Breve explicação: Dois posts atrás (creio), eu disse que queria fazer alguma coisa parecida com o que o Lester Bangs fez com o Astral Weeks, de Van Morrison com esse Five Leaves Left. Paguei pela minha boca grande: meu texto não chega a sequer remeter ao do Lester - em estilo e em grandiosidade. Eu estava enferrujado na secular arte de escrever reviews de disco e não estava me sentindo seguro. Fica aí para registro, anyway.
Agradecimentos especiais ao Shepa, ao Djeguin e ao Rafael, que me deram sugestões preciosas para a resenha.
Five Leaves Left é o clássico que ninguém ouviu. É um fracasso como sucesso, mas é um sucesso como fracasso. Nick Drake é, naturalmente, um virtuoso. Se o conceito de “virtuoso” é (ou ainda é) alguém que simplesmente domina um instrumento e de olhos fechados faz firulas circenses com ele, eu me recuso a aceitá-lo. Para criar músicas como as que estão
Em 1969, Nicholas Drake não era ninguém, gravou um álbum genial e se tornou famoso e multimilionário? Não foi bem assim. Na “época do rock” de Lester Bangs, um cantor folk de uma cidade do interior da Inglaterra acabava passando despercebido pelos olhos do público, sedento ainda pela novidade do rock and roll. A Island Records também não conseguiu fazer a publicidade devida e o disco vendeu pouco.
A tragédia dos talentosos que só foram reconhecidos décadas depois é uma das mais contadas e ouvidas por todo mundo. Mas dizer que Nick é algo como o Van Gogh do folk é cair um pouco no lugar comum que ambos fugiam, ou pelo menos desviavam naturalmente. Mesmo assim, há semelhanças inevitáveis entre os dois. Como, por exemplo, saber que se está fazendo alguma coisa relevante e não obter fama e como isso afeta o trabalho posterior. Pink Moon e os últimos trabalhos de Van Gogh são bonitos, em parte, justamente por causa do sofrimento causado pela incompreensão e indiferença recebidas por suas artes antecedentes. Ou seja, dá pra ver que isso vai continuar pelas eras e que certos gênios só serão descobertos vinte, trinta, cem anos depois de terem feito seus clássicos de porão.
E não tinha porque Five Leaves Left ser esquecido. Se o cenário artístico e musical da época não era favorável, a mágica da canção acústica e orquestrada de Nick valia qualquer esforço para garimpar até achar o disco de capa verde perdido em alguma prateleira da Virgin Records. Começa com Time Has Told Me, uma das melhores primeiras impressões que um álbum poderia passar. River Man e Way to Blue têm as melhores incursões de cordas que eu já ouvi na música pop. Se é que Nick Drake é música pop. O conceito vulgarizado dela, de música descartável e de rádio FM inclinaria qualquer um a classificar a genialidade musical dele como qualquer coisa, menos pop. Mas se pensarmos em “música pop” como temas de fácil assimilação, então há um enquadramento perfeito. Logo na primeira audição, o álbum parece familiar e aconchegante. E é aí que você percebe que Nick te pegou, que pode ser que esse seja um dos seus preferidos.
Parece que era muito simples para ele compor. Bem, eu não estava lá, mas a naturalidade com que os demônios são exorcizados na música de Drake faz parecer que criar era só um detalhe para ele. Aquele negócio de só ter que começar pra sair alguma coisa boa. É claro que não poderia ser fácil assim, mas parece que até os recessos criativos estão presentes na música de forma inspirada. Ouvir Five Leaves Left é entrar no meio do arco-íris de sentimentos que um ser humano pode sentir e conseguir perceber todos eles. Mas você não define um por um. Assim como é muito fácil ser cativado pelas músicas, é impossível definir por que. Nicholas não abre o jogo, ou nem é possível entrega-lo. Se houvesse uma receita para um disco como esses, aberrações da música pop como Jack Johnson seriam elevadas ao status de gênios a cada álbum novo que cagassem.
Esse é outro aspecto que eleva FLL ainda mais à condição de clássico: sua influência. A música de Jeff Buckley, Rufus Wainwright, Elliot Smith, Isobel Campbell e tantos outros comprovam que a década de 90 não teria sido igual (e tão genial) ao que foi sem o disco (e não só ele, toda a obra de Drake). Nick poderia ter composto Lilac Wine em 1970 e ninguém teria achado estranho. Talvez, justamente pela sua influência excessiva aos cantores solos da década de 90 (acho que eles formam um clube), ele tenha começado a ser descoberto. Tanto que já teve seu nome em cerca de 17 trilhas sonoras de filme desde 1995, entre eles “Os Excêntricos Tenenbaums” de Wes Anderson e o recente drama romântico “A Casa do Lago” com Sandra Bullock e Keanu Reeves.
Porque? Por que Nick Drake é adequado. Qualquer drama que ainda não foi nem escrito já suplica por River Man ou Fruit Tree e Three Hours tem passe livre em qualquer road movie mais sombrio.
Se essas músicas soam tão convidativas hoje em dia, certamente soavam na década de 70. Então, qual o tamanho da frustração sentida pelo autor delas? A catástrofe do reconhecimento de Nick tem como um de seus paralelos a rejeição amorosa, por exemplo. Esforçando-se ao máximo para conquistar a garota que mais ama, tudo o que ele recebe em troca é indiferença. Pior: ignorância. A mulher, a fama, o público, as revistas especializadas nem chegam a tomar conhecimento da sua existência. E cacete! Isso é injusto demais! Não quero dizer que o objetivo dele era se tornar uma estrela de Hollywood, com uma Lamborghini na garagem e cocaína fornecida de graça. Mas poder viver de música, para a música. Ter seus discos pelo menos discutidos pelas pessoas. Porra, o cara teve que trabalhar como programador de computadores em 74! O que fazia um programador de computadores em 74? O que isso tem a ver com música?
Dizem que ele era péssimo ao vivo. Que as músicas eram muito complexas pra serem tocadas ao vivo e que a interação com a platéia não funcionava, que Nick era muito tímido e retraído. Pode ser que seja recalque de quem fez o relato, mas acho difícil, devia ser péssimo mesmo. Apesar das qualidades, suas músicas soam ruins pra serem tocada ao vivo em pequenos clubes. Foram mesmo feitas pra grandes execuções em grandes teatros, com uma puta equipe de apoio. Pode ser que seja aí que esteja o motivo do fracasso de Nick: ele era muito classe pra indústria. Ele não combinava com clubes pequenos e nem com grandes festivais. Não era como Dylan, que fazia seu folk político pra platéias enfurecidas com, sei lá, a guerra do Vietnã, a disco music, Rick Nixon, o que fosse...
Há esse furacão envolvendo tudo isso. Milhões de possibilidades pra Nick não ter ido pra frente e ninguém parece ainda se importar muito (apesar das trilhas sonoras). Mas eu acho que isso não é importante. Ainda (ou, espero, já) existem uns gatos pingados que sabem apreçar toda essa doçura sombria, toda essa fúria encaixotada num quarteto de cordas e qualquer outro paradoxo sentimental que eu ou você quisermos inserir aqui, que um disco como Five Leaves Left proporciona. Ainda bem.
Nick morreu sem que seus álbuns figurassem nas listas da Rolling Stone e da NME, nem que coletâneas com o seu nome fossem lançadas e também pode ter morrido exatamente por isso. Pena. Um dia, Five Leaves Left vai estar ao lado de Led Zeppelin IV, The Dark Side of the Moon, Highway 61 Revisited, Tommy e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Pode levar 10 ou cem anos, mas vai acontecer. É só pensar que o injustiçado Van Gogh hoje tem seus quadros vendidos por 80 milhões de dólares.
3 comments:
bom, agora estou com vontade de conhecer o grandão aí...
MALDITO!
cade o link pra baixar,ein?????
elevar a poteência a relevância de um sujeito que já morreu...é a necrofilia da arte mesmo...
brincadeira amiguinho...eu também gosto do drake...vamos todos nos abraçar e amor uns aos outros =B
Jack Johnson faz parte de um estilo completamente diferente, o que leva incompatibilidade ao compará-los. Sim, seu ultimo album pode ter sido apelativo, mas em seu gênero musical criou faixas interessantes e algumas de forte críticas e mensagens. Tirando isso, parabéns pelo blog!
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