Sunday, October 10, 2010

Dave Matthews e Sua Banda de Mangá

Durante o feriado, enquanto espero pelo Grande Dia, resolvi reler meus mangás de Dragon Ball, que estão aqui na casa da minha mãe. Não sei dizer se Dragon Ball seguiu alguma coisa já existente ou se é o começo de tudo, mas definitivamente sua narrativa - tanto o ritmo quanto os clichês, que estão todos ali – segue o padrão clássico de quadrinhos da revista japonesa Shonen Jump.

Esse tipo de forma de contar uma história e agregar valor a seus personagens é uma coisa tipicamente japonesa. É um lugar comum que nem as novelas por aqui. Mas qualquer um que já tenha lido os quadrinhos ou assistido a desenhos como Naruto, Yuyu Hakusho e Cavaleiros do Zodíaco percebe um padrão.

Mais ou menos assim, geralmente há um personagem principal com características marcantes, alguma excentricidade e personalidade de líder. Conforme a história avança, o herói vai encontrando pessoas em diversas situações inusitadas, que geralmente só acontecem por causa de uma aventura ou por causa de uma busca. Um caso clássico e que ultrapassou as barreiras do interesse por quadrinhos e cultura japonesa é o de Pokémon. Na trama, Ash Ketchum vai conhecendo companheiros e antagonistas, cada um representando um tipo de pessoa no universo em que o mangá acontece. Seus pokémons meio que refletem ou completam suas personalidades e têm suas características peculiares também.

Nunca li um quadrinho sobre uma banda, mas acredito que se existir um e ele tiver esse ritmo de “busca” ou “aventura”, pode ser facilmente imaginado. Visualizo um vocalista-líder percebendo que só conseguirá tocar suas músicas da forma que elas devem ser tocadas se encontrar a banda perfeita. Para isso, ele embarca numa jornada pelo planeta atrás dos melhores músicos. O clichê indica que o percussionista seria um africano, que encarnou o espírito de Fela Kuti, o naipe de metais seria formados por músicos durões de New Orleans, etc etc etc. Chamo atenção para o hipotético guitarrista, um cara meio excêntrico e sombrio. Haveria também um músico extremamente leal e o “garoto”, aquele músico jovem e talentoso, mas ainda meio imaturo e a gente pode continuar nessa por horas.

Esse grupo dos mangás existe e tem nome: Dave Matthews Band. A incrível jornada do carismático Dave o levou a montar a banda “de músico” mais bem sucedida da nossa geração. Com seus poderes, os integrantes da orquestra tentam mudar o mundo através da música, sempre com muita personalidade e carisma. Durante sua turnê pelo mundo, Dave e sua turma encontram inimigos ardilosos, rivais honoráveis e aliados preciosos.

Ou quase isso. Sempre reservei um certo desprezo pela Dave Matthews Band sem saber por quê. Quer dizer, é uma puta música de bicha, de casalzinho em lua de mel e de casalzinho bicha em lua de mel. Normalmente ignoro esse tipo de caso, torcendo só para que apertem pause o mais rápido possível, mas desde o começo considerei silenciosamente o DMB a grande mancha negra no cast do SWU, pior que Jota Quest e Capital Inicial, muito pior do que Linkin Park, talvez só um pouco menos aceitável do que a hedionda Avenged Sevenfold. A birra foi se explicar só hoje há pouco, quando assisti à transmissão do seu show pela TV.

O grande problema é cada integrante parecer um personagem, um bravo guerreiro da música ocidental, guiado pelo seu líder cheio de empatia. Cada um desses músicos parece um boneco colecionável, com seu cabelo peculiar e sua técnica apurada. Quer dizer, chega um ponto em Dragon Ball em que os poderes dos personagens mais importantes é tanto que destruir o mundo é parte da rotina, é só mais um hematoma numa luta que vai para níveis não-terrenos. E os rapazes continuam super descolados!

A Dave Matthews Band esbarra nisso. A técnica de cada Davezette é tanta que nenhuma música parece complicada o suficiente. Mesmo assim, eles recusam a “tarefa” de tocar música erudita ou “punheta” que seu “ dom” impõe. Continuam fazendo música pop, vendável, sexy, compulsiva, sempre com um sorriso brilhoso. Tem o baterista rasta de camisa de time de futebol americano, o guitarrista com óculos vermelhos extravagantes e muitas caras e bocas durante o solo, o violinista com roupa de rapper e cabeleireiro do Djavan...

Todos eles aliens de diferentes planetas que nunca interagiriam se não fosse o carisma conciliador do Grande Dave. Eles parecem como Kuririn e Piccolo em Dragon Ball, Brock e Misty em Pokémon, Yahiko e Sanosuke em Samurai X (para ficarmos nos mais populares) e mais uma infinidade de personagens sem nada em comum de uma infinidade de mangás que nunca lemos.

Já passei da fase dos mangás. Com 14 anos, aquelas histórias pareciam geniais e originais, mas hoje em dia, consigo encontrar todas as repetições que eles trazem. Seja como for, ainda curto dar uma relida neles de vez em quando. O que não curto de jeito nenhum é ver esse tipo de narrativa parecer se repetir na música. Ainda mais sendo o personagem principal o boa-praça -coração-de-ouro Dave Matthews. A música pop só existe por causa dos anti-heróis.

Friday, October 08, 2010

Podreira na Danceteria

Último texto a sair pela Tribuna de Indaiá. É diretamente relacionado a este post aqui, que saiu também pelo jornal (mas acabou saindo antes no blog), mas contemporiza um pouco a coisa, ou seja, fala de discos atuais. Quer dizer, isso tudo a meu ver. Vai ter gente que acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Particularmente, tanto faz. O que os une é o fato de eu gostar bastante de ambos.

Agora, antes do texto, momento featured post. Segunda-feira tem QotSA aqui na República do Abacaxi Cortadinho e se você também vai lá idolatrar a rapazeadinha, recomendo ler este relato sobre o primeiro show que vi dos caras pra aquecer. Dependendo da qualidade da apresentação, tento fazer um texto legal sobre o SWU.

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Na semana passada, tentei mostrar um cenário caipira dos Estados Unidos que não se move em torno da música country necessariamente. Existe uma América caidaça que está atrelada a valores como nostalgia doentia, gel de cabelo, ternos baratos e covers de Elvis. Uma coisa bem de filme, mesmo. E ninguém representa melhor esse clima de fim de festa hoje em dia do que Dax Riggs e Grinderman.

Antes de prosseguir, acho que devo um parágrafo de explicação. O que a caipirada norte-americana tem a ver com a Tribuna de Indaiá? Tenho dois argumentos – além do simples fato de ser um assunto que me interessa. Toda a cultura mundial é influenciada pela ianque e fica impossível se desvencilhar dela, fazendo parte disso a reflexão acerca de seus símbolos, que já são quase nossos. Depois, se já engolfamos a cultura dominante (imperialistas! Yankees go home!), analisar seus meandros também é auto-análise.

Legal. Agora aos personagens principais. Você nunca ouviu falar de Dax Riggs, tenho certeza. Também, ele nunca participou de uma banda relevante que fosse e nunca emplacou um só hit. Riggs é um expoente de uma forte cena independente do hemisfério norte que se paga sem precisar de grandes investimentos e cujos shows passam por todo o seu território (mais ou menos o que o Fora do Eixo quer fazer aqui no Florão da América). Nos anos 90, ganhou alguma notoriedade enquanto tocava na banda de metal sujo – e essa é a única definição cabível – Acid Bath. Depois aventurou-se por projetos menos pesados, mas tão doentes quanto: Agents of Oblivion e Deadboy & The Elephantmen.

Mas Dax Riggs chegou a mim através de seu primeiro trabalho solo, We Sing of Only Blood Or Love, de 2007. Com músicas intituladas maravilhosamente como Demon Tied to a Chair in My Brain (“Demônio Amarrado a Uma Cadeira no Meu Cérebro”), ele é o tipo de artista que só chegaria aos nossos ouvidos por causa da internet. E, cantando sobre sangue e amor, sempre me passou uma idéia de hippie cocainado de alguma periferia cultural do sul dos Estados Unidos. Quase isso: Riggs é de Nova Orleans, um dos locais mais fantásticos e ricos do mundo quando se trata de ecossistemas artísticos. Ainda assim, ele está à margem, como alguém fazendo música eletrônica minimalista num rincão gaúcho.

Acontece que em Say Goodnight To The World, seu novo disco, o cantor se afasta da imagem de hippie acelerado e pé sujo e se aprochega a uma nova persona, uma espécie de cantor de churrascaria podreira, com a gravata borboleta folgada. Tipo a banda da festa de formatura que espera que todos dancem, mas é simplesmente sombria e tristonha demais para isso. Dax Riggs é sombrio o suficiente para dar sentido à comparação e tudo isso está explicitado já nos títulos de suas canções: Gravedirt On My Blue Suede Shoes, por exemplo. Musicalmente, como que provando toda esta ladainha, no novo disco destacam-se You Were Born to Be My Gallows e a versão enfastiada de Heartbreak Hotel.

Já Grinderman é o braço de rock de garagem de Nick Cave and the Bad Seeds. Nick Cave é um dos poucos heróis dos anos 80 que mantiveram seus colhões e sempre fez música folk iluminada por esferas espelhadas de danceteria. Daí, em 2007, junto com boa parte dos Bad Seeds, ele virou para o outro lado, disposto a estourar alguns tímpanos, e deu à luz o Grinderman. Perfeito. Assisti a um show do grupo em 2008 e vale destacar como o frontman funciona no palco. A primeira coisa que você repara em Cave é seu bigode indecente, desafiador até, tipo Josh Brolin em Onde os Fracos Não Tem Vez. Ele olha para a platéia com os olhos esbugalhados e pronuncia palavras repetidamente, em intervalos cada vez mais perturbadores. Na verdade, trata-se de um tio já meio careca com uma aparência que oscila entre diretor de escola, psicopata sexual e estrela do rock.

O primeiro álbum do Grinderman é simplesmente incrível. Suas letras mostram que o australiano Nick Cave entende essa América podreira como poucos. Das descrições minuciosas de como ele tentou e não conseguiu uma transa (em No Pussy Blues) até às bravatas de patriarca decadente (Go Tell The Women), todo o ambiente do disco é minuciosamente moldado dentro de um lugar com drive-ins, caminhões de sorvete e serial killers à espreita.

Em Grinderman 2, que sai em outubro (na internet já foi “saído”), a idéia continua. A diferença é que o descontrole emocional e a ironia aprendem a conviver com uma psicodelia quase tântrica em alguns momentos (especialmente o final de When My Baby Comes). É como uma sessão de hipnose no meio do baile da igreja. E é um discaço também. Desde já, um dos melhores do ano.

 
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