Tuesday, July 20, 2010

Ronnie James Dio e o Escapismo do Heavy Metal

A morte de Ronnie James Dio revelou o tamanho do abismo que existe entre o heavy metal e o “mundo real”. E, como prevíamos, ele é imenso. Seu falecimento teve manchetes em todos os principais veículos de notícia, além de ter inspirado notas de pesar e declarações emocionadas acerca de sua pessoa e seu trabalho. Mas tudo isso, claro, pela grata posição que ocupou durante anos de sua vida: a de membro do Black Sabbath.

Para entender Dio e as declarações do parágrafo anterior, primeiro precisamos entender as duas faces existentes do metal. A face clássica, sombria, iconoclasta, que surgiu do descontentamento hippie, e a face meio constrangedora, dos moleques pré-adolescentes e suas camisas puídas do Nightwish.

O heavy metal viu a luz do dia no final dos anos 60, com a sonoridade selvagem do Blue Cheer e seu primeiro álbum, Vincebus Eruptum. Um pouco depois, Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward formatariam a temática e o humor do estilo com seu Black Sabbath. A idéia era simples: se as pessoas pagam ingressos para se assustar com filmes de terror, por que não tentar um conjunto musical de terror? Aliado a isso, havia o desgosto de quatro jovens da cinzenta Birmingham, sem muitas perspectivas para o futuro nem identificação com os hippies coloridos e despreocupados. Ou seja, o metal nasceu dentro de quatro caipiras entediados e com vontade de assustar um bom número de incautos.

Só que um povo meio burro entendeu errado toda essa mensagem e apareceu com o começo do fim, também conhecido por New Wave of British Heavy Metal. Dentro do movimento, Iron Maiden e Saxon, que levaram a premissa da banda de terror a lugares risíveis. Até hoje, tenho Bruce Dickinson e seu shots de lycra como referência de música ruim. Pior mesmo foi o movimento que desencadearam: o power metal, ou metal melódico. A referência primal dessas bandas, com seus cabelos cheios de laquê e letras sobre elfos e duendes não é aquele Sabbath de 1969, que fazia as criancinhas molharem as calças. É outro.

Ozzy foi demitido do Black Sabbath e substituído pelo vocalista do Rainbow, Ronald James Padavona, o Dio, em 1979. A interpretação de Dio destoava demais do que fazia seu predecessor, porque era forte, épica, expansiva. Claro, Padavona sempre foi melhor cantor do que Osbourne. A partir disso e dos peitos cabeludos – mutcho machos – que inundavam o heavy metal do começo dos anos 80, o Black Sabbath se tornou outra banda, mais teatral, mais óbvia. Dio, junto com outros metalíferos de sua época, tornou-se exemplo de integridade e postural “metal”.

O problema é que, na “vida real”, o mundo estava em outra. O punk e o pós-punk seguiam muito mais pelo caminho niilista do Black Sabbath do que o próprio Black Sabbath. Os embriões do hip hop, a disco music, o revival do country, nada disso apontava para elfos, castelos, morte, bicho-papão. Durante a guerra fria, o escapismo deu lugar ao conformismo e ao combate, por isso guerreiros vestidos com calças de couro em palcos de 12 metros de altura pareciam arcaicos e constrangedores. Daí, o metal institucionalizado por Dio deixou o Planeta Terra para sempre. Hoje em dia, ele reside nessas camisetas de banda e na molecada perseguida na escola. Costuma, inclusive, ficar por lá quando esses adolescentes crescem.

O nefasto da obra de Ronnie Dio não são suas bandas e LPs, e sim seu legado. O respaldo que deu a múmias, castelos, cavalos e espadas forçou a entrada do escapismo num estilo bastante lúcido, ainda que pessimista. Assim, trouxe também o ostracismo para si mesmo (o que, para certos fãs de metal, é um símbolo de honestidade).

Engraçado que, nos últimos tempos, o metal tem ressurgido entre as pessoas “normais”, apesar do desvio de percurso que foi a NWOBHM e a fase de Dio no Black Sabbath. Por causa dessa clausura forçada, alguns metaleiros realmente extremos, influenciados por Thrash Metal e Stoner Rock (por sua vez influenciados diretamente pelo Sabbath do começo – acompanhou?) surgem como a verdadeira opção do underground frente um mainstream cada vez mais afetado, mais ou menos como era em 69. Ainda bem, porque se não fosse a música pesada, talvez minha vida não tivesse mudado quando escutei Queens of the Stone Age e System of a Down aos 12 anos.

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