Ficou bastante singelo esse texto. Saiu na Tribuna em junho.
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Jenifer tem 14 anos e está na oitava série, ansiosa para chegar logo ao ensino médio. Sua vida é bem normal para uma garota de sua idade. Ela vai para a escola, consegue passar raspando em química e matemática, conversa sobre coisas de garota com suas amigas no intervalo e suspira pelos gatinhos do segundo colegial. Ao chegar em casa, almoça e corre pro computador, onde acessa seu Orkut, abre o MSN e se engaja em sua função favorita: a de fã do Restart.
Jenifer gasta toda a mesada com produtos relacionados ao grupo, desde ringtones até camisetas. Liga na rádio para pedir a música deles, discute com outros fãs na comunidade do orkut e passa horas no Messenger planejando uma ida ao próximo show da banda. A devoção é tanta que a única apresentação do Restart presenciada pela garota figura entre os top três momentos de sua vida (ou assim diz a emoção).
Em geral, ela é uma adolescente que se dá bem com a maioria das pessoas no colégio. A única rixa da turma de Jenifer, assim como ela, fã de Restart, é com a turma da Joyce, todos fãs de Luan Santana. O cantor sul-mato-grossense, do hit Tô De Cara, faz o tipo de Joyce e suas amigas porque é gatinho e toca um tipo de country/sertanejo que poderia muito bem ser confundido com pop rock americano. O som dele não incomoda Jenifer (que até já se pegou cantarolando uma ou outra faixa do cantor). O grande problema é que Luan e suas fãs são mais comuns, mais populares e não se enquadram no estilo multicolorido do Restart.
Joyce, por sua vez, acredita que a cara alternativa dos policromáticos é muito afetada. “Coisa de gente que quer ser mais do que é”, ela comenta com os chegados. Tanto Jenifer quanto sua antagonista não dão muita bola para isso, mas poderiam incluir entre seus argumentos a velha guerra entre independente e mainstream: Santana é da Som Livre, enquanto o Restart faz parte da pequena Maynard Music. Ambos, no entanto, fazem sucesso similar.
Mesmo ignorando alguns argumentos mais consistentes (e talvez justamente por isso), Stella e Mari, amigas de Jenifer e Joyce, respectivamente, acabaram discutindo na semana passada. Quase saíram na mão. O motivo, torpe, você já deve imaginar qual foi. O diretor da escola, Seo Olavo, quarenta e nove anos, dois divórcios nas costas e um vício chato em café, não estava num bom dia para picuinhas adolescentes. Chamou os dois grupos para uma conversa, a fim de entender qual a grande diferença entre Luan Santana e Restart.
Primeiro perguntou a cada grupo o motivo de tanta adoração aos artistas. As respostas das meninas foram quase que rigorosamente iguais: meninos bonitos que falam sobre o universo delas. “E como é esse universo?” Mais uma vez, réplicas quase idênticas. Amizade, escola, saídas, namoradinhos... O litro de café ingerido pela manhã começou a confundir a cabeça do diretor, que resolveu procurar, então, os pontos divergentes.
“Por que você não gosta de Restart?”, perguntou a Joyce. “Olha, Seo Olavo, não é que eu não gosto de Restart. É só que eles são muito frutinhas, sabe? Essas roupas coloridas... E os fãs se acham os diferentes”. A mesma pergunta foi feita a Jenifer, dessa vez em referência a Luan Santana. “Ah, professor. Eu acho esse Luan muito zé povinho. O Restart, sim, entende a gente, os alternativos”. Sem encontrar muita sustança nas respostas, inquiriu: “Mas ‘pera lá. Pelo que eu sei, tanto Restart quanto Luan Santana andam bastante populares. Como é que um é zé povinho e o outro alternativo?”
Carlinha, a mais informada entre as coloridas, revelou que o sertanejo andava aparecendo no Faustão para receber prêmios de TV de Domingo. O que ela não contava é que Juju, sua contraparte country, também tinha um dado na ponta da língua: “Ei, e seu querido Restart? Esses dias mesmo apareceu no Gugu”. Em minutos, sem que percebessem, as meninas entraram numa espiral de contradições e confrontamentos. Não sabiam mais se defendiam o lado alternativo de seus ídolos ou se expunham, com orgulho velado, suas conquistas profissionais. As conquistas, aliás, vinham em maior número e aproximavam cada vez mais coloridos e sertanejos.
O diretor, confuso, coçou a quase-careca e ajeitou os óculos. Ficou observando a discussão por algum tempo e tomou mais um gole de café, até que desistiu. Interrompeu a algazarra com a pergunta-chave daquela reunião enviesada. “Afinal de contas, qual a grande diferença entre o Luan e o Restart?” Nenhuma das garotas se prontificou a responder. Encararam Seo Olavo com olhares confusos, em silêncio, por quase dois minutos, até que foram dispensadas para o intervalo.
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