Sunday, January 28, 2007

Small Talk de Começo de Ano... Hell Yeah!

Está aberta a temporada de lançamentos de discos de 2007, ou qualquer besteira do tipo. Janeiro é um mês mezzo morto, mezzo vivo, vários anúncios, pouca coisa concreta. Mas o vazamento do disco novo do Arcade Fire na última sexta abre oficialmente o ano de 2007 na música. Mais que isso: Andrew Bird, Fall Out Boy e Clutch já têm seus novos trabalhos sendo ouvidos por aí. Além disso, o Pearl Jam anunciou uma segunda tour na Europa em dois anos, e Young Modern, novo do Silverchair, deve vazar nos próximos dias.

Para esse ano são esperados Queens of the Stone Age, Metallica, Kings of Leon, Chris Cornell, Brant Bjork, Coldplay, Courtney Love, Los Hermanos, Velvet Revolver, Black Crowes, Smashing Pumpkins, Fu Manchu... AC/DC? Jerry Cantrell? John Frusciante? DVD do Matanza? Chinese Democracy??? Há!

A idéia é dar uma "profissionalizada" nesse blog, ou coisa do tipo, comentando os lançamentos, que afinal, são os discos que são resenhados no "mundo lá fora". Por isso, resenhas de discos de 72 vão ser menos frequentes, ou então até serão frequentes, se eu adquirir mais um par de braços e fizer atualizações a cada 2 ou 3 dias. É uma idéia, pode ser até uma meta. Pelo menos até julho.

E para isso, pretendo aquecer... Fazer uma pré temporada (ainda que esteja muito em cima da hora) lendo alguns certos livros que me inspiram. Vai ser uma beleza, amiguinhos!

Neon Bible, o novo disco do Arcade Fire, vazou e, embora eu tenha relutado em baixar, não resisti. E valeu a pena. Ainda não é nada definitivo, preciso esperar a empolgação passar, mas tá com cara que é melhor que o Funeral. Enquanto o primeiro disco é mais experimental, esse novo parece mais melodioso e intenso, além de ter forte influência do caos que o mundo (aquele que a América do Norte manda, sabe?) está inserido. E, olha que legal, parece totalmente sincero.

Alias, falando em sinceridade, o assunto Eddie Vedder morreu. Cansei de falar dele, cansei de gente que não sabe escrever uma carta pra mãe vindo reclamar de mim e, sobretudo, cansei de encarar a decadência da minha banda preferida, quero me alienar disso, quero pensar que o Pearl Jam ainda é lindo e maravilhoso!

Ouvindo: No Cars Go - Arcade Fire

Friday, January 26, 2007

Eddie Vedder e a Decadência

Falar mal de uma banda com “status inatingível” como o Pearl Jam pode dar merda. E mesmo que você jure de pé junto que é sua banda preferida, afinal, o povo vai chiar, vai duvidar de você, vai tirar conclusões precipitadas. Bem, é disso que é feita a crítica musical, e se não é polêmica, não é boa.

Alguns questionamentos sobre o artigo "Pearl Jam e a Decadência" foram levantados, e certos aspectos ficaram mal explicado ou mesmo obscurecidos pelo meu texto, levemente disléxico às vezes.

Derrubar Eddie Vedder é complicado, porque mexe com os brios das pessoas, amedrontadas em ver um herói seu caindo por terra. Ora, e será que elas não estão amedrontadas justamente porque ele não é mais o que era? Será que Vedder só é tido em tanta estima simplesmente por ter sido o que foi? Repito, ele era o símbolo do rockstar que todo mundo queria ser: Maluco e porra louca, sim, mas articulado e engajado quando sentava à frente de alguém com um Q.I. de uns dois dígitos que tentasse ou quisesse entendê-lo. E agora, o que ele é?

Muita gente ridicularizou (ou só tentou, quando Tico e Teco estavam sonolentos) o texto naquela parte em que a paixão ostensiva do ex frentista pelo surf era questionada. “Vedder sempre surfou, nhé nhé nhé!”. E eu não sei? Mas precisa fanfarrear tanto? Esse culto exagerado ao próprio hobbie, inclusive, é mui contraditório. Eddie ultimamente parece um daqueles caras, tipo Donavon Frankenreiter, que só consegue vender disco se mostrar que sabe subir numa prancha e que tem casa no Havaí. E são os próprios fãs mais puristas que falam que o Pearl Jam não deve satisfação pra ninguém, que não precisam fazer tipo e nem vender disco. Cadê a coerência aí?

Os menos puristas, os que admitem que uma banda tem que vender discos, sim, discordam de mim ao dizer que a nova verve política de Vedder e seus companheiros serve pra vender disco, realmente, mas que ela não é nem um pouco enfadonha. Qual o que! Se os discursos políticos do Pearl Jam não são chatos, minha noção de diversão anda bem distorcida. Quem lembra daquele bootleg deles que chamava “No Fucking Messiah”? A atual fase de Eddie Vedder toma conta de desmentir esse título, seja o sentido dele qual for. O cara está crente de que é a solução perfeita e a curto prazo do problema dos Estados Unidos e faz questão de deixar isso bem claro quando, de uma forma muito bem humorada, muito en passant, anuncia suas músicas políticas ou fala mal de alguém (Da política, claro! Ele não quer ter inimigos no meio da música, ele é Mr. Nice Guy) com aquela propriedade, com aquele know-how falso que tanto me enoja. Dos shows da turnê 2006 do Pearl Jam, só me lembro de ter percebido sinceridade, e, consequentemente, sentido simpatia num discurso do frontman em St. Paul, acho. Ele comentava, nitidamente surpreendido, a decisão de um bilionário em doar a maior parte da sua fortuna (coisa de US$34 bi) para a caridade. E olha que interessante, essa fixação do Vedder por caridade (que não critico, acho bonita, aliás) faz parte da sua “indumentária” política e, foi só ele parecer sincero, que eu já simpatizei com a causa.

Rock sempre teve a ver com sinceridade, nunca foi um estilo que demandasse “estar por dentro”, se incluir. Você pode não tocar nada, mas ser criativo, e você já é um rockstar. Vedder parece que desaprendeu isso. Abnegou da música em prol da panfletagem, quis entrar pro grupinho dos garotos legais. É como se ele se obrigasse a escrever sobre os mesmos temas que todo mundo está escrevendo em vez de ir de acordo com seus sentimentos, suas vontades. Repito o que eu disse anteriormente para uma das pessoas que comentou o fatídico texto: Eu duvido que a essa altura o Eddie fosse capaz de escrever uma música como Sometimes sem se sentir um porco alienado. E não é nada disso, o talento não corresponde a demanda, a inspiração não vem sob condições. Isso que Vedder sente é medo.

Eddie Vedder se revelou, na verdade, um belo cagão. Nunca teve colhões pra sair em carreira solo, nunca os teve pra montar uma outra banda e não está os tendo agora, quando escreve música política no “vai-da-valsa”. É fácil se apoiar no Pearl Jam, uma das últimas bandas intocáveis, difícil é colocar teu nome na capa de um disco e falar tudo o que você sente sem mais quatro caras dividindo a conta do pato. E não é que o Vedder não contribuiu, e muito, para o Pearl Jam ser o que é, mas usar a banda como salvaguarda é o maior sinal de que, talvez, ele não a ame mais como a gente ainda ama.

Outra engraçada do último ano: EV simulando uma limpeza de bunda com as páginas da Rolling Stone que tinham a matéria com ele. Molecagem sem classe e constrangedora. A senilidade teatral de Vedder chegou a níveis que ultrapassaram o limite seguro, protestando contra uma matéria que ele mesmo contribuiu e autorizou! Ou será que obrigaram-no a participar da revista, como parte de alguma conspiração? Será que apontaram uma arma na cabeça da mulher dele (Aliás, mais alguém lembra? “Model, role model, roll some models in blood”)? Bem provável que não.

Qualquer um que tenha polegares invertidos sabe que as atitudes de Vedder andam tão fora de moda quanto polainas. Dizer que o Pearl Jam já é carta fora do baralho é doloroso e precipitado, mas se as coisas continuarem assim, vislumbro um fim melancólico pra uma das bandas mais emocionadas e sinceras que eu já ouvi falar.

Oh, e só uma recomendação. Corta essa de “It’s Evolution, Baby!”, isso aí é clichê e me faz pensar que você não é uma pessoa interessante.

Tuesday, January 23, 2007

Pearl Jam e a Decadência

Músicos de rock não são como vinho. Ou pelo menos uma boa parte deles não é. A máxima do Rock and Roll ainda é a mesma de James Dean e River Phoenix: “Viva rápido, morra cedo, deixe um cadáver bonito”. E não é preciso ser tão literal quanto a “morrer cedo”, basta, sei lá, se lançar em uma carreira solo obscura, virar embaixador da boa vontade da Unicef, abrir um restaurante, trabalhar de encanador...

Veja só como a idade não faz bem às bandas: Os Rolling Stones viraram uma piada de mau gosto, o U2 hoje se resume ao outdoor animado de Bono Vox, o AC/DC não fez nada digno de nota desde Back in Black e nada com qualidade desde a morte de Bon Scott. Eu poderia ficar horas aqui citando bandas que morreram e só esqueceram de deitar, mas acho que os três exemplos acima são bem ilustrativos. E paralelamente, não é fácil perceber quando uma banda está em processo de declínio.

Ou até é, se prestarmos atenção em alguns detalhes moqueados pela aura cool dos rockstars. Como por exemplo, a síndrome de Peter Pan que insiste em acometer gente tão díspar quanto Elvis e Wacko Jacko.

Alguém lembra da psique do Rei por armas de fogo? E daquela palhaçada de colecionar distintivos de polícia? Faz favor, o cara atirava em postos de gasolina, ele queria ser o Kojack... Mas não rolava, porque daí ele lembrava que, além de ter uma bela cabeleira, tinha que fazer música pra comprar o leitinho da filha e quem sabe mais um Cadillac de ouro maciço. Já Michael Jackson, bem, a casa do homem chama Neverland (ou chamava, parece que a receita abocanhou o shangri-la do popstar bicolor), além de tudo que todo mundo ouviu falar, por isso me economizarei.

Mas se tem alguém do qual eu posso falar, cuja decadência está sendo esfregada na minha cara, é Eddie Vedder. Entenda, ele parece estar numa ladeira, e sem freio. E é engraçado, porque o cara sempre foi uma das estrelas mais competentes que eu já vi por aí. Era porra louca o suficiente para pular de uma altura de 4 metros, num dos stage dives mais intensos que eu já vi, mas não ficava vomitando em estúdios de TV, sabia falar, sabia ser gente. Encarnava a máxima de que o segredo do sucesso é a moderação, e levantava multidões por onde passava.

Agora é um típico tiozinho na pior crise da meia idade. Ostenta pra quem quiser ver que ele sabe pegar onda, que tem amigos havaianos, que toca ukelele com Ben Harper e chamou pro Pearl Jam um tecladista que parece um vendedor de peixe de Waikiki. Veja bem, eu gosto do Boom Gaspar, acho-o um tecladista fenomenal, com uma presença magnífica, mas não tem como negar que ele só está lá pra servir de suporte pra nova fantasia tropical do senhor Vedder.

Além disso, nos últimos tempos parece que é tipo melhor amigo de Bono Vox e está ficando tão politicamente pedante quanto o beijoqueiro irlandês. Apesar de ter grandes sacadas, o mais recente álbum do PJ exagera no conteúdo político. Só pra lembrar, quais são mesmo as melhores músicas deles? Quantas dessas falam de política?

Pois é, mas tudo isso seria facilmente relevado se a música estivesse a todo vapor. Porém a acomodação finalmente bateu no Pearl Jam e, principalmente, em Eddie. Ele deu uma pesquisada aqui e ali, fez uma ou outra conta, chegou ao formato ideal de show para agradar todos os tipos de fã da banda e aí ligou o piloto automático. O famoso ovo na boca foi substituído por uma voz anasalada tão insuportável, acompanhada por solos tão infindáveis e babacas e uma bateria tão sem tesão que eu nem me dou mais ao trabalho de baixar aqueles famosos bootlegs oficiais. Pra que? Eu já sei como começa, como prossegue, quando pára e como termina. Talvez essa história de “setlist que varia” do Pearl Jam seja uma farsa tão contundente quanto o Milli Vanilli.

Enfim, não há muito a se fazer quando seu ídolo chegou naquela hora de colocar as chinelas de pelúcia, mas ainda insiste em fazer rock. Só torcer pra que ele abra um restaurante ou entre em coma.

Tuesday, January 16, 2007

Matanza em São Paulo (13/01/07)

Neste sábado fui ao show do Matanza no Hangar 110 em Sampa. Já é a quinta vez que o Matanza toca em São Paulo desde setembro. Deve dar dinheiro tocar por lá.

Foi um show fodido pra caralho, porra, os caras da banda elevam à décima oitava potência esse negócio de que insultar é uma arte. Seja empurrando pra baixo os cretinos que sobem no palco pra dar mosh, seja apresentando as músicas de uma forma, hum, pouco ortodoxa ("Vai tomar no cu, vovó! Bom mesmo é quando faz mal!") ou simplesmente tocando suas músicas rudes e desafiadoras.

Comecei a noite bebendo cerveja no bar da frente. Associei duas coisas de lá ao Rock Rocket, e concluí que seria a banda de abertura perfeita para qualquer show do Matanza precedido por um esquenta num boteco putrefato. Explicando: logo no começo, vi uma garota realmente bonita... Fiquei quase apaixonado (hahahaha, ô!). Fiquei cantarolando "A Mulher Mais Linda da Cidade" mentalmente até entrar no banheiro do lugar. Nojento, como em todo bar de esquina... Daí, era inevitável não pensar em "Cerveja Barata". Teria sido bom ver o Rock Rocket antes do Matanza, tendo em mente as duas outras bandas de bosta que eu já havia visto abrirem pra eles num show anterior. Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar. A banda de abertura parecia uma merda, e talvez realmente seja. Mas quando a frontwoman japonesa de cabelo moicano e meia arrastão tocou o riff de Whole Lotta Rosie, putz, eu fiquei realmente achando aquilo a coisa mais foda do mundo. Eu estava pegando cerveja na hora, e saí gritando pra todo mundo que via na frente "AC/DC, porra! AC/DC!!". Nada mais normal.

Acabou o show da japa punk, e todos no Hangar ficaram assim, esperando o Matanza. Uns 20 minutos e uns três cigarros depois, a banda entrou. Quer dizer, desde logo depois da abertura, já dava pra ver os integrantes da banda terminando de checar os últimos preparativos para entrar em cena (tem uma cortina, mas sabe como é, a molecada que fica na frente não resiste e espia). Mas nada disso importa. Quando subiu no palco em definitivo, o Matanza se transformou: Jimmy parecia realmente puto, Donida girava a cabeça como um ventilador sem errar uma única nota, China estava se divertindo para cacete e Fausto mantinha o ritmo com seus óculos escuros, emulando um Guy Patterson fanfarrão.

Abriram com a seqüencia matadora de Meio Psicopata e Interceptor V6, sem dúvida nenhuma duas das top 10. O show foi selvagem, eu me segurava pra nao cair no meio daquele bolo de gente se acotovelando e empurrando e me esforçava para desviar dos que se jogavam do palco. Essa brutalidade, esse caos de braços e punhos é exatamente a síntese do que o Matanza prega. E é nesse "cada um por si e deus contra todos", que você entende o que é arte do insulto: socos, cotoveladas e impropérios mútuos. São nos concertos do Matanza que fica mais evidente essa coletividade entre a banda e o público. Você emputece o vocalista Jimmy subindo no palco DELE e ele te manda montar a SUA banda, se quer subir no palco. E que se encostar nele enquanto lá em cima, tá fodido. Dizem que um dos caras que ele empurrou teve de sair dali carregado, que bateu a cabeça quando caiu. Quer atitude mais coerente de um artista do insulto?

Sendo o showman que é, Jimmy sabe que um show de rock é feito de rocks. Então não se alonga muito no culto à própria personalidade e a conversinhas tolas, apresenta as músicas de um jeito rápido e grosseiro, mas engraçado. Talvez seja por isso que a admiração por ele só cresça e cresça, o efeito reverso, mas provavelmente esperado. Mas até esses textos mais cultuados cansam o frontman, que é, afinal, humano. "Já cansei de falar essa merda todo show! O pior pesadelo de um homem, bla bla bla bla bla, ela roubou meu caminhão", diz ele, antes da primeira música de trabalho da carreira do Matanza. Antes era: "O pior pesadelo de um homem não é ela roubar sua comida, não é ela roubar sua bebida, não é ela roubar seu dinheiro... O pior pesadelo de um homem é ela roubar seu caminhão". Entende? A idéia agora é subverter tudo o que havia sido feito e deixar o novo show coerente com o título do novo disco.

E isso é feito muito bem, porque é realmente uma apresentação totalmente diferente de qualquer outra anterior. Contribuem para isso o aspecto supracitado e o set list maleável, característica das bandas que são grandes ao vivo. Nem as covers de Johnny Cash, praxe, mantêm-se. Na primeira vez que eu os vi, foram San Quentin e I Got Stripes. Dessa, Leave that Junk Alone e Cry Cry Cry. Além disso, ainda pude ouvir Imbecil, E Tudo Vai Ficar Pior e Ressaca Sem Fim. Bom, muito bom.

No fim, todos saíram de lá satisfeitos e cantando alto as músicas da banda. No metrô, enquanto ia embora, um último fato serviu para fechar o balanço da noite de forma bastante coerente: um bêbado que cantava alguma coisa ininteligível ficou me enchendo o saco incessantemente para eu fazer air guitar enquanto ele cantava. Mais ultrajante, impossível.

Monday, January 08, 2007

John Frusciante - Shadows Collide with People


Eu deveria estar dormindo. Faltam dois minutos pras quatro agora, e eu estou aqui fazendo um review. Pior: continuo com a minha mania irremediável de só fazer análises de álbuns relativamente velhos. Veja só, 2007 acaba de despertar em berço esplêndido e eu aqui ouvindo, absorvendo e tentando transpor para zeros e uns um disco de fevereiro de 2004. Mas vá lá, é o melhor disco de 2004! Possivelmente um dos três melhores dessa década (que ainda está longe de terminar, é verdade). Exagero? Tente escutar Shadows Collide With People e não considerar o disco, pelo menos, acima da média.

John Frusciante, o prolífico guitarrista dos Red Hot Chili Peppers, é um dos maiores músicos das décadas de 90 e 00, e meu sonho era vê-lo gravando numa banda com Jeff Buckley e Brant Bjork. Mas deixando isso de lado, são só devaneios do imaginário musical das dream bands, é realmente notável a maturidade musical que John atingiu em tão pouco tempo. Não estamos falando de Sinatra ou algum outro cantor que teve 50 anos pra burilar sua música tranqüilamente. Somente em 1989 ele gravou seu primeiro disco com os Chili Peppers e, mesmo assim, nesse ínterim, foi até o inferno e voltou (com o perdão da citação a Justin Hawkins). Duvida? Ouça então Smile From the Streets You Hold, disco de 97 que coincide com a pior época nas drogas de John e que foi feito pra conseguir dinheiro pra heroína. Se você conseguir imaginar a trilha sonora para um trapo ensangüentado sendo torcido sobre um moribundo, ou alguma coisa tão deprimente e sanguinolenta quanto, bem, você tem Smile From the Streets You Hold. E não é um disco ruim, exprime algum tipo de niilismo e arrependimento, principalmente o último, que você verá em Shadows Collide With People, mas não tem a classe deste. Quer dizer, um é um junkie desesperado gritando por heroína e o outro se trata de um junkie recuperado, arrependido pelo que fez e pelo que perdeu e também vendo agora a vida por outro prisma.

Shadows... é basicamente um disco sobre arrependimento e volta por cima e isso é passado totalmente para a música, de modo que não é preciso ler o trecho a seguir pra sacar isso.

”This is the time to die
I'm not someone on whom to rely
Chances come and chances go
This is letting you know”

As melodias dão conta de traduzir pra você o que John quer dizer. Entende como isso é, de certa maneira, especial? Basicamente todas elas são intrigantes, não te fazem ficar choramingando com a cara no travesseiro, mas também não são música pra se dançar de cueca pela casa (eu não faço esse tipo de coisa, que fique claro). Foram feitas para mexer com você, de uma forma ou de outra. Exemplo: antes de me pôr a escrever este review, eu estava tentando dormir ouvindo o disco. Mas meu organismo reage a esse álbum de uma forma estranha, num tipo de palpitação da alma, primeiro uma angústia que comprime meu peito e logo depois uma euforia que lateja bem nas paredes internas da minha costela. Pode ter a ver com o instrumental, sim, mas o grande trunfo de Frusciante aqui é mesmo sua voz.

Ela dança pela música toda, primeiro soando normalmente como soaria o canto de um cantor folk bem afinado, depois berrando angustiada, depois sumindo por baixo dos sintetizadores eletrônicos, aí sussurrando, resmungando aborrecida, ressentida... O coro inicial de Carvel é a prova inquestionável de que vocal é sim um instrumento. Poucas vezes vi a voz fundir-se à guitarra, bateria e baixo tão perfeitamente, e essa é a palavra, e tão sincera, também. Porque não estamos falando de fades ou zumbidos, e sim um coro forte e marcante.

E se Carvel escancara a habilidade de John em fazer harmonias, Omission tem como função, além disso, mostrar sua versatilidade ao tomar as decisões que os rumos das suas músicas devem seguir. Inesperada e inexplicavelmente, a música pop e limpa ganha um refrão acelerado (e paradoxalmente doce) e com uma levada eletrônica. E com extrema propriedade, aquilo fazia parte da música o tempo todo e você nem sabia! Não é trabalho só dele, a música tem co-autoria de Josh Klinghoffer, mas tudo bem. O imaginável não imaginado não se limita a Omission.

A princípio, todas as músicas tratam também de serem redescobertas e provarem que a música pop pode ser imprevisível (a idéia aqui era encontrar algum superlativo, mas acho que se é imprevisível, então não há porque fazer comparações). Second Walk, Wednesday’s Song, In Relief, todas, são assim.

Em determinados momentos, músicas sem letra e totalmente experimentais entram pra te colocar flutuando ou coisa do tipo. -00 Ghost 27, Failure 33 Object e 23 Go into End são John Frusciante orbitando em seu casulo, ou podem significar qualquer outra idéia ou alegoria. E essa é a beleza dessas faixas, a discordância que podem causar, e qualquer mito que possam criar.

Musicalmente o álbum supre qualquer necessidade de letra (e isso não é nenhum demérito, é só pensar que o Black Sabbath tem algumas letras bem infantilóides), mas quando o sujeito faz um disco desses, de redenção e arrependimento, ele não pode deixar o essencial se transformar em supérfluo, por mais que tenha o aval para isso. E as letras não deixam a desejar. O tema do remorso é recorrente no disco e a minúscula (mas significativa de qualquer maneira) letra de Regret resume tudo o que John Frusciante quer lidar com seu Shadows Collide With People.

“I regret my past
Stay alone”

Não apenas isso, a música também poderia ser algo como um estandarte da adolescência entediada e dramática que existe por aí. Ou a frase-emblema oficial de todos os ex-viciados em heroína do mundo. Poderia estar numa camiseta que vendesse horrores.

Mas nada disso importa, não é mesmo?

Shadows Collide With People é a redenção definitiva de um artista, que o suga para dentro da dor e esperança dele mesmo e ainda redefine certos conceitos da música pop (mesmo que não tenha influência suficiente pra mudá-los definitivamente). Não é isso que faz um grande disco?

Thursday, January 04, 2007

Nick Drake - Five Leaves Left

Breve explicação: Dois posts atrás (creio), eu disse que queria fazer alguma coisa parecida com o que o Lester Bangs fez com o Astral Weeks, de Van Morrison com esse Five Leaves Left. Paguei pela minha boca grande: meu texto não chega a sequer remeter ao do Lester - em estilo e em grandiosidade. Eu estava enferrujado na secular arte de escrever reviews de disco e não estava me sentindo seguro. Fica aí para registro, anyway.

Agradecimentos especiais ao Shepa, ao Djeguin e ao Rafael, que me deram sugestões preciosas para a resenha.


Nick Drake - Five Leaves Left

Five Leaves Left é o clássico que ninguém ouviu. É um fracasso como sucesso, mas é um sucesso como fracasso. Nick Drake é, naturalmente, um virtuoso. Se o conceito de “virtuoso” é (ou ainda é) alguém que simplesmente domina um instrumento e de olhos fechados faz firulas circenses com ele, eu me recuso a aceitá-lo. Para criar músicas como as que estão em Five Leaves Left, é preciso virtude, talento. É preciso que se tenha uma mente tão brilhante que mal caiba na própria cabeça.

Em 1969, Nicholas Drake não era ninguém, gravou um álbum genial e se tornou famoso e multimilionário? Não foi bem assim. Na “época do rock” de Lester Bangs, um cantor folk de uma cidade do interior da Inglaterra acabava passando despercebido pelos olhos do público, sedento ainda pela novidade do rock and roll. A Island Records também não conseguiu fazer a publicidade devida e o disco vendeu pouco.

A tragédia dos talentosos que só foram reconhecidos décadas depois é uma das mais contadas e ouvidas por todo mundo. Mas dizer que Nick é algo como o Van Gogh do folk é cair um pouco no lugar comum que ambos fugiam, ou pelo menos desviavam naturalmente. Mesmo assim, há semelhanças inevitáveis entre os dois. Como, por exemplo, saber que se está fazendo alguma coisa relevante e não obter fama e como isso afeta o trabalho posterior. Pink Moon e os últimos trabalhos de Van Gogh são bonitos, em parte, justamente por causa do sofrimento causado pela incompreensão e indiferença recebidas por suas artes antecedentes. Ou seja, dá pra ver que isso vai continuar pelas eras e que certos gênios só serão descobertos vinte, trinta, cem anos depois de terem feito seus clássicos de porão.

E não tinha porque Five Leaves Left ser esquecido. Se o cenário artístico e musical da época não era favorável, a mágica da canção acústica e orquestrada de Nick valia qualquer esforço para garimpar até achar o disco de capa verde perdido em alguma prateleira da Virgin Records. Começa com Time Has Told Me, uma das melhores primeiras impressões que um álbum poderia passar. River Man e Way to Blue têm as melhores incursões de cordas que eu já ouvi na música pop. Se é que Nick Drake é música pop. O conceito vulgarizado dela, de música descartável e de rádio FM inclinaria qualquer um a classificar a genialidade musical dele como qualquer coisa, menos pop. Mas se pensarmos em “música pop” como temas de fácil assimilação, então há um enquadramento perfeito. Logo na primeira audição, o álbum parece familiar e aconchegante. E é aí que você percebe que Nick te pegou, que pode ser que esse seja um dos seus preferidos.

Parece que era muito simples para ele compor. Bem, eu não estava lá, mas a naturalidade com que os demônios são exorcizados na música de Drake faz parecer que criar era só um detalhe para ele. Aquele negócio de só ter que começar pra sair alguma coisa boa. É claro que não poderia ser fácil assim, mas parece que até os recessos criativos estão presentes na música de forma inspirada. Ouvir Five Leaves Left é entrar no meio do arco-íris de sentimentos que um ser humano pode sentir e conseguir perceber todos eles. Mas você não define um por um. Assim como é muito fácil ser cativado pelas músicas, é impossível definir por que. Nicholas não abre o jogo, ou nem é possível entrega-lo. Se houvesse uma receita para um disco como esses, aberrações da música pop como Jack Johnson seriam elevadas ao status de gênios a cada álbum novo que cagassem.

Esse é outro aspecto que eleva FLL ainda mais à condição de clássico: sua influência. A música de Jeff Buckley, Rufus Wainwright, Elliot Smith, Isobel Campbell e tantos outros comprovam que a década de 90 não teria sido igual (e tão genial) ao que foi sem o disco (e não só ele, toda a obra de Drake). Nick poderia ter composto Lilac Wine em 1970 e ninguém teria achado estranho. Talvez, justamente pela sua influência excessiva aos cantores solos da década de 90 (acho que eles formam um clube), ele tenha começado a ser descoberto. Tanto que já teve seu nome em cerca de 17 trilhas sonoras de filme desde 1995, entre eles “Os Excêntricos Tenenbaums” de Wes Anderson e o recente drama romântico “A Casa do Lago” com Sandra Bullock e Keanu Reeves.

Porque? Por que Nick Drake é adequado. Qualquer drama que ainda não foi nem escrito já suplica por River Man ou Fruit Tree e Three Hours tem passe livre em qualquer road movie mais sombrio.

Se essas músicas soam tão convidativas hoje em dia, certamente soavam na década de 70. Então, qual o tamanho da frustração sentida pelo autor delas? A catástrofe do reconhecimento de Nick tem como um de seus paralelos a rejeição amorosa, por exemplo. Esforçando-se ao máximo para conquistar a garota que mais ama, tudo o que ele recebe em troca é indiferença. Pior: ignorância. A mulher, a fama, o público, as revistas especializadas nem chegam a tomar conhecimento da sua existência. E cacete! Isso é injusto demais! Não quero dizer que o objetivo dele era se tornar uma estrela de Hollywood, com uma Lamborghini na garagem e cocaína fornecida de graça. Mas poder viver de música, para a música. Ter seus discos pelo menos discutidos pelas pessoas. Porra, o cara teve que trabalhar como programador de computadores em 74! O que fazia um programador de computadores em 74? O que isso tem a ver com música?

Dizem que ele era péssimo ao vivo. Que as músicas eram muito complexas pra serem tocadas ao vivo e que a interação com a platéia não funcionava, que Nick era muito tímido e retraído. Pode ser que seja recalque de quem fez o relato, mas acho difícil, devia ser péssimo mesmo. Apesar das qualidades, suas músicas soam ruins pra serem tocada ao vivo em pequenos clubes. Foram mesmo feitas pra grandes execuções em grandes teatros, com uma puta equipe de apoio. Pode ser que seja aí que esteja o motivo do fracasso de Nick: ele era muito classe pra indústria. Ele não combinava com clubes pequenos e nem com grandes festivais. Não era como Dylan, que fazia seu folk político pra platéias enfurecidas com, sei lá, a guerra do Vietnã, a disco music, Rick Nixon, o que fosse...

Há esse furacão envolvendo tudo isso. Milhões de possibilidades pra Nick não ter ido pra frente e ninguém parece ainda se importar muito (apesar das trilhas sonoras). Mas eu acho que isso não é importante. Ainda (ou, espero, ) existem uns gatos pingados que sabem apreçar toda essa doçura sombria, toda essa fúria encaixotada num quarteto de cordas e qualquer outro paradoxo sentimental que eu ou você quisermos inserir aqui, que um disco como Five Leaves Left proporciona. Ainda bem.

Nick morreu sem que seus álbuns figurassem nas listas da Rolling Stone e da NME, nem que coletâneas com o seu nome fossem lançadas e também pode ter morrido exatamente por isso. Pena. Um dia, Five Leaves Left vai estar ao lado de Led Zeppelin IV, The Dark Side of the Moon, Highway 61 Revisited, Tommy e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Pode levar 10 ou cem anos, mas vai acontecer. É só pensar que o injustiçado Van Gogh hoje tem seus quadros vendidos por 80 milhões de dólares.

Monday, January 01, 2007

2007...

You electrify my life diz:
to ouvindo bright eyes
tendo crises
You're solid gold, I'll see you in hell diz:
eu to ouvindo rock rocket e fazendo pirococoptero


Esse é o espírito, saca?

 
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