Sunday, August 01, 2010

De She's So Heavy a Dead Weather

Uma reflexão meio confusa. Sei lá se gosto. Saiu na tribuna dia 10 de julho.

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Se Helter Skelter, dos Beatles, foi o primeiro heavy metal da história, então os Fab Four eram tão geniais que foram capazes de, um ano depois, compor a primeira faixa de uma de suas vertentes. I Want You (She’s So Heavy) é a canção inaugural do stoner rock. Você pode ou não conhecer o gênero, mas não custa explicar.

O stoner surgiu oficialmente lá pelo final dos anos 80, mas seu coração bate no mesmo ritmo que batia o do Black Sabbath, o do heavy blues do fim dos anos 60 e do hard rock da década seguinte – tipo Blue Cheer, Grand Funk Railroad, Budgie, Uriah Heep, Dust… Ou seja, caras machos e barbados que gostam de motos e cerveja. O som é pesado, sincopado, mas também tem o alívio de teclados psicodélicos e viagens instrumentais fortes. Claro: stoner em inglês significa drogado, viajandão.

O movimento cresceu no deserto da Califórnia e o Kyuss permanece como seu maior expoente. Mas suas ondas não se mantiveram estáticas e a expressão do stoner – talvez tenha a ver com a costa oeste americana – chegou até o estado de Washington. Soundgarden e Melvins, embora não sejam frequentemente enquadrados no gênero, sempre se utilizaram dos riffs como forma de comunicação. Não é segredo para ninguém, também, que Dave Grohl acabou ficando amigo de Josh Homme quando ambos ainda tocavam no Nirvana e no Kyuss, respectivamente.

A coisa engrenou e hoje em dia pipocam bandas do estilo por todo o mundo. A maioria delas nenhum de nós jamais ouviu falar. São bandecas que emulam aquele som cheio de riffs dos grupos citados no parágrafo anterior e não apresentam nada de novo. E como isto aqui é uma coluna opinativa, vou me reservar o direito de discordar do senso comum e dizer que o stoner rock não tem nada a ver com isso.

E sabe por quê? Porque o legado de um estilo musical reside muito mais no seu conteúdo, digamos, filosófico do que no seu som. Para fechar Welcome to the Sky Valley, terceiro disco do Kyuss, há uma música-tiração-de-sarro no estilo The Doors com um pedido singelo por sexo oral. Isso logo depois da tensa Whitewater. Da mesma forma, uma letra como Paranoid, do Black Sabbath, não deve ser levada totalmente a sério, apesar do choque que foi a parte instrumental da canção na sua época.

Entendeu? O legado do stoner é a ironia, o alívio cômico, o inusitado, o contraditório. Essa constatação em si já encontra um paradoxo interessante: caipiras manguaçados do deserto da Califórnia ou do interior da Inglaterra com sensibilidade suficiente para tirar um sarro da própria cara. É por aí que associo I Want You (She’s So Heavy) à estética institucionalizada pelo Kyuss. Em 1968, Os Beatles estavam totalmente pirados nas tecnologias de estúdio e nas mais belas harmonias já inventadas pelo homem. John Lennon, então, resolveu fazer uma música que fosse o extremo oposto de tudo isso: She’s So Heavy é arrastada, repetitiva, sua letra é mínima (são só 14 palavras), o refrão é dissonante, a ordem dos versos é imprevisível e o final é brusco.
Esse espírito contrariador e quase sarcástico vem da própria origem do rock and roll. Por isso, encaixar manifestações tão básicas (e tradicionais) dentro de um só estilo chega a resvalar no “forçar a barra”. Mas por outro lado, se nos detivermos em riffs e paisagens áridas, limitaremos o stoner assim como, no passado, limitamos o metal, abrindo precedentes para a chegada de lixo atrás de lixo.

E isso meio que já vem acontecendo. Mais recentemente, o Dead Weather é um dos únicos conjuntos que me dão vontade de encher a boca para dizer que são stoner. A banda conta com Jack White na bateria e tem a femme fatale Alison Mosshart nos vocais. Variando entre hardcore eletrônico e blues, eles te agridem sem parar. Mas agridem de uma forma que te faz querer mais, te transformam num masoquista imediato. Na essência, não era isso que o Kyuss tentava fazer – só que sem a presença fácil de uma gostosona cantando – há 15, 20 anos?

No fim, a lição que fica é simples. Quem entendeu o rock ilógico e chapado dos pioneiros do stoner não tenta copiar sua estética sonora. O grande lance é confundir os outros e surpreender a si mesmo. Mais ou menos como fizeram os Beatles, inusitadamente, a primeira boy band da história.

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