Mesmo que eu tente ser o mais racional possível, a música ainda é capaz de me impor certas sensações que, tivesse eu um pouco mais de juízo, seriam evitadas a todo custo, combatidas até. Mas a gente não foge, aceita, gosta até.
Exemplo claro, para mim: gostar da banda dinamarquesa Kashmir. Que justo eu, o arrogante e auto-intitulado arauto do bom gosto, da sinceridade musical, da identidade, goste tanto de uma banda tão sem personalidade é um mistério daqueles. Ainda mais porque desta vez eles foram longe demais.
Trespassers soa estranho para quem esperou de outubro de 2005 até hoje, porque justamente em outubro de 2005 o Kashmir mostrava ao mundo seu álbum com mais personalidade, No Balance Palace. Meia década mais experientes, era de se esperar que Kasper Eistrup e seus comparsas amplificassem a aventura do último disco em direção à perfeição, salpicada de novas influências e idéias.
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Como não me interesso nem um pouco por esses estilos, tudo isso poderia ter passado despercebido por mim. Só que o destino é traiçoeiro e, alguns dias atrás, ao chegar de volta a São Paulo, recebi uma encomenda da Dinamarca com o mais recente lançamento do Mew. No More Stories... é competentíssimo em reunir todas essas influências supracitadas e em fundi-las com um som próprio que consagrou a banda desde o sucesso Frengers, de 2003.
Alguns maneirismos deles chegam a irritar (como disse um crítico da Slant Magazine, a banda não é reflexiva e inventiva como pensa, mas sua convicção é inspiradora), mas é absolutamente inegável que Mew soa sempre como Mew.
Apelando para a analogia com a fábula, é como se o Mew fosse a formiga e o Kashmir a cigarra. Os primeiros, infinitamente menos talentosos - o que não é nenhum demérito, uma vez que a maioria dos seres humanos me parece menos talentosa do que os integrantes do Kashmir - seguem com sua fervorosidade quase religiosa, lançando álbuns a cada dois anos, procurando refinar seu som e torná-lo uma marca registrada sem descambar para o lugar comum.
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Ainda assim, numa dessas peculiaridades pessoais impostas a nós pela música, tão irascível e teimosa, cometi o crime de preferir o álbum da cigarra. Trespassers possui um clima de desolação árida que toca meu coração de uma forma engraçada. Mais que isso, seja como for, minha história com o Kashmir irá me perseguir para sempre, a identificação com a banda nunca vai deixar de existir.
Acontece que o mundo não é regido pelas minhas preferências e um questionamento muito pertinente que você pode fazer é: quem é mais conhecido fora dos limites da pequena Dinamarca? Quem estará no festival de Coachella junto de Faith No More, Sly and The Family Stones, Thom Yorke, LCD Soundsystem e Them Crooked Vultures?
Pois é. Como não poderia deixar de ser, a fábula estava certa.
1 comment:
realmente, agora tenho algo pra pensar: p q o kashmir ainda nao estourou? a coisa nao pode ser resumida ao radiohead wannabe, ate pq o q mais nesse mundo musical de mel dels é uma banda se parecer com outra. ou to viajando?
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