Para um cara compulsivo e obsessivo por controle, uma HQ americana pode ser pouco atrativa por não ter final. Sendo eu um maluco desses, Preacher foi a minha solução. Quer dizer, eu já tentei comprar Homem-Aranha, Hulk, Demolidor e Marvel Max, mas achava monótono e não conseguia me conformar com o fato de que nunca iria chegar ao final das séries. É claro que eu sabia o que era uma graphic novel, mas minha tacada demorou a acontecer. E Preacher foi a minha tacada, e foi certeira pra cacete. Porque tem começo, tem meio e tem fim, sem encheção de linguiça. E tem o ritmo e a violência e a beleza que eu preciso. E pode ser a história em quadrinhos definitiva da América.
Preacher conta a história de um reverendo, Jesse Custer, que, após receber uma entidade meio divina, meio demoníaca no seu corpo – além do dom de ter os outros fazendo o que ele manda, quando quiser – acaba descobrindo mais do que imaginava sobre o Paraíso e decide ir atrás de Deus. Pra perguntar por que foi que esse grande filho de uma puta deixou o mundo nesta pindaíba. Cara. Tem como ser mais fodão que isso?
Mas deixe tudo isso pra lá. A beleza de Preacher consiste em ser o road movie (road comic book?) perfeito, consiste em mostrar a América, bonita e feia, consiste em nos enojar e maravilhar com cada freak que passa pelo caminho de Jesse ou de seus escudeiros (dizer aqui se são fiéis ou não apenas estragaria a mágica de tudo) Tulipa e Cassidy. Me faz sentir nostalgia e orgulho de um país que nem é meu. Quase tudo está lá. Em 66 edições, vemos odes a New York City, alucinógenos indígenas, batalhas no deserto, vudu
Ah, sim, os pervertidos. Depois de um, dois, três choques, você começa a esperar ansiosamente pela próxima aberração na história. Física ou mentalmente, é claro. O mais emblemático deles é também um dos personagens maiores na série. Cara-de-cu estourou seu rosto com um tiro após o suicídio de Kurt Cobain, porque era um fã doente de Nirvana e porque sua vida era uma merda. Depois de sobreviver e virar, bem, um rapaz com face de cu, tornou-se um garoto amável, quase abobado, e com um problema de fala bastante incômodo, que vê seu pai policial como um herói inquestionável.
Garth Ennis, o roteirista cretinamente genial, sintetiza um pouco do que é a famosa “segunda chance” que os Estados Unidos dão às pessoas (e o senso de humor divino, como bem lembra Jesse em certo momento) com o Cara-de-cu. Tanto a história de vida dele em si quanto o que acontece após determinados eventos
Soa piegas, e é. Preacher é a história de um caipira, um vaqueiro simplório, que recebe conselhos do espírito de John Wayne (juro), que preza o “fazer a coisa certa” mais do que tudo e que não tem vergonha de amar a sua garota da maneira mais brega possível. Diante disso, acreditar na América, mesmo tão indiscutivelmente podre e corrompida aos nossos olhos, é fichinha. Porque você não está acreditando num homem, ou em dois homens, você está acreditando no folclore, num delírio, num sonho. E isso, maldito seja, é lindo.
As paisagens e cenas de Steve Dillon, o desenhista insanamente inspirado, te puxam, te colocam em cena e tornam esses pensamentos sobre sonhos e oportunidades verossímeis. Quem é que vai resistir a uma paisagem de deserto Cherokee no Arizona? Não precisa de uma águia, do Tio Sam ou da Casa Branca. É essa simplicidade que te prende, que te convence. Jesse está numa missão atrás de Deus-Todo-Poderoso, puta merda!, e mesmo assim você só o leva a sério quando o vê demonstrando todo o amor que sente pela sua eterna musa Tulipa, abraçando seu amigo Cassidy ou ajudando algum miserável, sempre com um sorriso no canto da boca e um cigarro aceso. E você entende porque alguém escreveu “New York, New York”, apenas olhando para um quadrinho com Cassidy de braços abertos, no topo do Empire State gritando “Porra, eu te amo!” para a cidade abaixo.
Enquanto lia os últimos números da série, com um nó do tamanho do Texas na garganta, entendi o que ela significou pra mim. Até alguns dias atrás, se escrever um texto-tributo desses me causaria ânsias de vômito, escrever estas palavras sobre a hipócrita América, então, me faria cagar meu intestino. Preacher mudou isso, me fez acreditar na fábula, na segunda chance e em fazer a coisa certa. Nem que seja apenas pra colocar num texto meloso que ninguém vai ler. Já é uma coisa sem preço, não é?