Monday, May 24, 2010

Rock e Política

Fiz esta matéria/entrevista com o Macaco Bong, que tocou em Indaiatuba no último sábado, durante a Virada Cultural. A conversa foi mais sobre política e música independente do que sobre o grupo em si. Saiu na Tribuna.

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Numa casa/estúdio em Perdizes, zona oeste de São Paulo, está acontecendo uma festa. Luzes coloridas, caixas de som genialmente feitas com recipientes plásticos, cerveja na geladeira. Não param de chegar músicos jovens e barbados com suas bandas, carregando instrumentos. Uma jam session e a exibição de um curta-metragem engrossam o caldo. Pode não parecer, tudo isso faz parte do lançamento do escritório do Fora do Eixo em São Paulo.

O Circuito Fora do Eixo começou como uma idéia dentro de uma produtora, mas cresceu a ponto de se tornar uma organização com escritórios por todos os estados do Brasil, exceto Maranhão e Piauí. Não há uma razão em especial para esses estados estarem de fora, só “não surgiram pessoas interessadas em montar escritórios por lá ainda. Mas em pouco tempo isso deve mudar”, pondera Ney Hugo, baixista do Macaco Bong. O Circuito tem como principal objetivo viabilizar a auto-gestão da música independente brasileira e conta com uma disposição linear, onde não há hierarquia e pouca burocracia. Cada escritório é tocado por qualquer pessoa interessada em trazer música independente para sua região e só existem algumas obrigações, como montar um festival independente por ano, para não virar bagunça.

Dois dias antes da festa, o Macaco Bong tocava na Virada Cultural em São Paulo, substituindo a Música do Mato. “Substituição” talvez não seja a palavra mais adequada, já que o projeto consiste no próprio Macaco e outros grupos do Mato Grosso mostrando um pouco do que vem sendo feito na música por lá. “A gente só estendeu a nossa parte porque os outros músicos não puderam vir”, explica o baterista Ynaiã Benthroldo. Por outro lado, existe sim uma vontade dos integrantes em fortalecer a cena independente no Brasil e não deixar espaços em branco nos festivais. Já que estão por lá e alguém faltou, por que não arrumar os instrumentos e mandar ver?

Esse comportamento voluntarioso não reside em pensamentos envaidecidos. Pelo contrário, a garra com a qual o grupo defende os ideais do Fora do Eixo vem de seu nascimento. “O Macaco Bong surgiu dentro do Espaço Cubo, como parte de todo o projeto. Sem o Fora do Eixo, a banda não existiria, mas o Circuito existe fácil sem a banda”, conta Ney.

O Espaço Cubo é uma produtora multicultural que organiza o festival Calango desde 2001 (à época, ainda se chamava Cubo Mágico). Em 2005, após a união do gestor Pablo Capilé com outros produtores do ramo independente, surgiu o Circuito Fora do Eixo, que leva as idéias surgidas em Cuiabá para o resto do Brasil, por meio dos escritórios. Mais ou menos à mesma época, surgiu a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), que deu um ar de “legitimidade” aos festivais, principalmente por se tornar uma ferramenta facilitadora no diálogo com órgãos estatais e empresas. De duas uma: ou é um plano de dominação mundial sem precedentes ou é a música independente se organizando como “nunca antes na história deste país”.

O cenário favorável para esse fortalecimento da cena independente vem de dois aspectos principais. O primeiro é a alta do marketing cultural, que bebe na fonte dos incentivos fiscais (como o ProAC e a Lei Rouanet) e do interesse das empresas em se comunicar com seu público de forma mais direta. Assim, projetos como os festivais são viabilizados por meio da iniciativa privada. Já o interesse do público, que motiva essas ações, parte do maior acesso à arte alternativa, viabilizado pela internet. Basicamente, tudo isso que está acontecendo vem da possibilidade do consumidor escutar o que quiser, onde quer que esteja. Se uma banda do Fora do Eixo tem algum público em Indaiatuba hoje, isso se deve quase que exclusivamente à internet.

A inovação mais revolucionária (e insólita) do Espaço Cubo é o Cubo Card, espécie de moeda alternativa aceita nos pontos do Fora do Eixo pelo Brasil. Bandas, produtores e outros envolvidos nos projetos organizados pelo Espaço recebem Cubo Cards que podem ser trocados por produtos e serviços – igualzinho dinheiro normal. As críticas à moeda partem de um princípio básico: ela não é aceita em muitos lugares. Ney Hugo rebate as críticas argumentando que os Cubo Cards podem servir como complemento ao Real, uma vez que eles já são aceitos em alguns estabelecimentos de Cuiabá e podem começar a surgir em outros lugares. “Em 2004, se você dissesse que seria possível comer num restaurante com os Cards, ninguém acreditaria. Hoje em dia, as lanchonetes que funcionam no Calango nem trocam mais os Cards que recebem durante o festival, porque o dono sabe que, por exemplo, pode comprar material escolar para o filho com eles, numa papelaria parceira nossa”.

Além do Fora do Eixo, a Abrafin também recebe críticas. Muita gente torce o nariz para a impossibilidade dos festivais em pagar cachê e traslado a todas as bandas. Na visão de Ney, os detratores se encaixam em dois grupos principais: os que não conhecem os projetos de perto e os artistas que se consideram talentosos demais para batalhar. O argumento tem conexão com a filosofia do Macaco Bong. O título do primeiro disco da banda é Artista Igual Pedreiro, enfatizando a visão de que um músico tem que ralar da mesma maneira que qualquer outro trabalhador.

“Nossa gestão é totalmente aberta, está tudo relatado, as planilhas estão no site (www.foradoeixo.org.br/tec)... Nós estamos abertos e nos sentimos seguros nesse debate porque nosso embasamento é muito forte. Se um artista acha que sua arte é importante demais para que ele tenha trabalho com ela, essa pessoa não nos interessa. Preferimos nos envolver com o garoto que, se não fosse pelo Fora do Eixo, estaria vivendo uma rotina frustrante de trabalho.” O baixista lembra que esse investimento dos conjuntos iniciantes – tanto neles mesmos quanto na cena musical que pretendem formar – é um antídoto importante contra o monopólio das grandes gravadoras, que durante muito tempo limitaram as atenções musicais no país.

Aí me pergunto: e quando o projeto finalmente der certo e as bandas, mesmo no âmbito independente, começarem a firmar parcerias com a iniciativa privada, como fez Mallu Magalhães em seu primeiro CD? Será que elas não estarão presas a um novo “chefe”, com contas a prestar a pessoas que não dizem respeito à sua arte? Um dos grandes trunfos desse circuito alternativo, que engloba o Fora do Eixo, a Abrafin e tantos outros coletivos, é libertar os artistas das exigências comerciais das gravadoras multinacionais, permitindo-lhes fazer música de todo tipo. É daí que vem a preocupação.

Ney Hugo, no entanto, minimiza: “O Fora do Eixo não é contra parcerias com a iniciativa privada, muito pelo contrário. Se houver algum tipo de controle por parte das empresas, somos contra, mas no caso de uma parceria boa para ambas as partes, apoiamos.” A preocupação dos envolvidos em viabilizar opções e em não desprezar nenhum lado do debate está enraizada na constatação óbvia de que ninguém consegue triunfar sozinho. Pelo menos quando o desafio é unificar e fortificar a cena independente brasileira.

Se nada disso lhe parece interessante e se você só quer curtir um som, não faz mal. O engajamento político do Macaco Bong não interfere negativamente na sua música, da mesma forma que sua mensagem pode acabar abrindo seus olhos. Você gosta de guitarra, baixo e bateria? Curte ver performers ensandecidos em cima de um palco? Então aparece no Parque Ecológico hoje, às 19h30. Periga ser o show do ano.

2 comments:

Carlos Gomes said...

show de bola! é sempre bom ver a reação da ideia do fora do eixo com quem está no primeiro contatocom a ideia do artista como responsável pelo seu sucesso.

nao adianta ser genial sozinho né? rebolar é preciso.

por júlia eléguida said...

oi pedro tudo bom, cheguei aqui através da comunidade da bizz. gostei do teu texto, mas me encomodou algumas coisas quando falas das leis de incentivo. as leis são editadas pelo estado, em que permite isenção de imposto para uma porcentagem do investimento realizado pelas empresas. esta isenção do valor aplicado pode ser de 60% até 100% conforme a área cultural.

Portanto, grande parte do valor investido acaba sendo dinheiro público e não privado como mencionaste.

Eu sei que é chato ficar corrigindo testos, mas como escreves para um jornal, acabas passando uma informação equivocada para o público. Também não sou nenhuma expert na área, só estudo sobre isso.

Abraços Júlia

 
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