Sunday, June 20, 2010

Umbabarauma

Desta vez, uma coluna recente. Saiu neste sábado (19/06). Melhor postar agora pra aproveitar o clima de Copa. Fiz uma pequena mudança ali no meio, mas sussa. Nos próximos dias, volto a postar as colunas mais antigas.

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Gosto de ler livros e assistir a filmes, mas confesso que não entendo muito de literatura e cinema. Sei o que me faz a cabeça, mas não me peça uma análise de cinema ou literatura com muito embasamento histórico e propriedade. Dança, teatro e artes plásticas me empolgam de vez em quando, ficam restritas a seu momento. Sendo assim, as duas artes que mais me agradam são a música e o futebol (e não me venha dizer que futebol não é arte – nem vou levar a sério nenhum argumento seu!).

Em época de Copa do Mundo, fica difícil não se concentrar na segunda paixão. Festival badalado nos Estados Unidos ou a estreia complicada do Brasil? Show surpresa dos Strokes ou a pipocada fenomenal da Espanha? Woodstock meio genérico aqui no Brasil ou a chance de ver Messi virando o grande jogador da nossa geração? Nesse caso, melhor tentar conciliar os dois amores. E nem é tão difícil.

Por exemplo, Jorge Ben tratou de regravar “Umbabarauma” com alguns dos atuais queridinhos da cena – Mano Brown, Céu, Anelis Assumpção, Thalma de Freitas, Ganjaman, Zegon e outros – para um novo comercial da Nike. Se Dunga relutou em chamar Ganso e Neymar para sua seleção, no futebol-moleque da música brasileira, saravá, a sintonia é boa. Tendo o futebol como parte integrante e importante da nossa cultura – onde Garrincha é tão ícone quanto Carlos Gomes ou Glauber Rocha –, não é surpreendente que a união do velho com o novo se dê em época de Copa, numa interpretação de um clássico sobre o esporte.

Jorge, aliás, é mestre nisso: desde os primórdios de sua carreira, não esconde sua paixão pelo futebol e, especialmente, pelo Flamengo. São tantas referências ao rubro-negro que me pergunto se isso não é a causa da mítica que ronda o clube. Vá lá: metade pro Galinho de Quintino e metade para Ben Jor. Claro que o interesse pelo esporte bretão (bretão?!) não é exclusividade do rei do samba-rock. De “Um a Zero” a “Partida de Futebol”, passando pelas homenagens do headbanger Andreas Kisser ao meu Tricolor, o futebol faz parte da nossa música assim como, sei lá, chocolates devem fazer parte da música suiça.

O motivo é simples: são duas artes que vivem do ritmo e refletem a cultura onde estão inseridas. É só analisar a música não-efusiva de Stockhausen e Kraftwerk e o estilo pragmático do fussball alemão; a ironia do rock inglês e a ironia de os inventores do football quase sempre falharem em Copas do Mundo e Eurocopas; a ópera e o calcio italiano, tidos como chatos e antiquados, mas de grandeza e alcance inegáveis... A malemolência do nosso estilo futebolístico acaba se fundindo perfeitamente com a malemolência da nossa música. Um não vive sem o outro.

Mas a paixão pelo futebol, como não poderia deixar de ser, não se restringe aos músicos brasileiros. Existem vários exemplos estrangeiros do encontro entre música e futebol. Nosso eterno rival Diego Maradona, por exemplo, encantou tanta gente que já recebeu uma homenagem do francês Manu Chao. Também podemos ver, frequentemente, as torcidas gringas adotando rocks populares como hinos. “Seven Nation Army”, do White Stripes e “Chelsea Dagger”, do Fratellis são exemplos recentes.

Mesmo os americanos, antes tão resistentes ao “soccer”, vão se rendendo. Minha camiseta mais legal é uma da turnê de verão de 2008 do Queens of The Stone Age, durante a Eurocopa. Ela traz um escudo da banda, com o nome do vocalista Josh Homme e o número 5 atrás, como se fosse um uniforme retrô. Sua banda-irmã, Eagles of Death Metal, também já foi trilha sonora de uma das propagandas mais incríveis da Nike, Take it To The Next Level, que mostra a carreira de um jogador numa câmera em primeira pessoa.

Nietzsche disse que a vida sem a música é um erro. Eu completo dizendo que sem o futebol também. Por isso, vamos agradecer aos céus o fato de ambas as artes se completarem tão bem. Salve Jorge e todos que já sacaram essa verdade. E boa Copa do Mundo para todos nós.

Wednesday, June 16, 2010

Pearl Jam: Crescendo em Público

Quando estava sem assunto para a coluna, o Pearl Jam me salvou de novo. Amo essa banda. Esse artigo saiu no dia 15/5.

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O grunge morreu, de ressaca, em 1996. Mesmo que o suicídio de Kurt Cobain em 1994 tenha sido o porre, a cabeça só foi doer dois anos depois. Foi quando Soundgarden e Screaming Trees lançaram seus últimos discos, o brit pop surgiu e Dave Grohl se desvinculou do Nirvana. Como uma triste nota final, o acústico MTV do Alice in Chains – último registro do grupo, que definharia por seis longos anos até a morte do vocalista Layne Staley – ainda figura como uma das manifestações artísticas mais fúnebres de todos os tempos. Mais emblemático que tudo isso, no entanto, é No Code.

Apesar do impacto do Nirvana, era o Pearl Jam a banda que mais vendia nos anos da calça rasgada e da camisa de flanela, e No Code, seu quarto LP, escancarou o fim do grunge. Porque é um álbum onde o desespero expansivo e grandiloqüente do movimento é substituído por resignação íntima e reflexiva. Basicamente, não havia mais bandeiras a levantar, nem inimigos a combater – o hair metal estava acabado, as drogas pesadas não tinham mais glamour nenhum e todos estavam milionários. Restaram apenas os demônios interiores.

Daí a Eddie Vedder cantar sobre abrigos em árvores, onde jornais não importam (“In My Tree”) foi um pulo. Ainda tem canções sobre autoconhecimento, distância e até uma supostamente dedicada a Kurt Cobain. Porém Sometimes, mais do que todas, numa combinação incrível de música e letra, escancara o que era o momento confuso e introspectivo da banda.

Talvez tenha sido a experiência de Neil Young, com quem trabalharam no ano anterior, que trouxe essa serenidade aos músicos, ou o fim iminente do grunge, por todos os motivos já citados. Seja como for, o conjunto ficou muito mais legal, adultamente falando. Se os primeiros álbuns eram epolgantes, cheios de vitalidade e rock and roll, como é a adolescência, a partir de No Code, os temas ficaram bem mais complexos.

Dali para frente, mais do que famoso, o Pearl Jam tornou-se uma banda de massa – no sentido de que fala sobre os sentimentos mais íntimos da massa oprimida do rock, seja lá o que isso for. E como costuma acontecer com os “messias”, em algum ponto dos anos 2000, Eddie Vedder começou a perder a linha. Seu discurso anti-republicano e sua militância exagerada, em cada música e entrevista, transformaram-no em um vocalista mala de uma banda chatonilda.

Talvez seja por isso que muita gente apenas enxergue valor no Pearl Jam exasperado e eloqüente do começo dos anos 90. Mas, tanto na vida quanto na trajetória de emancipação da banda, uma crise dos 40 anos é aceitável. Depois de lançar seu pior disco em 2006, a banda teve um breve hiato em que cada um dos integrantes se dedicou a seus projetos particulares. Eddie Vedder, em especial, conseguiu renovar sua imagem com a trilha-sonora do filme Na Natureza Selvagem.

Finalmente assumindo a posição de trovador solitário que teimava em impor na banda, Vedder foi bem sucedido. Talvez por causa desse ato de bravura (inconseqüência até, se pensarmos que é mais conveniente ficar ao lado de um conjunto mundialmente conhecido), ele foi capaz de se transformar mais uma vez. A volta ao Pearl Jam não poderia ser melhor. Backspacer, do ano passado, mostra cada um dos integrantes na sua melhor forma e sem muita preocupação em passar mensagens paternalistas ou em mudar o mundo (a eleição do democrata Barack Obama contribuiu muito nesse aspecto).

No fim das contas, a beleza do Pearl Jam, para mim, reside tanto nas suas melodias e letras quanto na sua coragem para expor seus erros e acertos. Não tinha idade para acompanhar seu desenvolvimento em tempo real, mas, na época mais importante da minha formação – ali pelos dezesseis anos – eles eram minha banda favorita, mostrando como crescer é doloroso e instigante. Por isso, não julgo seus maus momentos, só tenho a agradecer. Obrigado.

Thursday, June 10, 2010

Salve a Gente da Antiga!

Arriba!

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A coluna de hoje se trata de uma fábula cuja moral reside na importância de redescobrir nossos velhos ídolos. Começa assim: a indústria fonográfica brasileira demorou a deslanchar na primeira metade do século XX, deixando muita gente boa para trás, mas registros tardios como os de Cartola nos anos 70 e Gente da Antiga cumprem bem o papel de resgatar essa fase rica da música tupiniquim.

Em 1968, Pixinguinha, João da Bahiana e Clementina de Jesus eram “gente das antigas” na nossa cultura. A bossa nova já havia conquistado o mundo e mudado a lógica da arte brasileira e a tropicália se firmava como o que havia de mais moderno e desafiador. Mesmo assim, começava nas altas rodas intelectuais um movimento de valorização dos grandes compositores que pavimentaram a estrada da música pop nacional. Hermínio Bello de Carvalho, à época o grande incentivador da velha guarda do samba, tratou de juntar os três músicos, já idosos, para viabilizar o disco Gente da Antiga.

Pixinguinha, hoje uma Entidade da mitologia brasileira, tanto quanto Zumbi dos Palmares, D. Pedro II e o Preto Velho, estava sem gravar desde os ano 50, já havia enfrentado o alcoolismo e trocado a flauta pelo sax tenor. Vivia de aparições no rádio e na TV. A fase não era exatamente ruim, mas ele andava sumido. João da Bahiana também tem seu nome garantido na história por ter sido, segundo ele próprio, o primeiro a colocar o pandeiro no samba. Compositor calcado na tradição africana, ele já colaborava com Pixinguinha desde os anos 20 e foi o primeiro a deixar um depoimento para a posteridade no Museu da Imagem e Som no Rio de Janeiro.

Clementina de Jesus, por sua vez, não teve uma bela história nos primórdios da música nacional. Sua carreira profissional, na verdade, começou aos 60 e tantos anos, após ser descoberta pelo próprio Hermínio de Carvalho. Antes, trabalhara como empregada doméstica e sua experiência artística se limitava a entoar cantos de escravos, sambas e lundus antigos durante o serviço. Cantou ainda ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Milton Nascimento. Além da história em si, o interessante nisso tudo é que a voz de Clementina era simplesmente terrível!

Terrível, pavorosa. Anasalada, gutural, desafinada. Ainda assim, nenhuma outra cantora merece mais o status que Clementina conquistou (além-vida, é verdade). E nenhuma outra pessoa teria encaixado tão bem com Pixinguinha e João da Bahiana em Gente da Antiga. Porque, se a cantora tinha pouca instrução, possuía um conhecimento empírico do Brasil urbano e pobre que poucos sequer imaginariam. Sua sabedoria era baseada em sua humildade, amabilidade (era chamada de mãe por todos que a rodeavam) e nas raízes que mantinha, em forma de canção, na ponta da língua.

Juntos, os três músicos “da antiga” trouxeram de volta aos olhos do público a lógica de um povo e época simples, porém alegres. Músicas como Yaô, Quê Quê Rê Quê Quê e Mironga de Moça Branca apresentam palavras e ritmos de origem africana praticamente esquecidos pela sociedade de então. Já Cabide de Molambo (o melhor título de música de todos os tempos!) e Batuque na Cozinha falam a língua da malandragem sambista, tão exaltada pelos malandros modernos da bossa nova. Há ainda o saxofone de Pixinguinha serpenteando pelos choros Os Oito Batutas, Elizete no Chorinho e – lá vem outro belo título – Aí seu Pinguça.

Difícil não apreciar a competência dos três. Técnica, no caso do saxofonista; histórica, no caso do pandeirista e cantor; e afetiva no caso da cantora. Gente da Antiga daria um filme. Dos bons. Poucos anos depois, os três envolvidos foram chegando ao final de suas vidas, um a um. Não fosse pelo grande trabalho pregresso, o álbum de 1968 já valeria para tatuar seus nomes na música popular brasileira. Acabou servindo como última homenagem – a eles próprios e a um momento que nunca mais será repetido.

Póslúdio: Se Gente da Antiga fez parte de um movimento de resgate de nossas origens e, consequentemente, enriqueceu nossa música, talvez seja essa a solução para o amontoado de lixo que esmaga a arte pretensamente “séria” no Brasil. O caminho pode ser enclausurar essa molecada de Cine, Restart, junto com Anas Carolinas e Marias Gadú, num calabouço e obrigá-los a escutar samba antigo ininterruptamente. Não sei. É só uma sugestão...

Wednesday, June 09, 2010

Gorillaz - Plastic Beach

Da Tribunation-tion. Engraçado que, apesar das críticas, que mantenho, tô considerando o plastic Beach o grande disco do ano até o momento. Recomendadíssimo.

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Quando morreu o rapper Guru, dia 19 de abril deste ano, foi com ele parte da história do hip hop. O alterego de Keith Elam foi um dos primeiros a incluir ritmos além do soul, do funk e da música eletrônica na mistura do estilo. Jazzmatazz Vol. 1, de 1993, como o nome sugere, coloca uma banda de jazz e alguns MCs no mesmo ambiente sonoro. O resultado é experimental, não se trata do melhor álbum de hip hop de todos os tempos, mas com ele, Guru mostrou o caminho do futuro.

A década passada foi para o hip hop o que foram os anos 70 para o rock. Depois de uma origem tímida na era de aquário, o movimento passou pela consolidação nos anos 80, pela sofisticação nos dez anos seguintes e pelo grande sucesso comercial nos 2000. Por conta desse êxito, apareceu muito lixo megalomaníaco, inflado pelo dinheiro inesgotável. Porém, com ele também veio respaldo artístico, a posibilidade de experimentar, procurar o som perfeito. Hoje em dia, o melhor tipo de hip hop existente é fruto dessas experiências, da mistura que DJs e MCs de gosto eclético injetam na sua música.

É aí que você entende a importância de Guru e é aí que entra o Gorillaz. Damon Albarn era o vocalista do Blur até que um dia se cansou de britpop e resolveu tentar algo novo. Se uniu ao cartunista Jamie Hewlett e, juntos, criaram uma banda-desenho-animado, com intergantes/personagens e tudo. Basicamente, o Gorillaz foi o primeiro conjunto musical “virtual” (ou digital, se preferir) e trouxe para a grande mídia o trabalho esquizofrênico e multifacetado do underground. Sendo o estúdio o principal instrumento do hip hop e da música eletrônica hoje em dia, é natural que num trabalho desse tipo apareçam símbolos dos ritmos favoritos do produtor em questão. Albarn gostou da idéia e cada disco do Gorillaz parece refletir sua coleção de LPs.

A banda é recheada de referências pop: desenho animado, grafitti, consumismo, multiculturalismo e, como não poderia deixar de ser, variadas linguagens musicais. Por cima de batidas sincopadas, tem rock, rap, soul, IDM (t.c.p. intelligent dance music, um tipo de música eletrônica calma e introspectiva) e até ritmos latinos. Entretanto, alguma coisa me parece errada com o mais recente disco da banda, aclamado pela crítica.

Plastic Beach tem seus bons momentos, mas não dá pra acreditar que são os quatro macacos de desenho animado que estão tocando aquele som. São instrumentos demais, participações demais... Você precisa de uma grande imaginação para conceber Lou Reed e Snoop Dogg no mesmo espaço que quatro personagens de desenho animado. Afinal de contas, qual a proposta do Gorillaz?

Agora você deve estar me chamando de conservador, de falso moralista. Com certeza você sabe que, uma vez que o Gorillaz é uma banda 100% virtual – os integrantes não existem fisicamente, numa fantasia de lã tipo Mickey Mouse, por exemplo –, eles podem absolutamente tudo, nada é inverossímil. O vocalista 2-D pode virar um pteranodonte mestre de kung-fu com um sintetizador acoplado ao peito, se Albarn e Hewlett assim decidirem. Mais ainda: e daí que as músicas não parecem de fácil execução ao vivo? Os Beatles um dia também resolveram levar a experiência do estúdio a níveis nunca cogitados antes, parando até de fazer shows. E eles nem eram cartuns!

O problema é que o Gorillaz já tem turnê marcada para promover Plastic Beach. E uma apresentação do grupo é um voto de confiança em Albarn, já que consiste num telão exibindo imagens dos personagens enquanto músicos fazem o trabalho sujo atrás dele. E aí? Esperar transparência de um conjunto fictício em plena era digital talvez seja forçar a barra demais?

No fim das contas, não é uma coisa que incomode tanto assim. Sei que os responsáveis têm tudo sob controle e vão dar um jeito. E Plastic Beach já é um sucesso. Mas sua verdadeira vocação é trazer à tona um debate que até agora não parecia muito importante: como lidar com tantas possibilidades na música atual e ainda assim se manter coerente? Pena o Guru ter morrido. Talvez ele tivesse uma dica ou duas para nós.

 
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