Sobre o SP Noise. Agradecimento à Ana, pela credencial de convidado (é esse o nome?), ao povo da Bizz, pela companhia, e ao Renato, do Black Drawing Chalks, pelas dicas de pedais.
Mais uma coisa, reabri os comentários.
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Parece que as pessoas têm medo de barulho. Estranhamente, a primeira edição do braço paulista do Goiânia Noise Festival, estava às moscas na sua hora oficial de abertura. Pode ser culpa do horário (e do trânsito, num fim de tarde de sexta-feira) ou do line up pouco conhecido pelo público em geral, mas a real é que nem eu estava lá a tempo. Por volta das 19h00, cheguei apressado, pensando que já havia perdido alguma (ou muita) coisa, mas as portas nem abertas estavam. Um pouco depois, com quase 1h30 de atraso, a entrada foi permitida.
Emendada com a abertura dos portões, começou a apresentação do Black Drawing Chalks, de Goiânia. Alguém havia dito que é a melhor banda de rock ao vivo no Brasil. Pelo que tenho visto por aí, provavelmente a informação se confirma. Apesar de o som estar embolado no Palco 2, dava pra absorver todo o peso e paudurice da banda. Sem frescura, sem roupinha “de palco”, sem pose, sem querer estar nos anos 50. Mas parece que o povo tem medo de barulho, mesmo, a julgar pela distância que mantinha do palco. Não importa realmente, porque o problema de organização e o público acanhado não estragaram a apresentação de uma banda independente que, enfim, não copia os Stooges.
Em seguida, The Tormentos, da Argentina, abriu o palco principal, com um som melhor. O mundo não é justo, porque, sem firula e panos quentes, The Tormentos é uma bela bosta mole e merecia, no máximo, o som que estava disponível pro Black Drawing Chalks. Surf rock repetitivo, bateria monocromática, toda a parte ruim do rock. Música não é competição, mas é irresistível: não basta apanharem no futebol, os argentinos também comem na nossa mão quando é pra fazer rock.
Mesmo assim, honraram o nome do festival: era barulho, não tinha pose, Kaiser Chiefs, Cosplay folk, óculos de aro grosso e dedo enfiado no cu. E tinham presença de palco, o vocalista falava bom português e entretinha a platéia. Isso foi o mais legal, porque refletia um pouco o melhor do festival, a casualidade de tudo, bandas que se comunicam realmente com os espectadores, músicos que saem do camarim para assistir aos outros shows e conversam com o público, que não parecia estar ali pra fazer número ou “ser visto”. Mais ou menos como as coisas deveriam ser.
Até por esse aspecto “acolhedor”, Motek, no palco principal, acabou passando meio batido, fiquei conversando com as pessoas, pedindo dicas de pedais pro guitarrista do Black Drawing Chalks e coisas assim. Mal, ninguém é perfeito.
Ambervisions, penúltima banda no Palco 2, continuou com o barulho. Sinceramente, pareceu mesmo só isso: barulho por barulho, mas pode ser que eu não estivesse no clima, ou não tenha o ouvido suficientemente apurado. Ainda assim, a presença de palco da banda valeu pelo show. A apresentação ao vivo é a catarse, não precisa ser musicalmente impecável para ser boa. Por isso, cada vez que o vocalista, com sua máscara tosca de lutador mexicano (ou assaltante), dizia “Boa noite, nós somos o Black Mountain”, com uma ironia que inexiste no indie paulistano, eu sentia uma pontada de esperança no alto do estômago. Toda vez que ele descia do palco e andava entre o público, cambaleando, dava até pra imaginar um mundo em que moleques chorões seriam proibidos de pegar em instrumentos musicais.
Flaming Sideburns foi a que chegou mais perto da afetação irritante do rock. Li por aí que o vocalista parecia uma mistura de He-Man com David Johansen, e é bem por aí. Esse tipo de afetação irrita, porque ninguém sai na rua com calça de oncinha. Mas a música em si não era fake, era tocada com tesão. Talvez a mensagem seja essa: você pode manter o pensamento no passado e não inovar se seu produto final for bom o suficiente.
Saí durante as últimas músicas para pegar uma cerveja, cerrar um cigarro de alguém (os meus acabaram cedo demais) e postar-me bem à frente do palco principal, onde o Black Mountain tocaria em seguida. Alguns meses atrás, perdi uma oportunidade de vê-los ao vivo, então dessa vez resolvi ficar bem perto, na grade. Dignidade inexiste por aqui. Mas valeu a pena. O ambiente foi lotando, dava pra sentir a empolgação, a vontade pura de ver o show. É como se as pessoas tivessem perdido, finalmente, o medo de barulho.
Rock não é música pra gente educada, mas a conduta da platéia, que não empurrava, não fazia rodinha e coisas do tipo, somada àquele aspecto “acolhedor” mencionado anteriormente, fizeram com que, sei lá, o clima ficasse propício. Mesmo com toda a porrada e psicodelia, foi o show mais aconchegante que eu já vi.
Começaram o set com Stormy High, Angels, Wucan e Druganaut, nessa ordem. Nada poderia ser mais perfeito, foram 4 das músicas mais intensas que eu já presenciei, as pessoas balançavam o corpo, estava todo mundo em sintonia. Amber Webber é uma deusa, Stephen McBean é um gênio, baixo, bateria, teclado, moog, platéia, cervejas, tudo comungado numa experiência sensacional. Sinceramente, esqueci qual foi a quinta música (Evil Ways, talvez), mas ela manteve o pique e, ao seu final, quando parecia que tudo ia engrenar mais ainda e todos seríamos engolidos por um acontecimento quase orgásmico, o show foi interrompido abruptamente.
Ficamos frustrados, querendo mais. Os seguranças nos empurravam em direção à porta, limitavam o uso do banheiro, tudo para que saíssemos o mais rápido possível da Eazy. Não digo isso com os olhos ofuscados pela homofobia, mas sim pela indignação: INTERROMPERAM NOSSO BLACK MOUNTAIN PRA QUE UM MONTE DE BICHINHA VIESSE DANÇAR HOUSE MEIA HORA DEPOIS.
O público culpou os produtores e estes depois explicaram que o problema foi mesmo o horário de término combinado com a casa. Sendo bem justo, acho que a culpa pode ser dividida entre os produtores, que fecharam um acordo com um horário muito apertado, os espectadores atrasados, que impossibilitaram a realização de um show (imagine a primeira banda tocando para 3 pessoas ou coisa do tipo) e a inflexibilidade da Eazy.
Mesmo com todos os problemas, o primeiro dia do SP Noise teve um balanço positivo, pelas boas apresentações e clima – repito – aconchegante. Comercialmente, percebe-se que não foi um sucesso, mas, se houver perseverança, podemos estar presenciando a criação do nosso próprio festival. Sem empresa de telefonia, sem Medina, sem frescurada. Imagina só?
1 comment:
"INTERROMPERAM NOSSO BLACK MOUNTAIN PRA QUE UM MONTE DE BICHINHA VIESSE DANÇAR HOUSE MEIA HORA DEPOIS."
HAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHA
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