Escrevi este pra Tribuna, saiu há duas semanas. Meu preferido até agora. Dei uma leve chupinhada no Lester Bangs no finalzinho do texto, vê se saca aonde.
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Se você não conhece Cash pela sua música, é possível que tenha assistido à sua cinebiografia, erroneamente intitulada Johnny & June no Brasil (como se a vida do maior nome do country americano fosse uma comédia romântica bem bobinha). Mas Joaquin Phoenix é muito mais bem apessoado do que o personagem que interpreta e pode ser que você se confunda: Johnny Cash tinha cara e voz de velho desde sempre, e foi assim que apareceu para o mundo, com With His Hot and Blue Guitar.
Logo nesse primeiro álbum, sua música mais famosa e emblemática apareceria. Folsom Prision Blues foi provavelmente a primeira canção composta pelo cantor, quando mal sabia segurar uma guitarra, e fala sobre as agruras de estar preso. Mesmo sem nunca ter pisado numa carceragem, Cash conseguiu captar o espírito da coisa e tornou-se uma espécie de padroeiro dos presidiários americanos. Esse tipo de atitude, somada à sua voz honesta e música cascuda, garantiu moral e “credibilidade de rua” para o músico entre os fãs machões de country nos anos 50.
Mas ele nunca se limitou à música caipira. Surgido na gravadora Sun, casa de Elvis Presley, Carl Perkins e Jerry Lee Lewis (além de outros pioneiros do rock), chegou a gravar alguns rocks com os três, numa sessão lendária nos estúdios da gravadora. O nome é sugestivo: The Million-Dollar Quartet. Além disso, durante sua carreira, Johnny gravou cerca de 10 álbuns de hinos religiosos, em homenagem à sua formação musical, nos campos de algodão do Arkansas, quando ainda era J. R. Cash (seus pais não conseguiram pensar num nome e o batizaram apenas com as iniciais).
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Os anos 70 foram melhores para J. R., que se tornou “o homem de preto”, por causa de sua vestimenta, que ele justificou quase como uma tarefa: “Quando nos lembramos dos que ficam para trás/Na sua frente deve haver um homem de preto” (Man in Black, 1971). Cash ainda teve um programa de TV, pediu reforma prisional para o presidente Nixon e montou o supergrupo de country The Highwaymen com Willie Nelson, Kris Kristofferson e Waylon Jennings. Nos anos 80, porém, sua fama começou a minguar e é aí que entra Rick Rubin.
O produtor e dono da gravadora American Recordings assinou com o homem de preto e investiu na sua carreira. Os discos de Cash pela American mostram um senhor maduro, mas ainda vital. Sua faceta de intérprete capaz de subverter a lógica de uma canção aparece mais do que nunca, com menos composições próprias do que seus álbuns anteriores. Cabeça aberta que sempre foi, ele regravou músicas de artistas como U2, Soundgarden, Beatles e Depeche Mode como se fossem suas. E o resultado é emocionante.
Conforme a série avança, sua voz vai enfraquecendo, mas sem perder coragem e integridade que sempre possuiu. Johnny Cash morreria em 2003. Sete anos depois, Ain’t No Grave ainda é importante porque, como diz o refrão da primeira música do trabalho, não há cova que segure seu corpo. Amém.
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1 comment:
Hung my head, do american IV eu acho, sempre me arrepia.
cash era foda.
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