Arriba!
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A coluna de hoje se trata de uma fábula cuja moral reside na importância de redescobrir nossos velhos ídolos. Começa assim: a indústria fonográfica brasileira demorou a deslanchar na primeira metade do século XX, deixando muita gente boa para trás, mas registros tardios como os de Cartola nos anos 70 e Gente da Antiga cumprem bem o papel de resgatar essa fase rica da música tupiniquim.
Em 1968, Pixinguinha, João da Bahiana e Clementina de Jesus eram “gente das antigas” na nossa cultura. A bossa nova já havia conquistado o mundo e mudado a lógica da arte brasileira e a tropicália se firmava como o que havia de mais moderno e desafiador. Mesmo assim, começava nas altas rodas intelectuais um movimento de valorização dos grandes compositores que pavimentaram a estrada da música pop nacional. Hermínio Bello de Carvalho, à época o grande incentivador da velha guarda do samba, tratou de juntar os três músicos, já idosos, para viabilizar o disco Gente da Antiga.
Pixinguinha, hoje uma Entidade da mitologia brasileira, tanto quanto Zumbi dos Palmares, D. Pedro II e o Preto Velho, estava sem gravar desde os ano 50, já havia enfrentado o alcoolismo e trocado a flauta pelo sax tenor. Vivia de aparições no rádio e na TV. A fase não era exatamente ruim, mas ele andava sumido. João da Bahiana também tem seu nome garantido na história por ter sido, segundo ele próprio, o primeiro a colocar o pandeiro no samba. Compositor calcado na tradição africana, ele já colaborava com Pixinguinha desde os anos 20 e foi o primeiro a deixar um depoimento para a posteridade no Museu da Imagem e Som no Rio de Janeiro.
Clementina de Jesus, por sua vez, não teve uma bela história nos primórdios da música nacional. Sua carreira profissional, na verdade, começou aos 60 e tantos anos, após ser descoberta pelo próprio Hermínio de Carvalho. Antes, trabalhara como empregada doméstica e sua experiência artística se limitava a entoar cantos de escravos, sambas e lundus antigos durante o serviço. Cantou ainda ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Milton Nascimento. Além da história em si, o interessante nisso tudo é que a voz de Clementina era simplesmente terrível!
Terrível, pavorosa. Anasalada, gutural, desafinada. Ainda assim, nenhuma outra cantora merece mais o status que Clementina conquistou (além-vida, é verdade). E nenhuma outra pessoa teria encaixado tão bem com Pixinguinha e João da Bahiana em Gente da Antiga. Porque, se a cantora tinha pouca instrução, possuía um conhecimento empírico do Brasil urbano e pobre que poucos sequer imaginariam. Sua sabedoria era baseada em sua humildade, amabilidade (era chamada de mãe por todos que a rodeavam) e nas raízes que mantinha, em forma de canção, na ponta da língua.
Juntos, os três músicos “da antiga” trouxeram de volta aos olhos do público a lógica de um povo e época simples, porém alegres. Músicas como Yaô, Quê Quê Rê Quê Quê e Mironga de Moça Branca apresentam palavras e ritmos de origem africana praticamente esquecidos pela sociedade de então. Já Cabide de Molambo (o melhor título de música de todos os tempos!) e Batuque na Cozinha falam a língua da malandragem sambista, tão exaltada pelos malandros modernos da bossa nova. Há ainda o saxofone de Pixinguinha serpenteando pelos choros Os Oito Batutas, Elizete no Chorinho e – lá vem outro belo título – Aí seu Pinguça.
Difícil não apreciar a competência dos três. Técnica, no caso do saxofonista; histórica, no caso do pandeirista e cantor; e afetiva no caso da cantora. Gente da Antiga daria um filme. Dos bons. Poucos anos depois, os três envolvidos foram chegando ao final de suas vidas, um a um. Não fosse pelo grande trabalho pregresso, o álbum de 1968 já valeria para tatuar seus nomes na música popular brasileira. Acabou servindo como última homenagem – a eles próprios e a um momento que nunca mais será repetido.
Póslúdio: Se Gente da Antiga fez parte de um movimento de resgate de nossas origens e, consequentemente, enriqueceu nossa música, talvez seja essa a solução para o amontoado de lixo que esmaga a arte pretensamente “séria” no Brasil. O caminho pode ser enclausurar essa molecada de Cine, Restart, junto com Anas Carolinas e Marias Gadú, num calabouço e obrigá-los a escutar samba antigo ininterruptamente. Não sei. É só uma sugestão...
Em 1968, Pixinguinha, João da Bahiana e Clementina de Jesus eram “gente das antigas” na nossa cultura. A bossa nova já havia conquistado o mundo e mudado a lógica da arte brasileira e a tropicália se firmava como o que havia de mais moderno e desafiador. Mesmo assim, começava nas altas rodas intelectuais um movimento de valorização dos grandes compositores que pavimentaram a estrada da música pop nacional. Hermínio Bello de Carvalho, à época o grande incentivador da velha guarda do samba, tratou de juntar os três músicos, já idosos, para viabilizar o disco Gente da Antiga.
Pixinguinha, hoje uma Entidade da mitologia brasileira, tanto quanto Zumbi dos Palmares, D. Pedro II e o Preto Velho, estava sem gravar desde os ano 50, já havia enfrentado o alcoolismo e trocado a flauta pelo sax tenor. Vivia de aparições no rádio e na TV. A fase não era exatamente ruim, mas ele andava sumido. João da Bahiana também tem seu nome garantido na história por ter sido, segundo ele próprio, o primeiro a colocar o pandeiro no samba. Compositor calcado na tradição africana, ele já colaborava com Pixinguinha desde os anos 20 e foi o primeiro a deixar um depoimento para a posteridade no Museu da Imagem e Som no Rio de Janeiro.
Clementina de Jesus, por sua vez, não teve uma bela história nos primórdios da música nacional. Sua carreira profissional, na verdade, começou aos 60 e tantos anos, após ser descoberta pelo próprio Hermínio de Carvalho. Antes, trabalhara como empregada doméstica e sua experiência artística se limitava a entoar cantos de escravos, sambas e lundus antigos durante o serviço. Cantou ainda ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Milton Nascimento. Além da história em si, o interessante nisso tudo é que a voz de Clementina era simplesmente terrível!
Terrível, pavorosa. Anasalada, gutural, desafinada. Ainda assim, nenhuma outra cantora merece mais o status que Clementina conquistou (além-vida, é verdade). E nenhuma outra pessoa teria encaixado tão bem com Pixinguinha e João da Bahiana em Gente da Antiga. Porque, se a cantora tinha pouca instrução, possuía um conhecimento empírico do Brasil urbano e pobre que poucos sequer imaginariam. Sua sabedoria era baseada em sua humildade, amabilidade (era chamada de mãe por todos que a rodeavam) e nas raízes que mantinha, em forma de canção, na ponta da língua.
Juntos, os três músicos “da antiga” trouxeram de volta aos olhos do público a lógica de um povo e época simples, porém alegres. Músicas como Yaô, Quê Quê Rê Quê Quê e Mironga de Moça Branca apresentam palavras e ritmos de origem africana praticamente esquecidos pela sociedade de então. Já Cabide de Molambo (o melhor título de música de todos os tempos!) e Batuque na Cozinha falam a língua da malandragem sambista, tão exaltada pelos malandros modernos da bossa nova. Há ainda o saxofone de Pixinguinha serpenteando pelos choros Os Oito Batutas, Elizete no Chorinho e – lá vem outro belo título – Aí seu Pinguça.
Difícil não apreciar a competência dos três. Técnica, no caso do saxofonista; histórica, no caso do pandeirista e cantor; e afetiva no caso da cantora. Gente da Antiga daria um filme. Dos bons. Poucos anos depois, os três envolvidos foram chegando ao final de suas vidas, um a um. Não fosse pelo grande trabalho pregresso, o álbum de 1968 já valeria para tatuar seus nomes na música popular brasileira. Acabou servindo como última homenagem – a eles próprios e a um momento que nunca mais será repetido.
Póslúdio: Se Gente da Antiga fez parte de um movimento de resgate de nossas origens e, consequentemente, enriqueceu nossa música, talvez seja essa a solução para o amontoado de lixo que esmaga a arte pretensamente “séria” no Brasil. O caminho pode ser enclausurar essa molecada de Cine, Restart, junto com Anas Carolinas e Marias Gadú, num calabouço e obrigá-los a escutar samba antigo ininterruptamente. Não sei. É só uma sugestão...
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