Tuesday, November 20, 2007

Eddie Vedder - Into the Wild (Ou Como o Vocalista do Pearl Jam Recuperou Seus Colhões)

Há algum tempo, eu escrevi atacando Eddie Vedder e a malemolência que vem acometendo o Pearl Jam pós-Riot Act. Eram dois textos, e vamos dizer que acertei num ponto e errei em outro, ambos essenciais. Errei ao dizer que Eddie Vedder estava acabado e enterrado, mas acertei ao questionar o motivo dele não fazer um álbum solo. Na verdade, se eu tivesse algum dia encontrado-o, a primeira coisa que perguntaria a ele seria por que ele nunca fez um disco solo. Porque o Pearl Jam é uma banda super harmoniosa e respeitosa na relação intra-membros e etecétera, mas ainda assim, não é a expressão 100% pessoal do artista.

Passou um tempo e Eddie, sempre solícito, aceitou fazer a trilha sonora de um filme de seu amigo de longa data, Sean Penn. Into the Wild conta a história de Chris McCandless, um rapaz que desistiu da vida comum e confortável num subúrbio americano para se enfurnar numa paisagem erma no Alaska. Talvez Penn tenha escolhido Vedder justamente porque, há algum tempo, ele e seu Pearl Jam ameaçaram, de forma simbólica, fazer o mesmo que nosso protagonista. E Eddie talvez tenha aceitado porque, apesar de sempre ter flertado com essa deserção da sociedade, nunca teve coragem de fato para fazer o que fez McCandless.

E não estou aqui chamando Eddie Vedder de covarde. Muito provavelmente, se esconder num bloco de gelo não é a decisão mais sensata e corajosa a se tomar. Mas é instigante pensar numa pessoa que tomou uma decisão tão insólita e impetuosa e se colocar ali, mesmo que apenas no campo do pensamento. E para o velho Edward, o assunto instiga especialmente. Quando ele canta uma música como Society, de Jerry Hannan, evoca, de forma ambígua, Into the Wild, sim, mas também a si próprio, onze anos atrás. Em 1996, quando Sometimes tocou pela primeira vez na primeira audição de No Code em algum lugar, o Pearl Jam abnegava de vez o grunge, com um mergulho dentro do “eu”, solipsista na definição. Isso inspirou fascinação - e algum rancor - em milhares (milhões?), mas não mais do que no próprio Vedder, que, a cada album, explora de novo a retórica “E como seria viver isolado?” Representando sempre “o lado do bem”, ele já se aventurou também pelo “lado do mal”, em Soon Forget, a história do homem ganancioso escondido do mundo por causa do seu dinheiro. Mas percebe como o isolamento é recorrente, mesmo visto de outro prisma?

Into the Wild como tema foi, portanto, a chance perfeita para Eddie colocar pra fora seus pensamentos sobre isso sem parecer um cara de meia idade dizendo que quer deixar tudo pra trás e está muito tristonho e frustrado. Quer dizer, o cara tem mulher, filha, casa, carro, comida, roupa lavada, a cervejinha de sexta-feira e amigos famosos. Seria patético (e é, se você se força a pensar assim) cantar essas músicas de um modo pessoal. Mas é tentador para ele, porque está fascinado com isso.

Musicalmente, o disco é bom. Passa um clima de desolamento e de introspecção que funciona demais com a idéia de um sujeito indo pro Alaska, longe de tudo. Ele termina de se firmar como o melhor compositor de melodias da sua geração. No Ceiling é um grande momento do álbum, viajante, mas curta e precisa em seus noventa e pouco segundos. Hard Sun, algo próximo da primeira, arre, faixa de trabalho, também é boa música. O refrão, endossado pela vocalista do Sleater-Kinney Corin Tucker, é saudável, ensolarado, hippie, tipo a trilha sonora perfeita do “vamos partilhar a lentilha e o cortador de unhas”.

Há alguns momentos ruins, sim. The Wolf é a faixa mais desnecessária de Vedder desde Arc. Aliás, é como uma cópia de Arc, aquela música sombria, esquisita, com nove berros representando e relembrando as vítimas do festival de Roskilde de 2000 (particularmente, acho Love Boat Captain uma homenagem bem melhor). Mas o desespero e os berros comuns entre as duas se relacionam no momento em que a renúncia do convívio chega à renúncia da vida. Com o perdão do spoiler, no fim de Into the Wild, Chris McCandless morre.

Então, se correlacionarmos a exclusão da sociedade com a morte (e no fragilizado mainstream atual, desaparecimento significa morte, sim), The Wolf torna-se mais do que uma música dispensável. Talvez seja o momento em que Eddie chega mais perto de ser Chris, um virando o alter-ego do outro. A música continua sendo chata, mas ganha um sentido. Passa.

A pura verdade é que Into the Wild representa a volta de Eddie Vedder à introspecção como tema central de um álbum seu, e também representa a continuidade de seus colhões, artísticamente falando. E é por isso que a trilha pode ser considerada bem-sucedida: dá o clima perfeito pra história e também coloca o artista dentro dela. É uma relação de simbiose, mas no fundo eu acho que quem se deu melhor nessa foi o próprio Vedder.

Tuesday, November 13, 2007

Células Intumescidas

Ultimamente tenho sentido uma raiva incontrolável. Nem raiva, aliás, a raiva é consequência de alguma coisa. A verdade é que, pela primeira vez na vida, me sinto como um daqueles garotos americanos que aparecem um dia com uma uzi e matam meio colégio. Não que eu vá fazer isso, mas eu começo a entender um Jeremy da vida. Claro que meu problema é induzido por mim mesmo, vem de eu não ter meus amigos e família por perto, por estar num outro país, tendo um ano pra recomeçar e conquistar qualquer coisa. Um cotidiano. Mas eu rebato essa indiferença, essa falta de confiança e esse incômodo que os outros parecem sentir em relação a mim com agressividade. Com palavras brutas, ironia, sarcasmo. E quando essas coisas são ainda mais mal interpretadas, eu preciso de uma nova injeção de ódio pra combater. Uma bola de neve.

O que é que eu faço então? Minhas sensações são amplamente estimuladas por essa animalidade febril que eu demonstro. E é incrivelmente delicioso. Talvez eu seja um psicopata, mas toda essa confusão, todo esse ódio me deixam como uma criança descobrindo o mundo, os cinco sentidos. Todo frio, dor, embaraço, felicidade, surpresa, sabor, conhecimento parecem intumescer minhas células, me fazer maior, melhor.

É inacreditável o quanto eu estou mais corajoso, o quanto eu quero cada vez mais e mais experimentar coisas novas, e ao mesmo tempo buscar um meio de sair dessa situação desagradável de não ter nada nem ninguém.

E isso tem trilha sonora, ainda. Estou atrás de tudo que eu puder escutar de novo, desenvolvi uma obsessão doentia com uma lista de melhores de 2007. Como se eu realmente tivesse que fazer isso, e virou uma questão de honra. Mas é claro que é só uma desculpa das minhas entranhas pra ouvir mais, e mais, e fazer mais videoclipes na minha cabeça enquanto escuto música no ônibus (hoje de manhã foi Radiohead). Me dê Sigur Rós, me dê Pelican, me dê Foo Fighters, Bruce Springsteen, Devendra Banhart, Explosions in the Sky, Gogol Bordello, me dê até Velvet Revolver. Quero mais.

 
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