Tuesday, September 28, 2010

White x Homme

E minha colaboração na Tribuna de Indaiá não existe mais. Vou postando os últimos textos, mas é capaz que o blog dê uma morrida de novo. Chato...

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Se nossa época não está apinhada de guitarristas lendários, pelo menos fica mais fácil de identificar quem são os mais emblemáticos. Na minha opinião, é difícil encontrar um representante maior das Seis Cordas de Rock do que Jack White e Joshua Homme. E, em seus respctivos cubículos, reinam absolutos, sem concorrência – nem entre si.

Primeiro vamos aos fatos: tanto White quanto Homme conseguiram, ao longo dos anos, modernizar tudo aquilo que fizeram os pioneiros do rock – tanto aqueles do meio dos anos 50 quanto os que infernizaram o mundo entre o fim da década de 60 e o começo da de 70. Baseados em formas de comunicação mui peculiares, construíram verdadeiros impérios de junk food musical. Mas junk food daquela rede que faz o sanduíche na hora e que o bacon é crocante de verdade.

E que formas de comunicação são essas? Da parte de White é a urgência desesperada contida em dedos ágeis que respondem a um cérebro acostumado a ritmos frenéticos dos grupos de garagem dos anos 60. Sua primeira banda, o White Stripes, parecia uma resposta muito mais selvagem à inconsequência playboy dos Strokes. Petulantes a ponto de dispensarem o baixo de suas músicas, Jack e Meg White pareciam dois extra-terrestres vestidos com roupa espacial bicolor vindos direto de um filme B de ficção científica dos anos 70.

Já Homme aprendeu a tocar guitarra com os discos metaleiros mais sujos dos lugares mais áridos do planeta. Como integrante do Kyuss, fez parte de uma das maiores bandas de metal cult dos anos 90 e, com seus riffs chapados e cheios de reverb, ajudou a criar o stoner rock. Depois de mais umas boas orelhadas nas realizações mais piradas de David Bowie, Brian Eno e Phil Spector, aprendeu a usar o estúdio como poucos hoje em dia. Seu trabalho no Queens of the Stone Age é um mar de overdubs (gravações por cima de outras), instrumentos diversos, segundas, terceiras, quartas e quintas vozes.

Depois disso, munidos de suas respectivas personalidades (explosiva e irônica, na ordem), montaram linhas de produção dignas de inveja. White ganhou ainda mais notoriedade com os Raconteurs, sua gravadora Third Man Records – que, além de revelar artistas novos, vai lançar o novo álbum da lendária Wanda Jackson – e sua participação no filme A Todo Volume, ao lado de Jimmy Page e The Edge. O filme, aliás, definiu White como o principal herdeiro da guitarra, como aquele que vai levar a originalidade adiante num mundo cada vez mais monótono.

Mas ele não está sozinho. Porque Homme, mais do que se lançar como a salvação do rock, foi capaz de transformar sua banda numa espécie de Sol, exercendo atração em diversos outros artistas, que gravitam como planetas à sua volta. Exemplos não faltam: Eagles of Death Metal, Them Crooked Vultures (onde Homme tem a audácia de comandar John Paul Jones), Mondo Generator, além de participações incontáveis, de Foo Fighters à banda de metal Mastodon, todas com sua marca registrada.

Mas tudo isso para dizer que cheguei à conclusão de que Jack White deu um passo à frente. Talvez uma medida definitiva. E esse passo tem nome: The Dead Weather. Que consiste em todo aquele blues rock agudo e meio inconfundível que ele vem fazendo já alguns anos finalmente unido a técnicas de estúdio avançadas. Como Homme já fez no Eagles of Death Metal, White assume a bateria, mas não deixa de lado as guitarras. Há solos ali que são seus, que carregam seu espírito, por mais que a banda fuja de seus trabalhos anteriores.

Jack White é, antes de mais nada, o guitarrista mais arrogante e presunçoso da nossa geração. E também um reciclador como poucos. Mas conseguiu enterrar suas digitais em cada compasso de cada música que trabalhou desde 1998. Quando finalmente entendeu a lógica de sua contraparte (ou sua “contralógica”), criou seu melhor projeto até o momento. Partindo da tese de que encontrar um consenso entre duas tendências distintas é se fortalecer, afirmo sem medo: The Dead Weather é o futuro do rock.

Sunday, September 19, 2010

Lester Bangs

A característica mais fascinante de Lester Bangs, e a que o fez famoso, era sua paixão pelo ato de escrever sobre música. Mais do que escutar, mais do que apreciar, ele era capaz de transformar uma resenha numa obra tão completa e intrigante quanto o álbum em questão. É notável o caso de Astral Weeks, de Van Morrison, cuja fama é precedida pela excelente análise de Bangs. Nela, o jornalista se infiltra em cada aposento da mente do disco – sim, do disco – e deles tira conclusões incríveis, antes inimagináveis. Há quem diga que o texto chega a ser melhor do que a música em si.

Mas não adianta todo esse falatório se você está sem entender até agora quem foi Lester Bangs. Basicamente, foi o maior jornalista musical de todos os tempos. Um terço pelo talento, um terço pelo barulho que suas resenhas faziam e outro terço pelo estilo de vida. Como uma espécie de beatnik ou rockstar, Bangs foi bêbado, drogado e, certas vezes, até um misantropo. Suas brigas com Lou Reed, vocalista do Velvet Underground e uma das figuras mais podreira da história da música, escondiam uma admiração mútua que o músico não permitiria se não visse em Bangs um igual.

Numa época em que a crítica musical tinha importância mastodôntica por não ter concorrentes similares à internet e à MTV, os jornalistas eram vistos pelos caras das bandas como os “inimigos”. Muito provavelmente é daí que vem aquela idéia de que todo crítico é um músico frustrado. O poder dado ao redator era tanto que ele podia escrever qualquer impropério sobre qualquer artista quando bem entendesse, da forma que lhe parecesse mais insultante.

Bangs, por sua vez, era diferente. Claro, ele tinha seus momentos: descia a lenha sem dó no Led Zeppelin, por exemplo. Mas, na essência, acreditava na democratização da música e ridicularizava o mito da diva, o culto à personalidade do músico intocável, à figura do dândi iluminado que muitos roqueiros dos anos 70 acreditavam ser. Ele sabia que o músico era um trabalhador como qualquer outro, antecipando o conceito de música independente em 10 ou 15 anos. Lester Bangs também dizia que o único motivo para se forjar um herói era para jogá-lo por terra novamente. Por isso o punk e sua decadência igualitária foram sua redenção. Ele até chegou a se aventurar na música e Lester Bangs and the Delinquents, projeto em conjunto com Mickey Leigh (irmão de Joey Ramone), deu vida a um disco bem digno.

A influência de Lester é ampla. Na contracapa de seu Reações Psicóticas, editado aqui no Brasil pela Conrad e que inspirou este humilde escriba a escrever estas linhas, há até uma citação de Kurt Cobain: “Os textos dele me ajudaram a entrar em contato com pessoas como eu”. Além disso, o jornalista foi uma espécie de conselheiro do diretor Cameron Crowe (Vanilla Sky, Jerry Maguire) quando este ainda era um garoto que tentava ser crítico da Rolling Stone. Suas conversas podem ser vistas no filme Quase Famosos, onde Bangs é interpretado por Philip Seymour Hoffman.

No filme, ele mostra uma justa desconfiança em relação à Rolling Stone. Poucos anos antes brigara com seu editor Jann S. Wenner, a quem chamava de groupie disfarçado por não admitir que batessem nos artistas queridinhos da revista. Depois de sair da Rolling Stone, Bangs passou por Detroit (na revista Creem), Nova York (Village Voice) e contribuiu para Playboy, New Music Express e ainda outras. Morreu em 1982 de overdose de tranquilizantes, na mesma época em que trabalhava no seu primeiro livro não musical.

Dizem que Lester Bangs era, antes de tudo, um desperdício, já que devotou todo o seu talento somente para a música. Mas ele era cria de época em que curtir um som realmente importava e as pessoas realmente tinham algo para dizer. Isso, claro, fortalecia a crítica e permitia que tratados como a resenha de Atral Weeks tivessem significado à altura de um conto da alta literatura. Bangs fazia algo que há muito se tornou cafona, mas que talvez seja a salvação para essa pindaíba criativa que nos acomete de tempos em tempos: ele levava a cultura a sério.

Tuesday, September 07, 2010

My Way no Coração de Ohio

And now, the end is near,
And so I face the final curtain.
My friends, I'll say it clear;
I'll state my case of which I'm certain.
I've lived a life that's full -
I've travelled each and every highway.
And more, much more than this,
I did it my way.

Jerry é caminhoneiro e acaba de voltar a Ohio de uma entrega especialmente especial direto do oeste. Ou coisa parecida. Jerry sentia falta de Rosie, sua mulher. Mas sente saudades de outra Rosie. Aquela de 30 anos atrás, quando iam ao drive-in (jesus!) e aos bailes do colégio. Ou aquela Rosie de 20 anos atrás que cozinhava divinamente e, depois de manter a casa impecável e cuidar dos filhos, ainda tinha tempo para um chamego no final do dia. Essa Rosie morreu. Ela e Jerry agora são dois velhos com vestidos, aventais, botas e botões de camisa soltos.

Regrets? I've had a few,
But then again, too few to mention.
I did what I had to do
And saw it through without exemption.
I planned each charted course -
Each careful step along the byway,
And more, much more than this,
I did it my way.

Há um baile para gente como Jerry e Rosie no boliche da cidade. No boliche as pessoas se vestem como pessoas de boliche, tarantinamente, com casacos vermelhos cintilantes, bonés e chapéus. Vestidos. Uma banda foi paga para fazer um verdadeiro flashback, um show que irá levar todos nós aos nossos anos dourados, quando era permitido sonhar. “My Way”. Jerry hesita. Abraça Rosie docemente, mas sem muita convicção.

Yes, there were times, I'm sure you knew,
When I bit off more than I could chew,
But through it all, when there was doubt,
I ate it up and spit it out.
I faced it all and I stood tall
And did it my way.

“Sou um homem, caralho! Quantos por aí podem dizer isso? Por vezes errei, mas sempre honrei minhas bolas!” Respiro; Suspiro. “Respeitei minha pátria, amei minha mulher, trabalhei com afinco. Sinatra me entende... Sou um homem, caralho!”

I've loved, I've laughed and cried,
I've had my fill - my share of losing.
But now, as tears subside,
I find it all so amusing.
To think I did all that,
And may I say, not in a shy way -
Oh no. Oh no, not me.
I did it my way

Jerry lembra de seu pai, mas Rosie nunca quer saber das suas histórias. Vagabunda. "Se fosse metade da mulher que foi minha mãe..." Americanos de muito brio. Jerry vinha de uma família de muita estirpe. Orgulho. Altivez. Justiça. Era uma família americana e justa. “I pledge allegiance to the flag”. Sinatra entende. Sintonia, Sinatra e a Bandeira, mas Jerry também estava atento. Não tolerava um certo vagabundo desde o tempo em que trabalharam juntos no armazém.

For what is a man? What has he got?
If not himself - Then he has naught.
To say the things he truly feels
And not the words of one who kneels.
The record shows I took the blows
And did it my way.

Jerry, um Homem. Já era hora de resolver essas coisas como um homem. Um gracejo, um pisão e o taco de sinuca era seu. Jerry observou bem seu antagonista antes de sua tacada mais importante, mas foi surpreendido por outro taco no meio das costas. Uma porrada na cervical que fez até com que ele cuspisse um pouco da merda que estava bebendo a noite toda. Antes de apagar, notou que a banda já não tocava mais Sinatra, aquele Americano Orgulhoso.

Yes, it was my way

Por Que Ouvir Zu

Você precisa ouvir Zu. A pesquisa de campo abaixo prova tudo.

Pam diz:
 que isso?
pedro diz:
 uma banda muito doida
 italiana
Pam diz:
 caraleo que medo
pedro diz:
 ahuahuahuhauhauhauhauhauha
 muito, né?
 demente
Pam diz:
 deve tocar em rituais
 certeza

***

Matheus diz:
 que é isso cara?ahueha
pedro diz:
 uma banda muito doida
 italiana
.Matheus diz:
 põe doida nisso.aehua

***

Não sei até que ponto poderemos chegar no sentido de causar mal estar ao ser humano com música. Mas Zu deu uma LACEADA nos limites. E assim disse Aristóteles.

Wednesday, September 01, 2010

A Melancolia Fácil

Se você olhar os primeiros posts deste blog, vai ver que já fui fã de Arcade Fire. Falta eu pra tanta vergonha.

Tribuna 14/08.

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Quinta-feira retrasada, enquanto eu sofria vendo meu time sendo eliminado da Taça Libertadores da América, três acontecimentos eram comentados avidamente no Twitter: o próprio São Paulo x Internacional-RS, o primeiro debate dos presidenciáveis e um tal de show do Arcade Fire no Madison Square Garden. Longe de mim querer julgar as prioridades de cada um, mas a idolatria que seguiu essa simples transmissão ao vivo foi mais do que ridícula. Para os fãs, o webcast em questão foi tão incrível e catártico que poderia ser considerado uma missa! E eles falam sério, chegando a se ver como os “religiosos”.

É por isso que eu simplesmente odeio o Arcade Fire hoje em dia. Não por serem vistos como semideuses, coisa que acontece com qualquer banda ou pessoa pública (até ex-BBBs!), e sim pelo motivo de serem vistos assim. O Arcade Fire, desde seus primórdios, não consegue se desvencilhar da imagem de grupo sofrido, coitadinho mesmo. Para a massa indie, formada por gente que, na época do colégio, apanhava e não pegava ninguém, isso é muito bonito.

Toda vez que o vocalista Win Butler canta palavras simples como neighbour (vizinho) e children (crianças) com sofreguidão e nostalgia, é como se evocasse um passado romantizado, ainda que extremamente ambíguo: esquisito e saudoso, penoso e confortável. Para a horda de excluídos e desajustados que segue a banda, é como um orgasmo. Em seus ouvidos, a voz tremida de Butler corresponde à do sacerdote e as canções mergulhadas em melancolia são o coral da igreja.

E por que uma besteira dessas me incomoda, quando eu deveria simplesmente desprezar tudo isso? Porque se apoiar nesse tipo de melancolia fácil ao som de violinos e gritinhos só agrava a situação. Não fui dos que se deram bem na escola, não – graças a Deus, aliás, já que o velho clichê tem razão de ser: quem se dá muito bem no colégio geralmente acaba virando um bosta depois. Só que não foi ouvindo música de indie triste que dei a volta por cima.

Pior: já gostei de Arcade Fire. Tinha 16 anos, achava aquilo lindo (mas nunca a ponto de ser um “religioso”, vade retro), era facilmente levado pelos violinos, acordeons, “neighbours”... Mas aí nego cresce e nota que o mundo tem muito mais beleza e molejo do que parece. Tem muita coisa para conhecer, muita gente para transar, muito motivo para rir. E para chorar também. Vivemos, acima de tudo, num lugar feio e triste.

Só que você não vai conhecer toda essa amargura e sujeira na voz de um bando de ex-crianças bem nutridas chorando as pitangas de uma infância de classe média. Tristes são moradores da favela, tipo o Cartola, que foi esquecido pelo samba por quarenta anos. Triste é o Gil-Scott Heron, preto, pobre, ex-detento e (dizem) aidético, com uma voz cavernosa de gelar os ossos.

Ainda assim, apesar dos pesares e dissabores, esses caras conseguem colocar doses saudáveis de ironia e otimismo em suas letras. Claro, diferente do Arcade Fire, eles são capazes de ver mais cores no mundo. São capazes de olhar através de sua agonia e diversificar, explorar. Acima de tudo, são capazes de se comunicar.

Não me leve a mal, não sou a polícia da depressão. Cada um curte uma fossa do jeito que bem entender. Mas me parece que idolatrar a melancolia do Arcade Fire a ponto de enxergar seus shows como cultos é limitar o alcance da visão. Será que eles estão te mostrando o que você precisa ver ou será que estão apenas te dizendo o quer ouvir? Mais: se estiverem te mostrando o caminho, você ficará tão grato a ponto de aceitar qualquer lixo que te empurrem daqui para frente?

Esse é o grande problema do rock. As pessoas se tornam tão gratas às bandas, aos messias que elegeram, que impedem que esses predestinados sigam em frente. O caso do próprio Arcade Fire é emblemático. Seu primeiro trabalho, Funeral, é um bom disco de estréia. Mas depois, os temas se tornaram recorrentes, maçantes, tomando forma de demagogia alienada.

Música, além de devoção, é baseada em contestação. Se uma banda lhe diz que o caminho da tristeza para a catarse passa por coros angustiados, violinos e pianos delicados, você deve fazê-la provar. Se não, corre o risco de acreditar em tudo que um bando de tocadores de instrumentos fumadores de maconha com uma infância meio tristonha têm para dizer. E isso não é suficiente para ninguém.

 
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