Monday, January 08, 2007

John Frusciante - Shadows Collide with People


Eu deveria estar dormindo. Faltam dois minutos pras quatro agora, e eu estou aqui fazendo um review. Pior: continuo com a minha mania irremediável de só fazer análises de álbuns relativamente velhos. Veja só, 2007 acaba de despertar em berço esplêndido e eu aqui ouvindo, absorvendo e tentando transpor para zeros e uns um disco de fevereiro de 2004. Mas vá lá, é o melhor disco de 2004! Possivelmente um dos três melhores dessa década (que ainda está longe de terminar, é verdade). Exagero? Tente escutar Shadows Collide With People e não considerar o disco, pelo menos, acima da média.

John Frusciante, o prolífico guitarrista dos Red Hot Chili Peppers, é um dos maiores músicos das décadas de 90 e 00, e meu sonho era vê-lo gravando numa banda com Jeff Buckley e Brant Bjork. Mas deixando isso de lado, são só devaneios do imaginário musical das dream bands, é realmente notável a maturidade musical que John atingiu em tão pouco tempo. Não estamos falando de Sinatra ou algum outro cantor que teve 50 anos pra burilar sua música tranqüilamente. Somente em 1989 ele gravou seu primeiro disco com os Chili Peppers e, mesmo assim, nesse ínterim, foi até o inferno e voltou (com o perdão da citação a Justin Hawkins). Duvida? Ouça então Smile From the Streets You Hold, disco de 97 que coincide com a pior época nas drogas de John e que foi feito pra conseguir dinheiro pra heroína. Se você conseguir imaginar a trilha sonora para um trapo ensangüentado sendo torcido sobre um moribundo, ou alguma coisa tão deprimente e sanguinolenta quanto, bem, você tem Smile From the Streets You Hold. E não é um disco ruim, exprime algum tipo de niilismo e arrependimento, principalmente o último, que você verá em Shadows Collide With People, mas não tem a classe deste. Quer dizer, um é um junkie desesperado gritando por heroína e o outro se trata de um junkie recuperado, arrependido pelo que fez e pelo que perdeu e também vendo agora a vida por outro prisma.

Shadows... é basicamente um disco sobre arrependimento e volta por cima e isso é passado totalmente para a música, de modo que não é preciso ler o trecho a seguir pra sacar isso.

”This is the time to die
I'm not someone on whom to rely
Chances come and chances go
This is letting you know”

As melodias dão conta de traduzir pra você o que John quer dizer. Entende como isso é, de certa maneira, especial? Basicamente todas elas são intrigantes, não te fazem ficar choramingando com a cara no travesseiro, mas também não são música pra se dançar de cueca pela casa (eu não faço esse tipo de coisa, que fique claro). Foram feitas para mexer com você, de uma forma ou de outra. Exemplo: antes de me pôr a escrever este review, eu estava tentando dormir ouvindo o disco. Mas meu organismo reage a esse álbum de uma forma estranha, num tipo de palpitação da alma, primeiro uma angústia que comprime meu peito e logo depois uma euforia que lateja bem nas paredes internas da minha costela. Pode ter a ver com o instrumental, sim, mas o grande trunfo de Frusciante aqui é mesmo sua voz.

Ela dança pela música toda, primeiro soando normalmente como soaria o canto de um cantor folk bem afinado, depois berrando angustiada, depois sumindo por baixo dos sintetizadores eletrônicos, aí sussurrando, resmungando aborrecida, ressentida... O coro inicial de Carvel é a prova inquestionável de que vocal é sim um instrumento. Poucas vezes vi a voz fundir-se à guitarra, bateria e baixo tão perfeitamente, e essa é a palavra, e tão sincera, também. Porque não estamos falando de fades ou zumbidos, e sim um coro forte e marcante.

E se Carvel escancara a habilidade de John em fazer harmonias, Omission tem como função, além disso, mostrar sua versatilidade ao tomar as decisões que os rumos das suas músicas devem seguir. Inesperada e inexplicavelmente, a música pop e limpa ganha um refrão acelerado (e paradoxalmente doce) e com uma levada eletrônica. E com extrema propriedade, aquilo fazia parte da música o tempo todo e você nem sabia! Não é trabalho só dele, a música tem co-autoria de Josh Klinghoffer, mas tudo bem. O imaginável não imaginado não se limita a Omission.

A princípio, todas as músicas tratam também de serem redescobertas e provarem que a música pop pode ser imprevisível (a idéia aqui era encontrar algum superlativo, mas acho que se é imprevisível, então não há porque fazer comparações). Second Walk, Wednesday’s Song, In Relief, todas, são assim.

Em determinados momentos, músicas sem letra e totalmente experimentais entram pra te colocar flutuando ou coisa do tipo. -00 Ghost 27, Failure 33 Object e 23 Go into End são John Frusciante orbitando em seu casulo, ou podem significar qualquer outra idéia ou alegoria. E essa é a beleza dessas faixas, a discordância que podem causar, e qualquer mito que possam criar.

Musicalmente o álbum supre qualquer necessidade de letra (e isso não é nenhum demérito, é só pensar que o Black Sabbath tem algumas letras bem infantilóides), mas quando o sujeito faz um disco desses, de redenção e arrependimento, ele não pode deixar o essencial se transformar em supérfluo, por mais que tenha o aval para isso. E as letras não deixam a desejar. O tema do remorso é recorrente no disco e a minúscula (mas significativa de qualquer maneira) letra de Regret resume tudo o que John Frusciante quer lidar com seu Shadows Collide With People.

“I regret my past
Stay alone”

Não apenas isso, a música também poderia ser algo como um estandarte da adolescência entediada e dramática que existe por aí. Ou a frase-emblema oficial de todos os ex-viciados em heroína do mundo. Poderia estar numa camiseta que vendesse horrores.

Mas nada disso importa, não é mesmo?

Shadows Collide With People é a redenção definitiva de um artista, que o suga para dentro da dor e esperança dele mesmo e ainda redefine certos conceitos da música pop (mesmo que não tenha influência suficiente pra mudá-los definitivamente). Não é isso que faz um grande disco?

5 comments:

passageiro said...

Seu Blog é demais, tu tem mó conhecimento de música, mané.

Anonymous said...

nem gosto muito...apesar de achar melhor que os peppers...só li pq gosto dos seus textos =D

CONFETEEEEEEEE

Anonymous said...

Cai de paraquedas no seu blog, procurando reviews do Shadow no Google; mas parabéns pelo texto que está, sem sombras de dúvidas, fantástico.

Li lá em cima (no post sobre o Nevermind - em tempo: detesto Nirvana) depois que você tem apenas 17 anos (não encare mal, eu tenho 18) e, com certeza, acho que não conseguiria escrever um review tão bom para este álbum que eu também adoro.

Aproveitarei e vou dar uma olhada no restante dos posts. ;P

Abraços.

Célia said...

É o meu disco preferido do John... Grande músico.

Aproveito para deixar o link para o meu forum sobre ele:
http://johnfrusciante.pt.vu

Unknown said...

oh my, boy!! eu tetnho visto algumas reseenhas muito boas sobre john e seu trabalho. a tua é das melhores. demais!! parabéns meu caro

 
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