Mais um texto da Tribuna de Indaiá.
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Há muitas diferenças óbvias entre Noel Rosa e Nick Drake. Um possuia a malemolência do brasileiro, estava sempre rodeado de amigos e, irreverente, parecia se virar muito bem. O outro representava o inglês tímido, introspectivo e tragicamente frágil. Entretanto, identificar e entender suas semelhanças é encontrar afinidades entre o samba e o folk inglês. Desafio proposto, desafio aceito.
Noel de Medeiros Rosa nasceu no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1910 e lá permaneceu até sua morte, em 37. Logo cedo aprendeu a tocar violão, depois bandolim e aos 19 anos já integrava o Bando dos Tangarás, que contava, entre outros, com João de Barro, mais tarde conhecido como Braguinha. Foi a primeira de muitas parcerias ilustres do músico que, dois anos mais tarde, emplacou seu primeiro grande êxito, que até hoje permanece como um dos maiores hinos do carnaval: Com que Roupa? O sucesso da canção, no entanto, não garantiu fama nem fortuna ao cantor.
Já Nicholas Rodney Drake veio ao mundo em 19 de junho de 1948, 11 anos após Noel partir. Apesar de inglês, nasceu na antiga Burma, hoje conhecida como Mianmar, por conta do trabalho do pai. Pouco depois, a rica família Drake voltou à Inglaterra, onde se instalou no pequeno vilarejo de Tanworth-In-Arden. Solitário, Nick via na música, exaltada pelos pais – principalmente pela mãe, Molly – uma válvula de escape. Foi apenas depois de entrar para a Universidade de Cambridge e passar por experiências, humm, psicodélicas (como provar maconha e LSD) que Drake gravou seu primeiro disco, Five Leaves Left.
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De certa forma, tanto Rosa quanto Drake tiveram vidas boêmias, sem muito apreço por convenções sociais. O segundo era fumador inveterado de maconha (e em homenagem à erva, escreveu a belíssima The Thoughts of Mary Jane) e mantinha-se acordado pela noite compondo canções, muitas vezes isolado em um apartamento. Noel, mais social, era como um líder dos sambistas nos botecos da Vila Isabel (e dessa rotina vêm duas de suas melhores: Feitiço da Vila e Conversa de Botequim) e estava sempre a subir o morro para conhecer novos compositores das favelas, como Angenor de Oliveira, o Cartola.
Noel é responsável por trazer o samba dos morros para o asfalto (a clássica divisão da cidade do Rio de Janeiro) e acabar por, se não criar, fomentar o que viria a ser o samba dali para frente. Drake também foi capaz de transpor o clima pastoral dos vilarejos britânicos para o asfalto das ruas de Londres e lá aconteceram seus poucos shows. Interessante notar que, enquanto o samba precisou de um especialista do batuque que unisse os conservadores do asfalto aos talentosos do morro, metáfora clara da formação do Brasil, o folk apareceu para os ingleses após ser formulado em universidades e exposto por moleques corajosos, como Drake e Boyd. Quem aí ainda tem coragem de dizer que música não é influenciada diretamente por aspectos sociais?
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Morreram quase que no esquecimento, mas a história lhes fez justiça. Hoje todo mundo que toca samba deve os dois braços e as quatro cordas do cavaquinho ao prodígio da Vila Isabel. Da mesma forma, não existiriam Elliott Smith, Rufus Wainwright, REM e The Cure sem a melancolia de Nicholas Rodney. Por mais demorado que tenha vindo o reconhecimento para ambos, o Universo tratou de colocar o pingo nos is, no fim das contas. Ainda bem.
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