Último texto a sair pela Tribuna de Indaiá. É diretamente relacionado a este post aqui, que saiu também pelo jornal (mas acabou saindo antes no blog), mas contemporiza um pouco a coisa, ou seja, fala de discos atuais. Quer dizer, isso tudo a meu ver. Vai ter gente que acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Particularmente, tanto faz. O que os une é o fato de eu gostar bastante de ambos.
Agora, antes do texto, momento featured post. Segunda-feira tem QotSA aqui na República do Abacaxi Cortadinho e se você também vai lá idolatrar a rapazeadinha, recomendo ler este relato sobre o primeiro show que vi dos caras pra aquecer. Dependendo da qualidade da apresentação, tento fazer um texto legal sobre o SWU.
Na semana passada, tentei mostrar um cenário caipira dos Estados Unidos que não se move em torno da música country necessariamente. Existe uma América caidaça que está atrelada a valores como nostalgia doentia, gel de cabelo, ternos baratos e covers de Elvis. Uma coisa bem de filme, mesmo. E ninguém representa melhor esse clima de fim de festa hoje em dia do que Dax Riggs e Grinderman.
Antes de prosseguir, acho que devo um parágrafo de explicação. O que a caipirada norte-americana tem a ver com a Tribuna de Indaiá? Tenho dois argumentos – além do simples fato de ser um assunto que me interessa. Toda a cultura mundial é influenciada pela ianque e fica impossível se desvencilhar dela, fazendo parte disso a reflexão acerca de seus símbolos, que já são quase nossos. Depois, se já engolfamos a cultura dominante (imperialistas! Yankees go home!), analisar seus meandros também é auto-análise.
Legal. Agora aos personagens principais. Você nunca ouviu falar de Dax Riggs, tenho certeza. Também, ele nunca participou de uma banda relevante que fosse e nunca emplacou um só hit. Riggs é um expoente de uma forte cena independente do hemisfério norte que se paga sem precisar de grandes investimentos e cujos shows passam por todo o seu território (mais ou menos o que o Fora do Eixo quer fazer aqui no Florão da América). Nos anos 90, ganhou alguma notoriedade enquanto tocava na banda de metal sujo – e essa é a única definição cabível – Acid Bath. Depois aventurou-se por projetos menos pesados, mas tão doentes quanto: Agents of Oblivion e Deadboy & The Elephantmen.
Mas Dax Riggs chegou a mim através de seu primeiro trabalho solo, We Sing of Only Blood Or Love, de 2007. Com músicas intituladas maravilhosamente como Demon Tied to a Chair in My Brain (“Demônio Amarrado a Uma Cadeira no Meu Cérebro”), ele é o tipo de artista que só chegaria aos nossos ouvidos por causa da internet. E, cantando sobre sangue e amor, sempre me passou uma idéia de hippie cocainado de alguma periferia cultural do sul dos Estados Unidos. Quase isso: Riggs é de Nova Orleans, um dos locais mais fantásticos e ricos do mundo quando se trata de ecossistemas artísticos. Ainda assim, ele está à margem, como alguém fazendo música eletrônica minimalista num rincão gaúcho.
Acontece que em Say Goodnight To The World, seu novo disco, o cantor se afasta da imagem de hippie acelerado e pé sujo e se aprochega a uma nova persona, uma espécie de cantor de churrascaria podreira, com a gravata borboleta folgada. Tipo a banda da festa de formatura que espera que todos dancem, mas é simplesmente sombria e tristonha demais para isso. Dax Riggs é sombrio o suficiente para dar sentido à comparação e tudo isso está explicitado já nos títulos de suas canções: Gravedirt On My Blue Suede Shoes, por exemplo. Musicalmente, como que provando toda esta ladainha, no novo disco destacam-se You Were Born to Be My Gallows e a versão enfastiada de Heartbreak Hotel.
Já Grinderman é o braço de rock de garagem de Nick Cave and the Bad Seeds. Nick Cave é um dos poucos heróis dos anos 80 que mantiveram seus colhões e sempre fez música folk iluminada por esferas espelhadas de danceteria. Daí, em 2007, junto com boa parte dos Bad Seeds, ele virou para o outro lado, disposto a estourar alguns tímpanos, e deu à luz o Grinderman. Perfeito. Assisti a um show do grupo em 2008 e vale destacar como o frontman funciona no palco. A primeira coisa que você repara em Cave é seu bigode indecente, desafiador até, tipo Josh Brolin em Onde os Fracos Não Tem Vez. Ele olha para a platéia com os olhos esbugalhados e pronuncia palavras repetidamente, em intervalos cada vez mais perturbadores. Na verdade, trata-se de um tio já meio careca com uma aparência que oscila entre diretor de escola, psicopata sexual e estrela do rock.
O primeiro álbum do Grinderman é simplesmente incrível. Suas letras mostram que o australiano Nick Cave entende essa América podreira como poucos. Das descrições minuciosas de como ele tentou e não conseguiu uma transa (em No Pussy Blues) até às bravatas de patriarca decadente (Go Tell The Women), todo o ambiente do disco é minuciosamente moldado dentro de um lugar com drive-ins, caminhões de sorvete e serial killers à espreita.
Em Grinderman 2, que sai em outubro (na internet já foi “saído”), a idéia continua. A diferença é que o descontrole emocional e a ironia aprendem a conviver com uma psicodelia quase tântrica em alguns momentos (especialmente o final de When My Baby Comes). É como uma sessão de hipnose no meio do baile da igreja. E é um discaço também. Desde já, um dos melhores do ano.
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