Tuesday, April 05, 2011

O Dia que Mike Skinner Virou Ned Flanders

Durante o começo dos anos 2000, Mike Skinner era o melhor amigo que um garoto de 17 a 23 anos poderia ter. Seu projeto/pseudônimo/extensão de personalidade The Streets falava sobre tomar toco das minas, o eterno conflito entre as substâncias lícitas e ilícitas, sair de noite com os amigos, começar um namoro, porres e festas memoráveis e tudo mais. E além de todos esses temas adequados à molecada da nossa idade, ele também nos entendia.

Sem soar piegas ou professoral, dava verdadeiras lições de vida, mesmo que seu primeiro álbum, Original Pirate Material, tenha sido feito quando Skinner tinha 23, 24 anos. Empty Cans, última música do álbum seguinte, A Grand Don’t Come For Free, é a melhor de todas nesse sentido (e merece um ou dois parágrafos só pra ela).

Na canção de 8 minutos dividida em duas partes, o ponto em comum é o mesmo beat. É bom lembrar que se trata de um álbum conceitual e quando chegamos nessa faixa, o personagem principal já se fodeu legal. Daí Skinner começa a primeira parte da canção, pessimista, dizendo que ninguém se importa com ele e por isso está agindo mal. Toda a sonorização dessa primeira metade é árida, irritada, e os beats vão pelo mesmo caminho: ódio e resignação sangram pelos falantes. Depois, a música muda. O mesmo beat recomeça, mas, diante de uma visão de mundo mais otimista, ele ganha ares de motivação, te leva para frente.

Este cara...
 A batida representa os problemas da vida e Mike prova que nossa abordagem diante deles é o mais determinante, sempre. Um amigo meu, fã número um do cara, ouviu com atenção e saiu da merda. Ele já me afirmou categoricamente que The Streets salvou sua vida.

Em 2006 foi lançado The Hardest Way to Make an Easy Living, onde Skinner chora as pitangas de ser famoso. Estaria Mike se distanciando de nós? De certa forma, sim. Mas quem dos nossos resistiria à tentação de reclamar da champanhe, premiações da MTV e do dinheiro? Skinner é da galera e é igualzinho à gente: um moleque reclamão. E mesmo assim a linguagem continua próxima da garotada. Ele reclama, por exemplo, como é difícil pegar uma mina famosa quando ficou tão fácil descolar uma metidinha com uma anônima. Mais moleque impossível.

Everything is Borrowed, de 2008, é mais complexo. As letras voltam a ser motivacionais, mas talvez motivacionais demais. Mike perdeu sua juventude, seus beats estão cada vez mais sofisticados e os conselhos começam a tomar aquele tom professoral. Contudo, mesmo que tenha mudado (queria mesmo escrever “perdido”, mas os puritanos da música me empalariam) seu estilo, algumas das músicas são simplesmente... lindas. A faixa-título, por exemplo, tem uma bela melodia e diz: “Eu vim para o mundo sem nada e irei embora sem nada além do amor. Todo o resto só está emprestado”. Mesmo um pivete beberrão pode encontrar beleza nisso aí num momento extremamente otimista.

Mas mesmo que ainda interpretasse o papel de válvula de escape com maestria, Skinner deixava claro, pelo menos para o bom entendedor, de que havia mudado para sempre. Faixas terríveis como You’re The Strongest Person I Know não deixavam dúvida de que ele está agora numa fase da vida em que um elogio bom para uma mulher é dizer que ela é “forte” e não uma “gostosa que está ligada disso”. Não me leve a mal: sou meio idoso no espírito e acho que mulheres fortes e independentes e tudo o mais são incríveis. Eu amo todas elas e odeio todas as menininhas imaturas, sem brincadeira. Mas não é isso que a gente quer ouvir quando aperta play num disco do Streets. Muito menos se for uma música tão ruim, tão piegas, tão mal cantada, que não se justifica como faz Everything is Borrowed.

Veio o Twitter e, como toda boa celebridade quase-velha, Skinner pirou. Não parava de postar todo tipo de mensagem, foto e música. Sim, várias músicas! Durante essa fase tuiteira, ele provou como é um produtor prolífico. E nos brindou com pelo uma grande canção, dona de uma ironia típica do velho Streets: He’s Behind You, He’s Got Swine Flu. Exatamente, ele foi capaz de fazer uma música (e um vídeo!) sobre o vírus H1N1 poucos dias depois do pânico se instalar na nossa sociedade maravilhosamente hipocondríaca. Lembra que chegaram até a dizer que os vitimados com a gripe suína poderiam virar zumbis? A resposta de Mike foi taxativa: “faça um sacrifício pela sociedade; decapite seu amigo”.

Promissor, não é?

Tão promissor que quando Computers and Blues saiu no começo deste ano, me pegou de calças curtas. Pior, me pegou de shortinho de lycra e polainas. Ainda estou tentando entender como é que a ruindade do álbum me foi tão surpreendente. Porque se você parar para pensar, do jeito que as coisas vinham vindo, Computers and Blues só podia ser como é.

E como ele é? Piegas e professoral. Cheio dos truquezinhos de produção e refrões soulzísticos de fazer corar os piores one hit wonders de dance music dos anos 90. E Mike, que nunca foi de fato um bom MC (mas compensava com fúria e ironia), agora praticamente recita suas letras sobre esses temas sonoros insuportáveis. Mais ou menos como Pedro Bial fez naquele seu projeto do Filtro Solar.

Mas é a outra celebridade televisiva que mais associo Skinner hoje em dia. Ele é bom, compreensivo, amoroso e justo assim como Ned Flanders. Sua forma de lidar com seus problemas é idêntica à do eterno personagem da segunda parte de Empty Cans. Mas Empty Cans não é bela apenas pela melodia de sua metade otimista. A principal virtude da música é misturar indignação e ternura na mesma medida, assim como todos nós.

Mike Skinner perdeu suas forças porque se tornou um personagem secundário de série de TV. Se ao menos ele soubesse que os heróis só são o que são por causa de seus defeitos...

..virou este cara.

 
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