiro que sou, é coerente dizer que, em 2008, longe de minha pátria, o show do Queens of the Stone Age representou o carnaval pra mim. Coincidência ou não, me senti muito mais inspirado após aquele fatídico 24 de fevereiro. Pode também ter sido o raio de sol, que voltou a incidir sobre as terras nórdicas, ou pode ter sido uma combinação dos dois. Seja como for, nos últimos dois meses meus olhos finalmente se abriram pra música deste ano. Compondo ou ouvindo, recentemente cresceu e amaduresceu em mim uma sensação de satisfação e até mesmo orgulho por estar vivendo nesta época, em que as milhares de referências que ajuntamos por todos esses milhares de anos de existência humana finalmente estão sendo costuradas, estofadas e embrulhadas numa embalagem bonita.

É verdade que este blog foi impiedosamente abandonado, mas isso não significa que minha inspiração acabou. Tudo o que eu escrevia antes tem sido expressado pelos recitais de violão e músicas próprias que eu toco para platéias inexistentes, fechado no meu quarto. É assim que é legal, por mais pueril que soe. A família que me hospeda por aqui odeia, acha muito alto. Azar deles.

Também tenho escutado música nova, muita música nova que me inspira e sussurra no meu ouvido que ainda vale a pena e que a nossa época não deve em nada para as épocas anteriores. Como dito antes, eles criaram, mas nós somos quem está colocando tudo junto no pacote, e esse trabalho não deve ser desprezado ou diminuído.

Um dos discos que mais me inspira neste momento é ainda de 2007, no entanto. Recomendado por um amigo, We Sing of Only Blood or Love, de Dax Riggs (Deadboy & Elephantmen, Acid Bath) soa de um jeito que eu, cof cof, gosto. Hard Rock encontra-se com folk e um cheiro não definido (embora presente) de anos 90 e tudo isso junta-se à voz de Dax. Puta voz, se quer saber. Tudo o que a voz de Chris Cornell poderia ter sido. É potente, atormentada e alcança os agudos necessários. Porém, em seu estado normal (fiquei quinze minutos pensando numa palavra melhor e não deu, mal aí), tem a consistência e timbre que o ex Soundgarden e Audioslave nunca conseguiu alcançar em seus terríveis discos solo.

Foi no post sobre os melhores discos de 2007 que falei que é quase uma regra que Mark Lanegan figure entre os melhores do ano? Pois é, em 2008, pelo visto, não será diferente. O mais interessante de tudo isso é que o cara só precisa chegar lá, pegar o microfone e cantar o que quer que seja e sua voz sempre vai encaixar perfeitamente. Desta vez, dois petardos. O rock gótico e profundo do Gutter Twins ou o folk delicado da sua segunda colaboração com Isobel Campbell, fica à sua escolha. Em um, junta forças com Greg Dulli num casamento perfeito e cinzento de duas vozes lendárias dos anos 90. No outro, torna sombrias as músicas doces de Isobel, mas também é afetado pela atmosfera pastoral e, quase paradoxalmente, sexy das composições. Tem quem fale que ele é Deus. Não sou eu que vou negar.

O que eu mais tenho gostado deste ano é que os melhores discos vêm de onde menos espero. Quer dizer, não há muitoo que esperar, minhas bandas atuais preferidas lançaram seus discos novos no ano passado (quer dizer, eu gosto muito de Alice in Chains e AC/DC mas discos novos desses caras são mais atentados do que qualquer outra coisa). Então, já que falamos em vozes marcantes, imagine qual foi minha surpresa ao ouvir o novo do Gnarls Barkley. Seis meses atrás, se você me dissesse que eu ia gostar de uma banda enraizada, apesar de todas as outras incontáveis influências, no hip hop, receberia negação e, talvez escárnio. Heh, vivendo e aprendendo. The Odd Couple é uma pequena obra-prima. A produção e arranjos de Danger Mouse Burton surpreendem qualquer um que ainda duvidava da capacidade do homem que mixou Beatles e Jay-Z e a voz soul de Cee-Lo orgulharia Marvin Gaye. É um álbum sujo, paranóico, técnologico e genial, cravado no soul, no funk, na psicodelia e em batidas eletrônicas e hip hop. Não importa quantas vezes ouça, continuo sentindo calafrios em Would-Be Killer, no momento em que o canto de Cee-Lo se transforma no som de uma serra daquele tipo em que o Lula deve ter perdido o dedo. Tão perigoso quanto.

Quem tem executado com mais paixão e eficiência o trabalho de amarrar as referências antigas num embrulho com laço bonito, no entanto, têm sido mesmo as bandas mais novas. Apesar da salada cultural que é o som do Gnarls Barkley, e da versatilidade de Dax Riggs e Mark Lanegan, nenhum deles chega perto do Apes and Androids, por exemplo, em matéria de busca a diferentes fontes de inspiração. Sem forçar, em 18 músicas, seu disco Blood Moon passeia entre indie rock, eletropop, synth pop, rock progressivo, música eletrônica, pop, rock básico, pop rock, new romantic e ainda algumas pitadas de folk e hip hop. As duas outras bandas que formam a trinca de boas revelações do ano até aqui, MGMT e Yeasayer, também misturam muito. A primeira coloca música eletrônica e glam espacial no liquidificador, enquanto a segunda se diverte com influências de música africana, post rock e corais hippies. Ainda há Vampire Weekend, Hercules and Love Affair, Yoav e mesmo os brasileiros do Turbo Trio, do já veterano BNegão, todas multi facetadas, mas soando tão frescas, tão novas.

Tudo isso prova que em 2008, não é mais pecado nem audácia misturar tanto e ser tão iconoclasta. As bandas grandes e estabelecidas aprenderam a usar a internet, os novatos aprenderam a lidar com as vozes do passado e criam cada vez coisas mais originais e inclassificáveis, enquanto o consumidor está cada vez mais blindado a preconceitos e restrições. A internet nos devolveu a compreensão dos hippies e a anarquia dos punks e nós estamos numa era atemporal, em que 1973 está tão distante de nós quanto 2006. Se não fores muito rabugento ou saudosista, caro leitor, entendes o quanto isso é empolgante.

 
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