Friday, February 16, 2007

Teenage Angst

Meia noite e quarenta e quatro, coloquei Nevermind pra tocar, peguei uma cerveja lá embaixo (Bavaria é horrível, shame on you, dad!) e roubei dois cigarros do meu pai. É, roubei, infelizmente ainda tenho 17. Patético, não? A adolescência é patética na maior parte do tempo, já me acostumei.

Embora tenha irritado insuportavelmente Kurt Cobain o artigo que dizia que “a angústia adolescente compensou”, a ponto de ele abrir seu disco seguinte com essa frase em tom irônico, definir Nevermind e o Nirvana como um todo como “angústia adolescente” talvez tenha sido a mais brilhante significação para o disco que alguém poderia ter pensado.

Kurt definiu esse período de fortes conflitos hormonais e morais como ninguém. O enfado, a decepção, o asco e a própria angústia estão em Nevermind da forma mais limpa possível, mas ainda sim bruta. Talvez seja por isso que o disco também é um antídoto forte, entra na mesma freqüência da tua fúria ou desespero ou tédio e te cura, no fim das contas. Desde uns tempos atrás, tenho estado incrivelmente emputecido com algumas questões e hoje à noite, quando a coisa chegou no auge, não conseguia tirar o riff de Teen Spirit da cabeça.

Smells Like Teen Spirit é o carro chefe do álbum com muita justiça, porque não só é a faixa com maior apelo comercial como também escancara a idéia do que é a fase entre os 13 e os 19 anos, numa alegoria musical bem incisiva. Uma música simples, com uma base e um refrão e um solo bem mais ou menos (e curto) se estica por cinco minutos e se torna uma coisa muito mais dramática do que deveria ser: milhões de discos vendidos, mania, encheção de saco, Kurt, Krist e Dave mais presentes na sua casa do que aquele seu tio que mora não muito longe e, no fim, um tiro na cabeça que até hoje inspira discussões acaloradas entre garotinhas de 13 anos sobre quem o proferiu.

E Kurt foi sim o primeiro. Mesmo que o Iggy já tivesse dito “I’m losing all my feelings, I’m running out of friends”, mesmo que outros já tenham dito que nasceram para perder, nenhum o fez com o tédio do Nirvana. Hail!

Tuesday, February 06, 2007

Arcade Fire - Neon Bible


Recentemente, tive uma discussão sobre indie. O que é? Como soa? Quem é indie? A verdade é que, afora as incógnitas que vão sempre assombrar nossa cabeça, cheguei a uma conclusão bem elucidativa: o que é chamado de indie é algo tão abrangente, musicalmente ou não, que fica difícil não gostar de pelo menos alguma coisa dentro do estilo. Essa é a grande sacada do rótulo, cativar desde os fãs de “eletro-something” tipo Kasabian até os que gostam do country agitado do Kings of Leon. Então, qual o mérito de uma única banda que, em dois discos, passeia entre dois estilos diferentes, volta, torce, estica, mantém o hype e a qualidade inquestionável?

05 de março é o dia marcado para o lançamento do segundo disco do Arcade Fire, Neon Bible, mas graças à internet, veículo-chave, catalisador e principal outdoor do “independente mainstream”, quase-todo-mundo já está ouvindo-o. Neon Bible é o nome do primeiro livro de John Kennedy Toole e é sobre a vida de um jovem chamado David. Nascido e criado numa cidade rural da Louisiana entre as décadas de 30 e 50, o protagonista se vê num cenário dividido por dilemas religiosos e, consequentemente, políticos. O pano de fundo ideológico serve para ilustrar e interferir nas tragédias da família de Dave. Partindo dessa premissa do livro, a banda estabeleceu uma comparação, bastante contundente e lógica, com a atual situação da América do Norte e do mundo. O Jihad petrolífero organizado por Bush gerou tamanho caos que até uma banda como o Arcade Fire, cujo primeiro disco é totalmente autobiográfico e intimista, se viu impelida a gritar sobre isso.

Essa é a principal diferença entre Funeral e Neon Bible, o primeiro fala da tragédia particular, o segundo fala dela incutida no panorama mundial, conta histórias, autobiográficas ou não, sobre pessoas vivendo na América de hoje. A maioria das músicas tem alguma referência sobre aviões se chocando em prédios aos pares, pedidos ao espelho mágico para saber onde cairão as próximas bombas, relutância em lutar numa guerra santa ou algum outro fantasma circunstancial da guerra contra o terror que usa o terror em seu serviço. O direcionamento novo, e o próprio medo em si, exigem uma sonoridade diferente. A música de Neon Bible é mais grandiosa e mais melódica do que a de Funeral. O motivo é de fácil de explicar: quando você fala da dor de perder um parente, pode manter um clima experimental e fechado, mas quando vê cidades sendo destruídas seguidamente, é como se fosse seu dever aumentar um pouco as coisas, para atingir mais gente. Picasso não colocou um ponto bege na tela e chamou de “Guernica”. Criou um quadro forte e dolorido, ciente de que em casos como esse, deve-se causar impressões. O Arcade Fire também sabe disso e, diferente de gente como Bono Vox, não tem ninguém na banda que seja arrogante o suficiente pra se achar o último pacifista do rock and roll, o que valida o esforço e angaria simpatia da parte de quem ouve.

Black Mirror abre o disco e ainda parece um pouco com música do Funeral, mas é mais sombria do que tudo do disco anterior. “Se despeça do Arcade Fire antigo”, diz ela por quatro minutos e onze, um tempo bastante generoso para uma despedida. Pouco generosa seria uma banda com tantos músicos, alguns multi instrumentistas, ficar estagnada no sucesso e no hype do som do disco predecessor. Keep the Car Running tem um ritmo convulso de pós punk e é uma das mais grudentas. Lá pelo meio tem um coro que lembra demais Cure (além da voz de Win Butler, que soa naturalmente com a de Mr. Smith), com aquela festividade meio angustiada... Tipo “Sexta feira estou apaixonado”, e você responde “É, mas provavelmente você vai se matar no sábado”.

O Arcade Fire festeja. Brinda à alta tecnologia, à liberdade, whatever... Festejar o que? Os americanos têm medo. Enquanto dançam e ensaiam seus coros, estão aterrorizados em pensar num avião caindo sobre suas cabeças numa terça feira qualquer. Então rezam. Rezam com a mesma fé cega dos cristãos Republicanos, dos Xiitas, dos Sunitas, dos judeus de Israel, a fé cega que move a guerra (além de outros aspectos bem pouco, digamos, paroquiais)... Saca? É esse o ponto, o clima do disco todo. E é um clima tão presente que torna o álbum quase conceitual. Falam de uma coisa que, nesses últimos cinco anos de “Bush-Oriente-Médio-E-Terrorismo”, ninguém estava falando: do indivíduo metido à força no turbilhão de terror e vaidade dos líderes mundiais.

Ironicamente, a banda dispensou produtores e gravou Neon Bible numa Igreja, abandonada acho, em Montreal. O som fantasmagórico do órgão contribui muito para Intervention, a melhor melodia inédita do disco, e My Body is a Cage também se vale do instrumento para o clima “fantasma da ópera” que tem, talvez um dos mais memoráveis dos anos 2000, e que fará qualquer garotinho blasé molhar as calças xadrez.

Intervention é a melhor melodia inédita do disco porque a melhor mesmo é uma regravação. 8 entre 10 fãs de Arcade Fire (e eu não pesquisei pra afirmar isso, foda-se) têm No Cars Go como uma de suas, vamos dizer, três preferidas da banda. A música apareceu pela primeira vez no lendário (e ligeiramente renegado) EP auto intitulado, de 2003, e agora volta, melhor ainda e provando que ninguém ali tem muitos pudores em fazer o que quiser com a própria música, ainda mais quando ela é tão adequada à temática do disco. Isso é sim é ser fodão!

E no fim, depois de conseguir sintetizar todo o significado dos tempos modernos na alegoria de um único livro, o eu lírico da banda de Montreal se coloca na pele do cidadão que é e clama por sua vida. “Set my spirit free, set my body free” (Liberte meu espírito, liberte meu corpo) é a última frase do disco.

Teste do segundo álbum? O que é isso?

 
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